Por Raul Meneleu Mascarenhas
Lampião ainda jovem
O aspecto
físico de Lampião durante os vinte anos passados no cangaço evoluiu
consideravelmente.
Tentarei aqui,
através de fotografias, retiradas de sites da internet fazer uma reconstituição
de seu aspecto físico que sofreu modificações, talvez o deixando em
determinadas ocasiões de rosto desfigurado tanto pela dor quanto pelo ódio, mas
não temos fotos dessas ocasiões. Apenas das alegrias. Cito Elise
Grunspan-Jasmin quando diz das narrativas de "sertanejos que o conheceram
e testemunharam muito mais do que as fotografias, que mais ocultam do que
mostram feridas e deformidades; essas imagens o apresentam sempre em sua
integridade física, no auge do poder."
Vemos através
dos livros que fotografias não mostram com perfeição o que está dentro dele
pois Lampião ao tirar fotografias, fazia poses e modificava sua fisionomia
através de um marketing pessoal que impunha aos fotógrafos, para que só
tirassem as fotos com sua permissão. O aspecto físico de Lampião podemos
constatar melhor através das narrações dos sertanejos que o conheceram como se
diz, cara-a-cara.
Como
contraponto a uma ornamentação cada vez mais visível, o corpo de Lampião se
transforma à medida que sofre injustiças, sofrimentos e de lutos. Os jornais da
época, apenas evocavam a monstruosidade de Lampião e sua insensibilidade à dor
alheia, excluindo-o assim da sociedade dos homens e tornando-o um demônio que
infligia sofrimentos morais e físicos aos sertanejos.
Algumas
narrativas posteriores à morte de Lampião põem em relevo uma afetividade que se
expressaria em e por seu corpo. A vida de Lampião é uma sucessão de lutos: seu
pai é assassinado, todos os irmãos que o acompanharam no cangaço morreram um
após outro, o grupo que ele constituiu e que poderia aparentar uma família é
desmantelado e ele foge para a Bahia.
As
transformações do rosto de Lampião começam a surgir principalmente com a morte
de seus irmãos. Logo após essas mortes que se faz referência à transformação de
seu corpo, no qual se leem a tristeza e a revolta. Simbolizando o corpo
familiar machucado, o corpo de Lampião faz-se metáfora da dor. O escritor
sergipano Ranulfo Prata traz uma matéria em seu livro "Lampião" onde
ressalta o intenso afeto de Lampião pelos seus irmãos: "Em que pese toda a
sua fereza e insensibilidade, tem lá no fundo abismal do ser anômalo, como um
pingo de sol num paul, sentimentos fraternais. Amou os irmãos, sendo sempre
para com eles de extrema tolerância e benignidade, indo até a quebra da
disciplina do bando. Quer, muita vez, castigá-los, porque eles, Antônio, Livino
e Ezequiel, são impulsivos e violentos. Mas amolece, fraqueja e não lhes toca."
Com a morte de
seus irmãos e membros de seu bando mais chegados em intimidades, passa Lampião
ao mesmo tempo humanizar-se em choros e sofrimentos, fica cada vez mais também
mostrando o seu outro eu, feroz e impiedoso. E essa impiedade passou a se fazer
notar pelos sertanejos, testemunhas dessas mudanças com a morte de seu irmão
mais novo, Ezequiel. Muitos que viveram nesse tempo, conta-nos Elise
Grunspan-Jasmin, acreditavam que em seu corpo os estigmas do mal e da crueldade
existiam nas "marcas de uma diferença profunda, fazendo dele um ser que
escapa às normas humanas."
Ranulfo Prata
ficou fascinado com as mãos de Lampião. Mãos cadavéricas, secas e finas,
dotadas de uma vida própria, mãos de assassino que provocavam repulsa e pavor:
"O que mais impressiona no seu físico chocante são as mãos. São
terrificas, expressivas, revelando um temperamento, uma vida.
Extraordinariamente longas, no dorso, sobre um leque de tendões enrijados,
dançam-me arabescos escuros de veias turgidas; recobre-lhe as palmas uma crosta
áspera e acinzentada como pele de batráquio; os dedos finos, ósseos, compridos,
terminados em unhas córneas e pontiagudas, engraecidas como equimoses, ostentam
inúmeros anéis, falsos e verdadeiros. Mãos ferozes, convulsivas, astuciosas,
brutais e ávidas. Parecem sempre febris, frementes, animadas de estranha vida
como se cada músculo e cada nervo estivessem a receber continuamente a
excitação de uma agulha elétrica. Mãos que possuem hábitos horrendos, paixões
furiosas. Se se elevam no ar, traçam gestos de punhaladas, de estrangulamentos
de gorjas."
Ranulfo Prata
ressalta também seu cheiro forte e sua animalidade: "Não só ele como todos
os cabras têm fortes almíscar, cheiro ativo e acentuado de rancho de cigano.
Por onde passam, deixam o ar impregnado por longo tempo. E uma mistura de
sujeira de corpos e perfumes de variadas qualidades, com que ensopam cabelos e
lenços. Sátiro, dominado sempre de super-sexualismo, denunciador do desequilíbrio
somático evidente, tem uma amante famosa, que o acompanha, Maria Déa, de 20 e
poucos anos, cabocla simpática de cabelos negros..."
