Material do acervo do pesquisador Raul Meneleu Mascarenhas
A tomada de
posição particular dos sertanejos ante a hipótese da mestiçagem negra de
Lampião deve-se a um processo ideológico do qual ele parece ter participado.
Muitas narrativas biográficas evocam o horror manifestado por Lampião à simples
menção de uma origem africana.
Conta-se que ele tinha a pele mais escura que seus irmãos, o que as fotografias, entretanto, não deixam transparecer. Curiosamente, o discurso aqui é mais prolixo que a imagem; ele diz, denuncia ou mostra o que Lampião gostaria de esconder quando se mostra por meio das fotografias tal como deseja ser visto, isto é, como um branco.
Conta-se que ele tinha a pele mais escura que seus irmãos, o que as fotografias, entretanto, não deixam transparecer. Curiosamente, o discurso aqui é mais prolixo que a imagem; ele diz, denuncia ou mostra o que Lampião gostaria de esconder quando se mostra por meio das fotografias tal como deseja ser visto, isto é, como um branco.
O cangaceiro Sabino da velha guarda de Lampião
Vale lembrar que Sabino, um dos lugar-tenentes mais próximos de Lampião, era
negro e que, no momento da entrada triunfal de seu chefe acompanhado de suas
tropas em Juazeiro, em 1926, ele se recusou terminantemente a deixar-se
fotografar.
O cangaceiro Zé Baiano era negro
Pode-se interpretar essa recusa como a consciência aguda do perigo que
representa a divulgação de um rosto quando se sabe procurado por todas as
forças policiais do país, mas pode-se ver aí também uma reticência ante a
possibilidade de se deixar ver, como se a fotografia e a valorização que a ela
se liga só pudesse ser privilégio dos brancos.
Poderíamos conceber o apelido "Lampião" que Virgulino Ferreira
recebeu ao entrar para o cangaço como o contraponto à cor negra de sua pele,
que poderia sugerir mestiçagem e, por consequência, certa bastardia. Lampião
significa luz, clarão, fogo que sai da arma: o que ilumina, que guia e nunca
passa despercebido. Numa discussão que Lampião teria tido em 1921, na região de
Vila Bela, com Optato Gueiros, oficial de uma Força Volante, ele teria
afirmado:
— Entretanto, continua Lampião, eu não nasci para esta vida de cangaceiro. Falo
com franqueza, se não houvesse nego na policia prá manobrar com a gente, eu
ainda iria ser soldado.
— Compadre Virgulino, atalha Sebastião, tu não és preto?
— Não, diz Antônio Ferreira, ele não é preto, é moreno cor de canela.
— Sai-te Antônio, observou Lampião, tira lá essa "cor de canela" que
eu não sou mulher.
— É mesmo, acode Sebastião, esse negócio de "cor de canela" não é prá
homem; ele é moreno lusco-fusco.
Notei (Optato Gueiros) que ao findar esta narrativa, transpareciam no
semblante do bandido visíveis sinais de tolerância e mal estar. O olho direito,
defeituoso por um estrabismo esquisito, conservava-se aberto quando estava de
bom humor; agora fechava-se, dando-lhe um aspecto de ferocidade repugnante,
bruscamente, dirigiu-se a Sebastião e disse:
— Esta na hora compadre. O suor já esfriou demais, estou com frio; vamos andá
para esquentá.
Depois a dona da casa pergunta qual, dentre os cangaceiros, se chama Lampião.
Seu irmão, dirigindo o cano de seu fuzil para o rosto de Lampião,
respondeu:
— Oi ele aqui, mas não alumia, é danado de escuro.
Poder-se-ia discorrer ao infinito sobre essa passagem. Lampião recusa
categoricamente ser considerado um negro. Ter um caráter feminino (cor de
canela) traz, é claro, prejuízo à sua virilidade, mas ser equiparado aos negros
equivale a ser rebaixado, humilhado social e humanamente.
Ele acusa os negros de impedirem sua reinserção na sociedade a que pertence e
nega-se a ser subalterno de indivíduos a quem considera inferiores.
Percebe-se também, nessa passagem, o quanto a definição da cor da pele de
Lampião suscita problemas para os que o cercam e o quanto cada termo empregado
tem seu valor metafórico duplicado.
A negrura da pele parece responder fatalmente a negrura da alma, condenando o
negro ao inferno sem alternativa possível: ele é "danado de escuro",
dirá o irmão de Lampião de maneira bastante ambígua.
Aliás, Lampião detestava os negros e os associava ao diabo: "Negro não é
gente", teria ele dito; "é a imagem do cão". (Comentário de
Volta Seca)
Lampião ao aparecer em Queimada, BA, em 1929, vendo que as pessoas ao redor
dele eram negras, teria gritado: Terra de desgraça, toda a justiça é
negra..., e teria ordenado que lhe servissem um copo de água! Outra passagem da
história de Lampião mostra como ele associa o negro ao diabólico, opinião
compartilhada por pessoas próximas e por todo o sertão: depois do massacre de
Queimada, onde matou, sem motivo.
A maioria dos cangaceiros do bando de Lampião era de mestiços com
miscigenação genética negra. Acreditamos que Lampião não tinha essa carga
racista que se pretende e que uma vez ou outra poderia ter dito algo que
inflamasse esse raciocínio.
Suas ideias sobre raça eram convencionais, pois o nordestino sertanejo se
orgulha de sua relativa brancura. Ele se fosse por exemplo um fazendeiro, teria
que lidar com negros assim como lidava com negros em seu bando. Por isso, desse
orgulho de relativa brancura, demonstrava um certo desprezo pela raça em geral,
mas isso não o afetava de sobremaneira.
Optato Gueiros, Lampião: Memórias de um Ex Comandante de Volantes, 1952, pp.
25-26. 14 Ver, a esse respeito, Billy Jaynes Chandler, Lampião, o Rei dos Cangaceiros,
1981, p. 239. IS Frederico Pernambucano de Mello, op. rit., 1993. pp.
92-93.
http://meneleu.blogspot.com.br/2016/04/lampiao-era-um-mestico-que-nao-gostava.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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