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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

CANGAÇO VIII

Material do pesquisador Antonio Morais

A MORTE DE JARARACA

Em torno da morte do famoso cangaceiro Jararaca, tiveram curso várias versões curiosas, uma das quais foi recolhida por Leonardo Mota, o brilhante folclorista cearense, no interior do Rio Grande do Norte. 

Seguindo essa versão, Jararaca fora barbaramente assassinado por soldados da polícia potiguar, depois de haver sido conduzido da Cadeia Pública ao cemitério de Mossoró, aonde tê-lo-iam obrigado a cavar a própria sepultura. Para não desfigurar o cunho pitoresco do episódio, preferimos transcrevê-lo como narra o apreciador sertanista:


- Quando Lampião teve a certeza de que atravessaria livremente todo o Ceará, em cujo território já por vezes penetrara, erguendo vivas ao então Presidente do Estado, decidiu invadir o Rio Grande do Norte, para atacar a cidade de Mossoró. Seduziam-se os pingues recursos desse empório comercial servido por uma agência do Banco do Brasil. Saiu-lhe porém, o ano bissexto. A população de Mossoró, tendo a frente o valoroso prefeito Cel. Rodolfo Fernandes, reagiu bravamente ao assalto da cabroeira de Virgolino e dois sequazes deste tombaram baleados sem que os companheiros os pudessem conduzir.

Prefeito Rodolfo Fernandes

Um dos feridos era Jararaca. Transportado para cadeia, solicitamente o medicaram. Era preciso que ele falasse sem que as autoridades o ouvissem. De fato, só depois de pensado, interrogado e até de fotografado, o Jararaca morreu. Mas ninguém o viu morto, pois o enterramento foi dado como feito alta noite. Uns vinte dias depois me dizia um sertanejo da terra potiguar:

- Jararaca morreu, mas não foi de morte morrida, foi de morte matada. 

E com a desventura de quem não tem papas na língua nem é jornalista de Governo, descreveu a cena macabra: 

- Uma boca de noite, noite de lua, o Jararaca, algemado, foi conduzido da cadeia para o cemitério. Chegando lá, rodeado de soldados mostraram-lhe uma cova, aberta lá num canto, quase fora do sagrado e lhe perguntaram se ele sabia para que era aquilo. Foi quando o Jararaca falou frocado e destemido: 

- Saber de certeza não sei não, mas porém estou calculando. Não é pra mim? Agora isso só se faz porque eu me vejo nesta circunstância, com as mãos inquiridas e desarmadas! Um gosto eu não deixo pra vocês: é de se gabarem de que eu pedi que não me matassem. Matem! Matem! Que matam, mas é um homem. Fique sabendo que vocês vão matar o home mais valente que já pisou nesta... 

Mas não teve tempo de acabar de dizer o que queria. Por traz dele um soldado, naturalmente de combinação com os outros, deu-lhe um tiro de revólver na cabeça. A bala pegou bem no mole do pé do ouvido, lá nele. O Jararaca amunhecou das pernas e caiu, de olho virado. Aí, os soldados o empurraram com os pés pra dentro da sepultura. Só demoraram enquanto tiraram os ferros das algemas. Quando o cadáver rolou pra cova, fizeram luz e espiaram: o finado tinha caído de bruços. Mas, ninguém se embaraçou com isso: por cima do corpo ainda quente as pás de terra deram serviço. Calou-se o narrador para dizer, logo mais, entre compadecido e irônico, num misto de piedade e galhofa:

"- Coitado do Jararaca! Tão valente na hora da morte, mas foi enterrado dando as costas pra este mundo velho, onde ele fez tanta estrepolia".

O nome do pernambucano Jararaca era José Leite de Santana. Ele tinha apenas 22 anos – nos registros policiais, contudo, aparece com 26. Mesmo com um rombo de bala no peito, conseguiu gargalhar durante uma entrevista na cadeia. O cabra de Lampião dizia que era por causa das “lembranças divertidas do cangaço”.

Lampião diz qui num corre
Mas correu lá da Matinha
Deu um chouto vergonhoso
E galope armofadinha!

Lampião diz qui num corre.
É mofino corredor!
Já correu de Mata Grande,
Qui poeira levantou.

Raul Fernandes.

http://blogdosanharol.blogspot.com.br/2009/07/cangaco-viii.html

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