(Oração
fúnebre, pronunciada pelo Prefeito Raimundo Soares de Souza na ocasião do
sepultamento do Monsenhor Luiz Ferreira Cunha da Mota, no dia 27 de agosto de
1966 – FEMENICK, in Informativo do Município. Mossoró: Prefeitura Municipal de
Mossoró, 28 ago. 1966):
Ex-prefeito de Mossoró Raimundo Soares de Souza
“Não
imaginava, tão cedo, ter de cumprir este doloroso dever: transmitir ao querido
Padre Motta o sentimento de homenagem do Município e de seus amigos mais
diletos, à beira de seu túmulo. Embora doente, há algum tempo, seu estado,
porém, não fazia adivinhar fim tão próximo, sobretudo quando o espírito era
sempre aquele esplendor que nos iluminava, desde os primeiros contatos,
rompendo-lhe a simplicidade e a modéstia.
E aqui estou
para isto: para trazer, ao contemporâneo ilustre que Mossoró acaba de perder,
as últimas homenagens da cidade a que ele servia com tanto amor, tanta
dedicação, tanto carinho, tanto sacrifício, devotando-lhe alguns anos de sua
vida; trazer-lhe, também, a saudade de seus antigos funcionários do Município,
que, com ele, aprenderam o culto da honestidade e da correção; trazer-lhe as
lágrimas de seus familiares e amigos, ante a grande provação, porque ele não
era, apenas, o espírito radiante que Deus lhe permitiu conservar até ao fim,
mas constituíra-se um centro, uma força de presença motora e dinâmica. Todavia,
não posso depor, em seu túmulo, esses tributos, sem dizer meu próprio adeus ao
velho e querido amigo, que me aconselhava como um pai, nos tempos do Ginásio
Santa Luzia, que foi meu confessor nos anos irrequietos da puberdade e,
ultimamente, o conselheiro a dar-me forças nas horas amargas das dificuldades,
das injustiças, da tristeza, do desalento, do desânimo.
Padre Motta
Para mim,
atingiu Padre Motta o padrão máximo que se é possível esperar de um homem de
minha intimidade e de meu conhecimento. Outros haverá e houve com a mesma
integração de virtudes, mas os identificamos, apenas, através de biógrafos e
crônicas. Eu senti Padre Mota nas policrômicas facetas de sua personalidade,
analisadas pela vivência duradoura e sob ‘parti-pris’ da mocidade irreverente.
Eu o senti como Padre, como cidadão, como político, como administrador, como
educador, como filho, como amigo. E a lembrança que dele guardo, a qual jamais
desaparecerá, é um sentimento de profunda admiração a ele, padrão de bondade,
padrão de pureza, padrão de apóstolo, padrão de humildade, padrão de
simplicidade, padrão de civismo, padrão de amor à terra a que ele consagrou
todos os seus instantes e todas as suas preocupações.
Adeus, Padre
Motta. Não me dirijo ao teu corpo, aqui presente, dentro em pouco tragado pela
terra, a mesma terra que tanto amaste. Prefiro falar à tua alma, que está no
céu e tenho certeza de nos ouvires neste momento. Porque se o céu é o prêmio
dos justos, tu foste justo; se é o prêmio dos bons, tu foste bom; se é o prêmio
dos puros, dos simples, dos humildes, tu foste simples, tu foste puro, tu foste
humilde. Portanto, está em graça, gozando a verdadeira felicidade que não é a
deste mundo. Comungas hoje, agora, da presença de Deus, dos Santos, dos Anjos e
isto detém o nosso desespero, nossa dor, nossas lágrimas. O desespero, a dor,
as lágrimas, seriam inconciliáveis com o que tu próprio nos pregaste, de acordo
com a doutrina do Mestre.
Mas sofremos
muito, Padre Motta, porque somos humanos. Talvez demasiadamente humanos, e
certas verdades demoram a chegar até nós. O certo é que a inesperada notícia
nos chocou a todos terrivelmente. É como se continuássemos um sonho, duvidando
da realidade, imaginando-te ainda vivo, como te vi anteontem à tarde no
hospital. Não te vejo morto, e algum tempo passará antes que concedamos à
realidade todos os seus tristes direitos.
