Por Rangel Alves
da Costa*
A avó dizia e
sempre repetia à neta que lesse tudo na vida, pois nada mais importante que a
escrita, mas que tudo fizesse para não se aproximar, e muito menos ser
personagem, do caderno das solidões.
Mas o que
significa o tal caderno das solidões, indagava a neta, ao que a velha senhora
respondia: É a escrita mais triste que possa existir. Um caderno onde cada
página conta uma história de dor e sofrimento, e tudo sempre causado pela
solidão.
Não se
esquecia de acrescentar: Bem que poderia ser apenas uma solidão, sobre um
estado de distanciamento de tudo, mas de muitas solidões. A solidão de estar
sozinho, a solidão da distância, a solidão da saudade, a solidão da ausência de
tudo, a solidão em meio a tudo.
E também a
solidão provocada pelo instante, pelo sentimento, pela modificação no estado de
espírito perante diversas situações da vida. A pessoa tão afastada de si mesmo
fica que de repente sequer se reconhece enquanto presença. E tudo se torna
triste, vazio, desoladamente aflitivo.
A neta disse
que não se preocupasse, pois jamais procuraria encontrar tal caderno. Então a
avó, com olhos entristecidos, cabisbaixa e pausadamente afirmou que
infelizmente ninguém poderia fugir de encontrá-lo. O caderno das solidões
estava aberto em todo lugar.
Aberto em todo
lugar e a todo o momento esperando uma escrita nova, vinda de qualquer um, de
qualquer pessoa, mesmo assim como a neta que se achava demasiadamente segura de
si para sofrer suas agruras.
Muita gente
que sorri, que vive demonstrando alegria, que sempre parece envolvida pela
felicidade, ainda assim tem o seu nome guardado naquelas páginas. Não só numa
página, mas por vezes em sequências angustiantes.
A cada página
uma descrição sofrida, melancólica, aflitiva. A cada descrição uma paisagem de
medo, de vazio, de insegurança, de impossibilidade. A cada relato a sensação de
desesperança, de fragilidade, de fim. Nas letras trêmulas leveza e o peso de
sequer saber onde está e porque escreve.
“Chuva fina,
sereno, mas que temporal em mim. A noite mais escurecida, molhada, mais triste
e chorosa, não passa de um espelho daquilo que sou eu agora. E sequer tenho
força ou ânimo para ir até a vidraça embaçada e escrever: morri!”.
“Não sei por
que estou assim, assim tão distante de tudo e de mim mesma. Eu bem que poderia
abrir a porta e sair, e cantar, e brincar. Mas não sei fingir minha dor, minha
saudade, minha aflição. Queria novamente amar, ser alegre novamente, trazer a
felicidade para pertinho de mim. Por nada disso conseguir é porque estou triste
assim, tão distante de tudo e de mim mesma”.
“Somente agora
sei por que as flores sofrem, choram e morrem. Somente agora sei por que os
outonos vivem se repetindo em muitas folhagens humanas. Somente agora sei por
que o orvalho chora na noite a amanhece oculto na sua solidão. Tudo assim
acontece por que o destino nem sempre é de viver, mas muito mais de sofrer na
solidão”.
“Quem dera um
copo de veneno e uma fotografia do meu amor de um dia. Embeberia o retrato no
veneno e sorveria, prazerosamente, a morte lenta. E morrendo assim, lentamente,
aos poucos dissiparia o pensamento, a saudade e o amor ainda existente. Até
fechar o solhos com sorriso no lábio. Porque ele foi beijado um dia”.
Assim os
relatos no livro das solidões. Leituras muito tristes para quem se acha dela
distanciado. Verdades que até supõem inexistentes, mas que são escritas a cada
instante. Por mim, por você por qualquer um que esteja assim. Assim na solidão.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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