Por Rostand Medeiros
Até
recentemente talvez muitos não imaginassem que um tema como o fenômeno de
banditismo do Cangaço, sempre tão controverso, tão espinhoso, que produz
tantas discussões apaixonadas, que mexe com tantas emoções (muitas
delas terrivelmente dolorosas), conseguisse reunir pessoas em um evento
onde ocorressem interessantes debates e instrutivas visitas aos locais onde aconteceram
os fatos.
Mas este
evento existe, já acontece há seis anos e é um grande sucesso. Estou comentando
sobre o Cariri Cangaço, que recentemente encerrou mais uma edição em Piranhas,
Alagoas. E eu estive lá!
Noite de Abertura do Cariri Cangaço Piranhas 2015. Aqui apoiando a homenagem
criada pelo amigo Ivanildo Silveira (vestido a caráter) na entrega de Placas de
Honra ao Mérito pelos relevantes serviços prestados a cultura nordestina a
várias personalidades do universo da pesquisa e estudo do cangaço. Receberam a
honraria: Manoel Severo (na foto, de paletó), curador do Cariri Cangaço; os
pesquisadores; de Barro (CE), Sousa Neto; de Paulo Afonso (BA), Luiz Ruben; de
Cajazeiras (PB), Professor Francisco Pereira e de Nazaré do Pico (PE), Netinho
Flor.
O Cariri
Cangaço teve sua primeira edição realizada em 2009, no Ceará, sendo uma ação do
Instituto Cariri do Brasil. A frente desta luta pela nossa história está Manoel
Severo, que com sua força, energia e seus sonhos, consegue com sucesso realizar
este evento em várias cidades nordestinas.
Mesmo sendo o
Cangaço um fenômeno que existiu exclusivamente no Nordeste do país, durante os
dias 25 e 28 de julho eu tive a grata oportunidade de me reunir com pessoas
vindas de 16 estados do Brasil. Eram pesquisadores, escritores, professores,
estudantes universitários, artistas, documentaristas, cineastas e curiosos.
Junto com os amigos Ivanildo Silveira (RN) e Kiko Monteiro (SE)
Durante os
quatro dias do evento aconteceram palestras com os temas “Piranhas e suas
histórias”, “Um Estudo Multidisciplinar sobre o Cangaceirismo”, “Uma Viagem
Fotográfica pelo Cangaço”, “A Vingança de Corisco no Palco dos Inocentes”,
“Arqueologia do Cangaço”, entre outros.
A maioria das
palestras ocorreu em Piranhas, principalmente no moderno Centro Cultural Miguel
Arcanjo. No local também ocorreram apresentações do Grupo Musical Armorial e do
Teatro do Cordel da Rabeca, este último com o espetáculo “O Amor de Filipe e
Maria e a Peleja de Zerramo e Lampião”.
Com Sousa Neto (CE) e Kiko Monteiro (SE)
Em relação à
bela cidade alagoana de Piranhas, conhecida como “Lapinha do Sertão”, é
indiscutível que ela recebeu a todos de braços abertos e com extrema atenção.
Uma parte da organização esteve sob a competente batuta do empresário Celso
Rodrigues e de Patrícia Brasil, sua distinta esposa e secretária de cultura e
turismo do município de Piranhas. Além deles inúmeras pessoas da região
trabalharam arduamente para que os debates e as apresentações sobre a história
dos cangaceiros e de suas vítimas fossem democratizados de maneira ímpar.
Com o Dr. Lamartine (BA) e sua esposa
Já sobre as
visitas é inegável que todas foram extremamente interessantes. Mas,
pessoalmente, adorei a visita realizada no local do Combate de Maranduba. E a
razão foi está ao lado do Dr. Lamartine de Andrade Lima.
Aí vou ter que
fazer uma paradinha para comentar que este tranquilo alagoano de nascimento,
que mora em Salvador a muitos anos, possui entre seus títulos e realizações o
fato de ser um orgulhoso Oficial Superior Médico da Marinha do Brasil, ter
realizado o Curso Superior da Escola de Guerra Naval, ser detentor da Medalha
do Mérito Almirante Tamandaré, da Medalha Militar de Prata, da Medalha de
Ouro do Memorial da Medicina Brasileira, ser Professor Honorário da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Professor-Assistente de Medicina
Legal da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, Assistente Voluntário de
Medicina Legal da Universidade Federal da Bahia, Perito Médico-Legal do
Instituto “Nina Rodrigues”, além de ser um dos mais respeitados estudiosos
do cangaço no Brasil. Ligado intelectualmente ao mestre Estácio Luiz
Valente de Lima – criador do Museu do Cangaço e cientista que escreveu o “Mundo
estranho dos Cangaceiros” – livro clássico sobre o tema, o Dr. Lamartine também
realizou criteriosos estudos sobre o assunto, baseados em persistente pesquisa
e na convivência que teve com inúmeros cangaceiros, presos em Salvador, e
acompanhados pelo Dr. Estácio.
Dr. Lamartine reconhecendo as velhas munições
Apesar de todo
o seu vasto currículo e de toda sua sabedoria, pessoalmente a mais importante
situação que percebo no contato com o Dr. Lamartine é a sua extrema
simplicidade e sua inegável vontade de dividir o conhecimento.