Com essas
transformações Lampião fornece aos jornais da época uma imagem que não foi
encontrada pelo Benjamin Abrahão Botto, a de "uma besta-fera, meio homem
meio animal, barbas e cabelos crescidos até quase o meio das costas, interna-se
nas caatingas e ataca as fazendas, incendeia, assassina, desonra e comete as
mais inconfessáveis barbaridades." - artigo do jornal sertanejo A
Voz de Pesqueira de 10 de abril de 1937 onde é mostrado claramente o tema da
monstruosidade visível.
O sertanejo
João Circinato, ex-fazendeiro originário de Vila Bela, que foi sequestrado por
Lampião durante algumas horas, descreve-lhe o rosto "onde transparecia seu
caráter demoníaco: "De cara que parecia a cara de cão; ele não era feio,
mas a cara dele matava todo mundo. [...] E a gente tinha até medo de encarar para
ele. Que era a cara de uma serpente, direitinho. Se ele tivesse com raiva era
com raiva e se não tivesse, era a mesma cara feia." - Cangaceiros invadem Serra
Talhada - Jornal da Cidade 09/11/1947.
Segundo Elise
Grunspan-Jasmin, os soldados "também sempre tiveram pavor do aspecto
físico de Lampião. Dizem que os autores ou os jornalistas da época insistem no
medo dos soldados diante do aspecto inquietante e mesmo demoníaco de Lampião
porque eles pertencem ao mundo "arcaico" do sertão, vítimas de todas
as superstições. Lampião sabe muito bem quem são seus adversários e quais são
as imagens e os aspectos de seu corpo e de sua personalidade que é preciso exibir
para atemorizá-los. Segundo seus autores, somente a civilização do litoral, religiosa,
mas não supersticiosa, "civilizada" e não "bárbara", tem os
meios psicológicos de se apropriar do corpo de Lampião e destruir sua
imagem."
Ranulfo Prata
nos diz textualmente que "Como todos os companheiros, traz longos cabelos
sobre os ombros, compondo assim, uma máscara que atemoriza os soldados, terror
que cresce nos tiroteios com os alaridos que fazem os cabras, relinchando,
zurrando, latindo, praguejando, chamando Deus e pelo diabo, a agitar. Furiosos
como íncubos, as cabeleiras, e a pular como símios. Os soldados crendeiros, que
têm nas almas as mesmas superstições, julgam que estão diante do sobrenatural,
empolgando-se de pavor, e quando não debandam contidos pela energia férrea do
comandante, tiram o olhar de semelhante espetáculo, e começam a atirar a esmo,
sem pontaria, com a cabeça enfiada entre os braços nervosos que empunham a arma
sem firmeza. Quando voltam dos encontros confessam, á puridade, sinceramente,
que na hora do fogo, os bandoleiros, como se tivessem rolado nos espojadouros
das mulas-de-padre, tinham virado demônios."
O artigo do Diário
de Pernambuco de 21 de janeiro de 1932 evoca o medo que inspira a aparência
selvagem de Lampião aos soldados das Forças Volantes: "Os que compõem as
tropas volantes lançadas nas catingas para combater o banditismo são filhos
desta zona calcada por tantas misérias e tantas provações. São homens cheios de
superstições e que se apavoram ante qualquer possibilidade de castigo de Deus.
Lampeão disso se aproveita. Indivíduos de cor escura, quase preta, mas de
cabelos corridos, o bandido não corta os cabelos e deixa-os cair sobre os
ombros. A maioria dos seus cabras imitam-no. Nos combates com as tropas, os
bandidos soltam gritos terríveis e relincham."
Realmente
podemos notar tanto pelos livros quanto pela imprensa, o forte mito que Lampião
e seus cangaceiros, tinham parte com o "tinhoso" e isso ajudava os
que não o viram pessoalmente, a formar a imagem de uma "besta-fera"
perdida nas caatingas do sertão. De tudo que está escrito, só podemos tirar
mesmo o parecer de expressão do mal e da dor de Lampião, através das poucas
fotografias que temos dele.
Abaixo, o
filme 14 minutos de Lampião. Esse filme não foi aceito pelas autoridades da
época pois traziam imagens de Lampião e seus cangaceiros, felizes e alegres nas
caatingas nordestinas, que era seu reino. Essas imagens não poderiam passar
para a imprensa e nem cair às mãos do povo.
14 minutos de filme de Lampião
Os jornais da
época, em suas matérias tendenciosas, aumentavam e muito as façanhas de
Lampião, para torna-lo um pária da sociedade, assim como é feito até hoje com
qualquer um que se atreva a ser contra a elite brasileira. As fotos abaixo
são do filme 14 minutos de Lampião. Não, o governo de Getúlio não poderia
aceitar essas imagens de alegria, de pessoas trajadas com o fardamento limpo e
inconfundível do cangaço e Lampião, seu comandante ditando ordens e organizando
sua tropa de homens corajosos.
Clique no primeiro link para ver uma boa parte das fotos de Lampião
http://meneleu.blogspot.com.br/2015/08/lampiao-expressao-do-mal-da-dor-e.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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