Por Thiago Fragata
O Cangaço na
Arte de Jô Fernandes
O
cangaço influenciou boa parte dos movimentos sociais que pontificaram o
Brasil no século XX. No século XXI o fato se renova, a insinuação da
homossexualidade de Lampião constitui um bom exemplo porque atrelar
qualquer tema ao cangaço ou buscar inspiração nele significa atrair público, a
opinião pública.
O fato é que
ninguém consegue ficar alheio ao cangaço e seu maior representante, o afamado
Virgulino Ferreira da Silva, apelidado Lampião. Já em 1937, Jorge Amado inseriu
na sua obra Capitães da Areia uma importante observação: “porque a
população dos cinco estados, de Bahia, Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Sergipe,
vive com os olhos fitos em Lampião. Com ódio e com amor, nunca com indiferença”.
Acrescentaria Ceará e Rio Grande do Norte.
Nos dias
atuais vemos estudiosos apaixonados pelo exemplo de resistência ao
mandonismo dos coronéis e desenvoltura perante as adversidades do sertão
nordestino. A saga lampiônica começou em 1918 e findou na Grota de
Angicos, Poço Redondo, em 1938, somando 20 anos de ataques, fugas e
revides.
Invariavelmente, figuram adjetivos nas obras em geral que
tematizam o cangaço, mesmo trabalhos acadêmicos com foros de
imparcialidade, que desvelam um olhar engajado. Se no meio acadêmico o cangaço
tem seus mais ardorosos simpatizantes, com raríssimas exceções, imagina no seio
das populações que conviveram e tiveram experiência positivas ou negativas.
A discussão
bandido ou herói dividiu e divide a sociedade. Folheando alguns livros
recolhemos expressões curiosas e/ou adjetivos que representam opiniões. Vejamos
repertório de Frederico Bezerra Maciel, legítimo representante dos defensores
da missão divina e heroica de Virgulino Ferreira da Silva:
Rei do
cangaço, Senhor absoluto do sertão, Sua Majestade Lampião, Imperador
do Sertão, Rei do Norte, Governador Lampião, Hobin Hood do
Nordeste, Interventor do Sertão, Sinhô Lampião,Gênio em
tudo, Homem de palavra, Justiceiro, O mesmo [para Bahia] o que
fora Padre Cicero para Juazeiro, Ídolo de
todos, Invulnerável, Invencível, Eterno, Lampião era o
povo, Símbolo das reivindicações sociais, O
sertão ínterim, Libertador dos homens explorados do sertão
imenso,Paterno e dócil na intimidade, napoleonicamente enérgico no
comando, Maior guerrilheiro das Américas, Portador de uma luz de
inteligência superior, penetrando até os domínios da cultura, dentre outros.
Por outro
lado, minoria de estudiosos renitentes, ora estribado no argumento da
legalidade, do Estado de direito, ora afetado pelas estripulias praticadas por
Lampião e seus asseclas contra populações indefesas, enfileiram acusações
e adjetivos contundentes contra o vilão. Parapesquisadores como Frederico
Pernambucanos de Mello e Rodrigues de Carvalho a completa definição de
Lampião inclui os termos:
“Criminoso,
truculento celerado, bandido sem ética, alienado mental, nocivo, rapace por
cleptomania, sadicamente perverso, imoral currador dos infelizes sertanejos,
taciturno caolho, refece profissional, tenebroso celerado, avarento, corruptor
das famílias, anjinho de asa de morcego, carne de pescoço infernal, catingueiro
e sagaz, soturno sicário, miserável refece, terrível sicário, ardiloso sicário
semi-analfabeto, espírito de porco espinho, demônio de sagacidade e esperteza,
facínora destituído de humanidade, lombrosiano”, dentre outros adjetivos.
No universo da
literatura de cordel é recorrente o tema cangaço. Não é difícil encontrar os
títulos referente a chegada de Lampião no céu, no inferno e mesmo ao
purgatório. Declara Maria Ângela de Faria Grillo que nos cordéis “as
representações sobre cangaceiros diferem das encontradas nos livros didáticos o
na literatura oficial. Quase sempre tratados como bandidos nestes espaços, nos
cordéis são, pelo menos, mais contraditórios”, ou seja, são assassinos mas são
românticos, roubam mas ajudam os pobres, enfim, possuem carga heroica.
Lampião
dos cordéis mantém traço heroico e contraditório
Numa rápida
leitura de A chegada de Lampião no Céu (s/d), de Rodolfo Coelho Cavalcante; de
A chegada de Lampião no inferno, de José Pacheco, e A Chegada de Lampião no
purgatório (s/d), de Luiz Gonzaga de Lima (1981) captamos a impressão a
respeito da polêmica bandido x herói. Lampião retratado por Rodolfo Coelho
Cavalcante não merece entrar no céu por isso é mandado ao purgatório. Daí foi
expulso por São Miguel, segundo verso de Luiz Gonzaga de Lima. No inferno não
ficou, agora expulso por Lúcifer, desde então vaga pelos sertões feito alma
penada a soprar estórias e inspirando arte popular nordestina, tudo para não
deixar o Brasil esquecer o cangaço.
Lampião é o herói bandido dos cordéis
Thiago Fragata
Pesquisador, especialista em História Cultural pela Universidade Federal de
Sergipe (UFS), sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe
(IHGSE) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS/SECULT). Matéria
especial para o blog do Museu Histórico de Sergipe e sua exposição “Cangaço:
por dentro do emborná e na ponta do punhá” (22 de agosto a 22 de setembro
de 2012).E-mail: thiagofragata@gmail.com
http://museuhsergipe.blogspot.com.br/search/label/Lampi%C3%A3o
http://cariricangaco.blogspot.com.br/2015/01/lampiao-bandido-heroi-e-outros.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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