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segunda-feira, 5 de outubro de 2015

CANUDOS NÃO SE RENDEU, EXEMPLO ÚNICO EM TODA HISTÓRIA (EUCLIDES DA CUNHA): 118 ANOS DA OBSTINADA E HEROICA RESISTÊNCIA DA BRAVA GENTE DO ARRAIAL DO BELO MONTE

por José Romero Araújo Cardoso (1) e Marcela Ferreira Lopes (2)

Dia cinco de outubro de 1897, sertão baiano, margens do vaza-barris circundado pela serra do Cocorobó. Explosões, detonações e todas as espécies torpes de destruição assinalavam o fim iminente da extraordinária sociedade alternativa marcada pelo emblema do messianismo alicerçada pelo beato Antônio Conselheiro e por milhares de sertanejos pobres e humildes que fugiam das secas, da prepotência do latifúndio e da arrogante inércia do Estado em negar melhor qualidade de vida a um povo desvalido, sofredor e historicamente desassistido.
          
Todo poder repressivo dos Estados da federação foi mobilizado a fim de destruir Canudos, ou arraial do Belo Monte, como fora batizado pelo próprio Conselheiro, pois Canudos era, na verdade, anterior à chegada do Conselheiro e sua gente, um antro de perdição na forma mais dilacerante possível à dignidade humana.
          
A localidade ficou conhecida por Canudos em razão que a população, composta de bandidos da pior espécie, gente perdida na expressão literal do termo, passava a maior parte do tempo pitando extensos canudos que vicejavam às margens secas do rio Vaza-Barris com uma espécie de cânhamo muito comum na região. Em seguida, planejavam atos criminosos que fariam Cesare Lombroso e seu discípulo brasileiro Estácio de Lima clamarem pela validação de suas teorias da criminalidade nata.  
          
Conselheiro com sua postura moral e prédicas conseguiu reverter àquela situação periclitante, transformando radicalmente o lugar e as pessoas. Incisivo em suas inflamadas palavras sobre o pecado, sobressaíram-se gloriosamente a fé, a verdade e novos pontos de vista sobre a existência humana na terra.
          
Até um potente canhão Withworth 32 de fabricação inglesa foi trazido para o cenário das batalhas, visando imprimir maiores danos possíveis, ficando conhecido entre os seguidores do conselheiro como a terrível matadeira, responsável pela destruição em massa, tanta humana como material, na mística cidadela de barro e palha erguida em adustos carrascais das caatingas nordestinas no Estado da Bahia.
          
Pajeú, célebre chefe da guarda católica conselheirista, tentou na companhia de dez audaciosos e corajosos companheiros de lutas guerrilheiras, destruir o abominável artefato da morte, pagando caro, com suas vidas, à exceção de apenas um que escapou, pois a absurda e poderosa arma de guerra era bem guarnecida, ordem direta tanto de Machado Bittencourt, Ministro da Guerra de Prudente de Morais, como do comandante-em-chefe das forças em operação na guerra de Canudos, General Arthur Oscar de Andrade Guimarães, facínora gaúcho de primeira linha, cuja ênfase às degolas tornou a guerra de Canudos mais brutal e desumana, sendo ele um incondicional seguidor da política assassina de Floriano Peixoto.
          
A morte de Pajeú foi um rude golpe na forma como a guerra de guerrilhas em Canudos era implementada, pois, estrategista nato, o valente pernambucano, ex-escravo que encontrou a verdadeira liberdade no sertão baiano, organizava magistralmente as emboscadas que tanto atormentavam a soldadesca que lutava sem saber a razão, pois a maioria pertencia a mesma classe, a mesma condição social, aos mesmos grupos étnicos que encontraram em Canudos do Conselheiro razões materiais e espirituais para desfrutar vida digna e honrada, livres da extorsão do Estado, das imposições europeizantes clássicas da religião predominante, dos arbítrios dos senhores de baraço, entre outras incontáveis mazelas que atormentava os sertanejos, muitas ainda presentes na atualidade.
          
O processo de construção coletiva levado avante no arraial do Belo Monte provou que o homem tem condições de conviver com as secas, pois localizado em área extremamente castigada pelas condições mesológicas do semiárido, em leito de rio caracterizado pela intermitência, como a maioria no sertão nordestino, tornou-se extremamente produtiva graças ao trabalho incansável dos milhares de seres humanos que atenderam ao chamado do inconteste líder religioso que sonhou e conseguiu estruturar com seus seguidores uma das mais fascinante experiência libertária da história brasileira.
          
Famintos e estropiados, os soldados eram facilmente atraídos para tocaias armadas com irresistíveis banquetes que os seguidores do Conselheiro preparavam com o que era retirado da terra trabalhada por eles, bem como ainda com pratos deliciosos contendo animais domésticos criados e abatidos na comunidade.
          
Desde o dia 21 de setembro de 1897 que a brava gente do Belo Monte não contava com a presença física de Antônio Conselheiro, mas a determinação em defender Canudos não diminuía, apesar da desvantagem, tanto numérica como bélica.
          
Exemplo disso efetivou-se quando da chegada do contingente Paraense ao cenário das batalhas, pois inexperiente no que tange aos acontecimentos o comandante ordenou que suas tropas avançassem inopinadamente sobre a cidadela em escombros. Verdadeira saraivada de balas saída de tudo que é local que pensavam não existir mais vida causou celeuma inenarrável aos militares do norte do Brasil. Estavam “batizados” no que diz respeito à dureza dos combates em Canudos.
          
Túneis foram escavados, interligando cada casa, de onde os guerrilheiros faziam a defesa do território. Os militares há mais tempo na guerra sabiam da determinação daquela gente fortemente armada com o arsenal tomado da expedição Moreira César.
          
A resposta dos militares veio na intensificação desumana dos canhonaços e explosões de dinamites em direção aos defensores entrincheirados no verdadeiro labirinto que escavaram no subsolo do heroico arraial do Belo Monte.
          
A crueldade foi tomando proporções inimagináveis. Beatinho e dezenas de seguidores resolveram se entregar, obtendo garantias do comando militar que suas vidas seriam poupadas. Ledo engano. Infantil confiança em notórios criminosos fardados, gente sem pudor, sem ética e sem moral. Portanto, sem o menor amor ao próximo. Todos foram degolados.
          
Os Canudenses resistiram galhardamente até ao entardecer do dia cinco de outubro de 1897, quando caíram os últimos defensores, cinco apenas, um velho, uma criança e três homens feitos que enfrentaram com coragem ímpar a fúria avassaladora de mais de cinco mil soldados que à frente desses heróis anônimos rugiam raivosamente, semeando a morte e completando a destruição que tanto nortearam as ações nefandas que caracterizaram um dos mais abomináveis crimes cometidos pelo Estado e pela elite dirigente contra o valente povo brasileiro, infelizmente ainda visto, Araguaia comprova, como inimigo número um a ser combatido pelas Forças Armadas e demais formas de repressão adotadas e instituídas no Brasil.  

[1] José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Escritor. Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

[2] Marcela Ferreira Lopes. Geógrafa/ UFCG/CFP. Graduanda em Pedagogia/UFCG/CFP. Especialista em Educação de Jovens e Adultos com ênfase em Economia Solidária do Semiárido /UFCG/CCJS. Membro de Grupo de Pesquisa FORPECS na mesma Instituição.

Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cngaço José Romero de Araújo Cardoso.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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