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sábado, 16 de abril de 2016

O CADERNO DAS SOLIDÕES

Por Rangel Alves da Costa*

A avó dizia e sempre repetia à neta que lesse tudo na vida, pois nada mais importante que a escrita, mas que tudo fizesse para não se aproximar, e muito menos ser personagem, do caderno das solidões.

Mas o que significa o tal caderno das solidões, indagava a neta, ao que a velha senhora respondia: É a escrita mais triste que possa existir. Um caderno onde cada página conta uma história de dor e sofrimento, e tudo sempre causado pela solidão.

Não se esquecia de acrescentar: Bem que poderia ser apenas uma solidão, sobre um estado de distanciamento de tudo, mas de muitas solidões. A solidão de estar sozinho, a solidão da distância, a solidão da saudade, a solidão da ausência de tudo, a solidão em meio a tudo.

E também a solidão provocada pelo instante, pelo sentimento, pela modificação no estado de espírito perante diversas situações da vida. A pessoa tão afastada de si mesmo fica que de repente sequer se reconhece enquanto presença. E tudo se torna triste, vazio, desoladamente aflitivo.

A neta disse que não se preocupasse, pois jamais procuraria encontrar tal caderno. Então a avó, com olhos entristecidos, cabisbaixa e pausadamente afirmou que infelizmente ninguém poderia fugir de encontrá-lo. O caderno das solidões estava aberto em todo lugar.

Aberto em todo lugar e a todo o momento esperando uma escrita nova, vinda de qualquer um, de qualquer pessoa, mesmo assim como a neta que se achava demasiadamente segura de si para sofrer suas agruras.

Muita gente que sorri, que vive demonstrando alegria, que sempre parece envolvida pela felicidade, ainda assim tem o seu nome guardado naquelas páginas. Não só numa página, mas por vezes em sequências angustiantes.


A cada página uma descrição sofrida, melancólica, aflitiva. A cada descrição uma paisagem de medo, de vazio, de insegurança, de impossibilidade. A cada relato a sensação de desesperança, de fragilidade, de fim. Nas letras trêmulas leveza e o peso de sequer saber onde está e porque escreve.

“Chuva fina, sereno, mas que temporal em mim. A noite mais escurecida, molhada, mais triste e chorosa, não passa de um espelho daquilo que sou eu agora. E sequer tenho força ou ânimo para ir até a vidraça embaçada e escrever: morri!”.

“Não sei por que estou assim, assim tão distante de tudo e de mim mesma. Eu bem que poderia abrir a porta e sair, e cantar, e brincar. Mas não sei fingir minha dor, minha saudade, minha aflição. Queria novamente amar, ser alegre novamente, trazer a felicidade para pertinho de mim. Por nada disso conseguir é porque estou triste assim, tão distante de tudo e de mim mesma”.

“Somente agora sei por que as flores sofrem, choram e morrem. Somente agora sei por que os outonos vivem se repetindo em muitas folhagens humanas. Somente agora sei por que o orvalho chora na noite a amanhece oculto na sua solidão. Tudo assim acontece por que o destino nem sempre é de viver, mas muito mais de sofrer na solidão”.

“Quem dera um copo de veneno e uma fotografia do meu amor de um dia. Embeberia o retrato no veneno e sorveria, prazerosamente, a morte lenta. E morrendo assim, lentamente, aos poucos dissiparia o pensamento, a saudade e o amor ainda existente. Até fechar o solhos com sorriso no lábio. Porque ele foi beijado um dia”.

Assim os relatos no livro das solidões. Leituras muito tristes para quem se acha dela distanciado. Verdades que até supõem inexistentes, mas que são escritas a cada instante. Por mim, por você por qualquer um que esteja assim. Assim na solidão.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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