Por Manoel
Severo Barbosa
"Parece
estranho falarmos de cangaço e termos que recorrer a conceitos próprios do
ambiente empresarial moderno; mas, aprofundando-nos um pouco mais na história
intrigante de Virgulino, não nos parece exagero considerar que já naquela época
o engenhoso bandido das caatingas conhecia muito bem o valor do Marketing
Pessoal, a Política da Boa Vizinhança, Lobby e Tráfico de Influência, até mesmo
noções de Logística Empresarial; na verdade não conseguimos conceber um reinado
tão extenso de uma vida fora da lei em circunstâncias tão adversas, sem que boa
parte desses conceitos não fizesse parte da mente prodigiosa de Lampião.
Desde cedo
pela própria profissão da família, Virgulino e os irmãos passaram a conhecer
toda a região e fazer um grande ciclo de relacionamentos, que mais tarde, unido
a ingredientes como o medo e o favor, seriam de muita valia. Sem falar que essa
espetacular rede de “apoiadores”; famosos coiteiros; formada de gente miúda e
graúda; foi fundamental para a sobrevivência por tanto tempo do famoso grupo.
As condições
inóspitas e hostis da caatinga exigiam, além da extrema capacidade física, um
exagerado instinto de sobrevivência. Comida, água, descanso, dormida, eram
luxos muitas vezes esperados por dias a fio. Andanças intermináveis, muitas
vezes em círculos, passando por vários estados em poucos dias carecia de um
mínimo de organização e senso de direção.
Outro fator
preponderante era o acesso à munição. Até os mais próximos do grande chefe do
grupo, não sabiam de onde vinha tamanha carga de armamento, inclusive recebendo
o que havia de mais moderno na época, exclusividade que nem as forças policiais
recebiam.
Penso que o
maior de todos os diferenciais entre Lampião e os outros grandes chefes do
cangaço, como Jesuíno Brilhante, Antonio Silvino e mesmo Sinhô Pereira, sem
dúvidas era o seu cérebro privilegiado. Mesmo compreendendo a posição de amigos
pesquisadores quando defendem a desconstrução do mito de que Lampião não tinha
nada de estrategista militar e que seu sucesso e longevidade na vida cangaceira
se deveu a uma “mistura de incompetência e corrupção, por parte dos governos, e
instinto de sobrevivência da parte dele, Lampião”; as espetaculares técnicas
desenvolvidas para a “guerrilha” na caatinga, muitas vezes foram determinantes
para salvar vidas e vencer batalhas, muitas delas beirando ao absurdo do
desequilíbrio de forças, como a de Serra Grande onde uma força volante de perto
de 400 homens não conseguiu dá cabo do grupo cangaceiro com pouco mais de 70
cabras, que se valiam desde o ousado enfrentamento em nítida desvantagem, à
retirada estratégica quando lhe era conveniente, muitas vezes o bando simulava
o abandono do embate e voltava pela retaguarda e encontrava a força volante
totalmente desprevenida.
No cangaço de
Virgulino, cada peça se encaixava em seu lugar...
Na verdade, o
próprio estilo de vida cangaceira; uma espécie de nômade das caatingas, o profundo
conhecimento da região e suas sólidas redes de apoio logístico, lhes conferiam
um grande poder de mobilidade, como também maiores condições de escaparem da
polícia.
Um dos maiores
cuidados do grupo era evitar o movimento pelas estradas, e mesmo dentro da
caatinga tomavam cuidados excessivos com relação aos rastros. O ato de andar em
fila indiana, todos seguindo na mesma pegada, o mito de calçar alpercatas com o
salto na frente e o último do grupo apagar as pegadas com galhos de plantas
eram providências costumeiras para dificultar o trabalho dos rastreadores das
volantes, o cuidado em acender o fogo para a comida e até mesmo em enterrar os
restos de animais sacrificados e restos de comida eram costumais, além do uso
de cães para a sentinela e um entrançado de fios e chocalhos ligados entre si
pela catinga, para denunciar a presença indesejada. Ao invadir os lugarejos o
primeiro alvo eram sempre os fios do telégrafo.
Outra tática
que visava confundir o trabalho das volantes era não deixar os corpos de seus
companheiros abatidos em combate, quando era inevitável, cortavam as cabeças
dos mesmos para evitar que fossem identificados. O grupo também possuía o
hábito de para os novos membros adotar a alcunha ou apelido de outro
companheiro morto, também na intensão de confundir a polícia, perpetuando o
personagem abatido.
Dessa forma
não seria exagero nenhum, declinar Virgulino Ferreira como um dos cérebros mais
privilegiados de sua época, razão sem dúvidas que permitiu seu “reinado” por
quase vinte anos; de sua simpática Vila Bela em 1918 até o fatídico julho de
1938, em Angico.Virgulino "Um líder consciente do poder de sua própria
imagem e mito..."
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