Após a
realização da visita ao local onde existe uma cruz que marca o ponto principal
do Combate de Maranduba, eu e o amigo Kiko Monteiro seguimos para a Capela de
Santa Luzia, padroeira da comunidade, com a intenção de esperar o amigo
Ivanildo Silveira e seguirmos viagem. Mas ali encontramos o Dr. Lamartine em
animada palestra com dois agricultores da região. Debatiam sobre um local denominado
“Fogo dos Homens”, onde presumivelmente ocorreu um desdobramento do Combate de
Maranduba.
O tempo estava
chuvoso, do jeito que os agricultores nordestinos gostam, mas isso não impediu
que o Dr. Lamartine convidasse os agricultores, o amigo Kiko e eu, para
visitarmos o dito local que ficava a cerca de dois quilômetros de distância.
Seguimos no seu carro e logo desabou o maior toró, mas mesmo assim o Mestre nem
se importou. Esperamos um tempo a chuva aplacar, enquanto o Dr. Lamartine dava
uma verdadeira aula sobre os caminhos naturais das chuvas no sertão, analisando
empiricamente a direção das gotas, a velocidade do vento e outras
condicionantes.
Pouco tempo
depois a chuva diminuiu e podemos chegar ao local do “Fogo dos Homens”. E aí eu
tive a grata oportunidade de ter uma aula com alguém que sabe ensinar e sabe o
que está falando!
O Dr.
Lamartine seguiu pelo campo protegido por uma sombrinha e escutava com
paciência e interesse os relatos dos agricultores. Eles informaram que ao longo
dos anos, quando aravam a terra neste local, sempre encontravam cápsulas
deflagradas. Ele questionou os locais onde mais eles encontravam estes restos
de munições de fuzis, os pontos onde existiram árvores mais antigas e
resistentes que serviram para a defesa dos cangaceiros, ou policiais. Seguia
visitando os marcos indicados por aqueles homens simples, sempre ouvindo mais
que perguntando.
Junto ao Mestre Lamartine e seus informantes. Uma grande aula!
Ao final, na
parte mais elevada do local, a partir das informações recebidas daqueles
simples nordestinos, o Dr. Lamartine fez uma memorização muito acurada do que
foi publicado sobre o Combate de Maranduba, realizou sucinta análise do uso
militar do terreno em que nos encontrávamos, dos pontos existentes para uma
defesa satisfatória, dos possíveis pontos de disparos, dos locais favoráveis a
emboscadas, rotas de fuga e etc.
Foto Kiko Monteiro
Em mais de uma
hora naquele local eu tive uma intensa e profunda aula sobre táticas de combate
e a arte da guerra como jamais tive em toda minha vida.
Aprendendo mais com dois Mestres, Antônio Amaury Corrêa de Araújo e o Dr.
Lamartine
Como diz meu
amigo Sousa Neto, “Uma coisa é ler sobre um combate, a outra é está no local
onde tudo ocorreu e assim conseguir um melhor entendimento dos fatos”. E eu
complemento – E muito melhor é estar em um local desses ao lado de um Mestre
como o Dr. Lamartine de Andrade Lima.
Voltando a
Semana Cariri Cangaço 2015. Este evento também contou com a participação do
estado de Sergipe, através da inauguração do Memorial Alcino Alves Costa, no
município de Poço Redondo. O sergipano Alcino Costa (já falecido) foi um
escritor, pesquisador e memorialista que conviveu com inúmeros cangaceiros e
vítimas deste fenômeno, a quem tive o privilégio e a honra de conhecer em 2010.
Não podemos
olvidar que este encontro foi realizado em parceria com a SBEC – Sociedade
Brasileira de Estudos do Cangaço, do Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará e o
Grupo Paraibano de Estudos do Cangaço.
Com o amigo Raul Meneleu
Mascarenhas (SE)
Paralelo a
Semana Cariri Cangaço 2015 ocorreu mais uma edição da Missa do Cangaço, na
Grota do Angico, local da morte de Lampião e Maria Bonita em 1938. A Grota do
Angico fica localizada na divisa dos municípios de Poço Redondo e Canindé do
São Francisco, já a missa tem o objetivo de homenagear o aniversário de morte
de Lampião, Maria Bonita e nove outros membros do seu bando, bem como também de
preservar e manter viva a história do Cangaço.
Junto com Vera Ferreira (SE), neta de Lampião e Maria Bonita
Este evento
foi promovido pela jornalista Vera Ferreira, neta deste famoso casal de
cangaceiros. Pessoalmente foi um momento muito positivo me reencontrar com Vera
Ferreira, a quem não via já fazia um bom tempo e a quem tanto eu admiro!
Como está
descrito no blog do Cariri Cangaço ( http://cariricangaco.blogspot.com.br/ )
– “A cada edição o número de expectadores e convidados especiais só aumenta, em
cada sede, em cada cidade, mais do que um evento, mais que uma reunião de
escritores e pesquisadores, mais que um responsável conjunto de
palestras, painéis debate histórico, mais do qualquer
coisa, traduzimos nosso Cariri Cangaço como um espetacular encontro de amigos”.
Rostand
Medeiros
Publicado no http://tokdehistoria.com.br do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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