No entanto,
teu sepultamento é tua última lição para os amigos que deixas, habituados à
profundeza dos conceitos que emitias, com simplicidade, a cada instante. A
cidade inteira aqui está para homenagear-te. E não deixas-te nada de bem
material. Choram não só teus amigos mais íntimos, os que, há muitos anos,
fizeram de tua casa um lugar de calma, paz, tranquilidade e sabedoria. Estão
todos aqui, mal sopitando as lágrimas da saudade. Aqui, está o Senhor Bispo,
teu superior eclesiástico e teu amigo, aqui estão o clero secular, as
religiosas, os colégios, as associações cristãs; aqui está o povo. Aqui estão e
choram também muitas pessoas que nem sequer conheceste. Nada deixas como
produto do mundo e morres na pobreza, sem forçares a glória dos homens, que
nunca quiseste. Mas veio a cidade toda para prantear¬-te. Porque tu deixas um
tesouro que ninguém consegue facilmente; teu exemplo de bondade, de honra, de
justiça, de amor ao próximo, de candura, de caridade, de beleza d’alma e
coração. Os bens da terra não são as finalidades do homem, mas a tradição do
nome honrado, aqui, na vida transitória, e a ascensão à glória de Deus na vida
eterna. E tua herança não é para uns poucos, mas para todos, pois se nada legas
de utilidades materiais porque nada tens, o tesouro de tua alma há de
partilhar-se entre gerações de jovens de nossa terra, ensinando-lhes que o
dever é o único instrumento de realização da felicidade interior, que não
assenta nas coisas vãs que o mundo adora e o seduzem.
Não, Padre
Motta, não vou chorar, nós, teus amigos, não vamos chorar; vamos entoar
cânticos de aleluia por tua volta ao céu. Tu já és feliz, e nós permanecemos
neste horripilante pantanal de hipocrisias, injustiças, maldade e pecado.
Lamentamos a perda de seu apoio sempre forte, sempre inspirado, sempre justo.
Mas as lágrimas teimam em vir e com elas a incompreensão, a rebeldia, a
insatisfação, o inconformismo. Não te ter mais ao lado, às tardes, à noite, em
tua casa. Não ouvir mais tua palavra serena e sábia, rica de ensinamento. Não
gozar, nunca mais, da ventura de tua presença. Não receber, nunca mais, o fruto
de tuas observações. E a calçada onde pregavas, deserta, vazia, triste, e a
consciência dolorosa de nunca mais te ver, nunca mais falar-te, nunca mais
apertar-te a mão, nunca mais abraçar-te! Oh, Deus, dai-nos a força da Virgem
Santíssima que acompanhou todo o sacrifício do Divino Filho até à morte e
abençoando vosso nome! Dai-nos a fé de Jeremias que, por mais forte a desgraça,
vos bendizia! Mas vós me acudis, pela palavra de Paulo VI, na Gaudium et Ipes,
do Vaticano 11, nº 18: ‘Enquanto toda a imaginação fracassa diante da morte, a
Igreja, contudo, instruída pela revelação divina, afirma que o homem foi criado
por Deus para um fim feliz, fora dos limites da miséria terrestre. Além disso,
ensina a fé cristã que a morte corporal, da qual o homem seria subtraído se não
tivesse pecado, seria vencida quando o homem for reintegrado, por Deus onipotente
e misericordioso, na salvação que o mesmo homem perdeu por sua culpa. Na
verdade, Deus chamou e chama o homem para que ele, com a sua natureza inteira,
dê sua adesão a Deus na comunhão perpétua da incorruptível vida divina. Cristo
conseguiu esta vitória, por sua morte, libertando o homem da morte e
ressuscitando para a vida’.
Assim seja!
Adeus, Padre Mota, sem lágrimas, sem desespero, sem desgraça! Mas com muita
saudade, com infinita tristeza! Adeus!”
Fonte: facebook
Página: Tomislav
R. Femenick
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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