Por Rangel Alves
da Costa*
Difícil de
compreender e mais ainda de acreditar, mas confesso que somente agora, já
passados três anos de seu falecimento, é que verdadeiramente estou mais próximo
a Alcino, meu pai.
Até aquele
novembro de 2012, fui simplesmente filho. Mas a sua partida acabou me colocando
numa proximidade tal que o reencontro como se fosse em vida. A partir de então
tenho me dividido entre o que sou e o que ele era. Ou ainda é.
Explico por
que. Após sua partida me debrucei na sua biografia. Não é fácil escrever sobre
um pai, pois se corre o risco de fugir à realidade para sentimentalizar os
escritos. Tudo fiz para apenas transcrever a pessoa, sua obra e sua memória.
Desde aquele
instante entrei num mundo de Alcino que eu, apenas como filho, ainda não
conhecia em profundidade. Ao analisar seus escritos, encontrei valores que
permaneciam desconsiderados para mim. Ao enveredar no seu legado, passei a
compreender sua importância enquanto escritor, pesquisador, estudioso do
cangaço, conferencista, poeta, radialista e sertanejo.
Certamente que
eu já conhecia a produção de literária de Alcino, mas não sua importância
dentro do contexto nordestino, do cangaço, do messianismo, da saga do povo
matuto, da preocupação maior com a terra, com a gente e com a história.
Fato também
relevante se deu no entendimento de sua importância perante outros estudiosos e
pesquisadores da saga cangaceira. Somente após sua partida é que conheci o
entrelaçamento profundo e as grandes amizades construídas no mundo acadêmico,
nos seminários, bem com a partir das correspondências mantidas com ilustres
escritores.
A evidência de
tais aspectos foi surgindo na construção da biografia. Contudo, quando comecei
a me envolver na apuração de seu acervo, no sentido de preservação e
manutenção, bem como para posterior formação de um memorial, então é que o
filho se viu novamente diante do pai.
Como Alcino
era muito cuidadoso – e até ciumento – com os seus livros, discos, manuscritos,
rascunhos, correspondências, fotografias, enfim com o que escrevia e também com
o que lhe servia como base de pesquisa, eu nunca quis me intrometer demais no
seu mundo. Mas a situação já era outra. Ele havia partido e a mim cabia ser o
guardião de suas relíquias.
Quando afirmo
que a mim cabia cuidar de suas relíquias, não pretendo afastar a
responsabilidade dos demais filhos. E são muitos os meus irmãos. Contudo, há um
fator que sempre me uniu a Alcino muito além da condição de filho: a propensão
à escrita e o amor ao sertão. O amor incondicional de Alcino pela terra
sertaneja é o mesmo sentido pelo seu filho.
Coisas do
destino, talvez. Mas dizem que sou o filho mais parecido com Alcino, com
relação à feição. Já outros vão além para reconhecer na minha obra uma herança
paterna. De qualquer modo, sempre bom que haja tal reconhecimento. Sinto
orgulho de tudo isso.
Hoje, confesso
mais vez, convivo com Alcino a cada instante, principalmente quando estou em
Poço Redondo. Agora, confesso ainda, tenho Alcino ao meu lado e o compromisso
fraterno de preservar sua permanência, não somente em mim, mas por todo o
sertão.
Quando lutei
contra o mundo para dar vida ao memorial, só Deus sabe a força do destino que
me conduzia. Ainda luto com todas as forças que tenho, mas consciente que assim
teria de ser. Ninguém constrói uma obra grandiosa sem grandes sacrifícios. E
sei do merecimento de meu pai para a minha contínua luta.
Foi o memorial
que novamente colocou pai e filho dentro da mesma casa. E um na presença do
outro. Tudo ali é Alcino, é Dona Peta, é família, é história, é sertão. E eu
com a dádiva divina de cuidar dessa moradia que acolhe a tudo e a todos com
tanto amor.
Os caminhos de
Deus são assim: apenas uma estrada, mas chamando a cada um para encontrar seu
destino. E o meu é me dividir entre o que sou e o que Alcino ainda é.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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