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quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

DELMIRO GOUVEIA: A TRAJETÓRIA DE UM INDUSTRIAL NO INÍCIO DO SÉCULO XX - PARTE FINAL

Telma de Barros Correia - (Profa. Dra, SAP-EESC-USP)

A Construção do Mito

Sua morte prematura, violenta e pouco esclarecida pelas investigações policiais, só viriam a reforçar a força do mito no qual Delmiro já havia se convertido quando vivo. Inúmeros são os estudos e as produções artísticas sobre a ação de Delmiro e as homenagens póstumas que lhes são endereçadas. Nas décadas de 1910 e 1920, Pedra e Delmiro foram alvos de muitas matérias enaltecedoras em jornais e revistas. A Exposição Nacional de 1922 foi aberta com um discurso do Presidente Epitácio Pessoa com referências elogiosas à obra de Delmiro, a Fábrica da Pedra obteve o "Grande Prêmio". No ano seguinte estreiou no Recife o filme denominado "A Cachoeira de Paulo Affonso e a Fábrica de Linhas da Pedra", cujo roteiro centrava-se na contraposição entre a força da cachoeira e força da técnica que ousou submetê-la a uma utilidade prática.

Nas três décadas seguintes o industrial e o núcleo fabril foram lembrados por autores como Djair Menezes e Jorge Zahur ao investigarem o Sertão e suas potencialidades econômicas e em "Paulo Afonso", baião cantado por Luís Gonzaga que saúda a construção da hidroelétrica pelo Governo Federal, enfatizando a iniciativa pioneira de Delmiro. Ao ser desmembrado de Água Branca em 1952 e transformado em Município, o antigo distrito de Pedra passou a se chamar "Delmiro Gouveia", denominação que também foi conferida por Lei de 1958 à barragem construída pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco na cachoeira de Paulo Afonso.
              
Nas décadas de 1960 e 1970, o volume de escritos e eventos elegendo Pedra e Delmiro Gouveia como tema atinge proporções extraordinárias. Conferências se multiplicaram, foram publicadas diversas obras biográficas, alguns romances, inúmeras matérias em jornais e revistas. Lei de 1960 estipulou prêmio para concurso de monografias sobre Delmiro e em 1961, foram concedidos pela Diretoria Seccional da LABRE e pelo Governo de Alagoas diplomas para radioamadores de 278 emissoras que divulgaram a obra de Delmiro Gouveia. Por ocasião do centenário do nascimento de Delmiro, em 1963, foram realizadas palestras em algumas capitais e homenagens no Congresso Nacional. Em 1977, estreou a peça "O Coronel dos Coronéis", escrita por Maurício Segall, a qual obteve terceiro lugar no Concurso de Dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro. No ano seguinte, foi lançado o filme "Coronel Delmiro Gouveia", com roteiro de Orlando Senna e Geraldo Sarno, que foi premiado no Festival de Brasília de 1978, e teve seu roteiro publicado em livro e na forma de história de quadrinhos. O industrial chegou, inclusive, a ser tema de desfile de escola de samba no Rio de Janeiro, tendo a Unidos da Tijuca sagrado-se campeã do grupo 1-B com enredo "Delmiro Gouveia, uma história do Sertão".

Em 1993, a Federação das Indústrias de Pernambuco, o "Diário de Pernambuco", a FUNDAJ e o BANDEPE instituíram o "Prêmio Delmiro Gouveia de Vanguarda Industrial", destinado a distinguir anualmente "as indústrias que se destacarem pela adoção de inovações nas áreas de qualidade, relações trabalhistas, gestão empresarial e interação com a comunidade".

Na vasta produção intelectual sobre Delmiro, é enfatizado seu aspecto empreendedor e ousado. Mostra-se um industrial que se antecipou na introdução de inovações técnicas, no controle da reprodução operária e na exploração das potencialidades do Sertão para a indústria. Mostra-se um homem de pulso e visão, convertido em empresário exemplar. Delmiro é representado como um indivíduo destemido - homem de grandes embates -, que teria enfrentado sozinho a prepotência das oligarquias estaduais, a fúria dos trustes internacionais, a violência dos coronéis e a ignorância dos camponeses sertanejos. Surge, também, como o homem com rara habilidade para ganhar dinheiro e organizar empreendimentos inovadores, mobilizando amplamente os recursos oferecidos pela técnica e pela ciência.
              
Para alguns autores - solidários com o mito burguês da ascensão social como uma possibilidade aberta a todos -, Delmiro aparece como um nordestino pobre que deu certo. Como o rapaz humilde que, por esforço próprio conquistou conhecimentos, prestígio e riqueza. Sintetizando esta visão, Gilberto Freyre o qualifica como exemplo de "self made man" (FREYRE, 1959, 121). Nesta ótica, Delmiro converte-se em testemunho de que - dependendo unicamente de suas qualidades individuais - qualquer indivíduo teria condições de ascender socialmente, aproveitando as chances que a sociedade burguesa oferece.
              
Para uma corrente nacionalista do pensamento de esquerda, Delmiro surge como vítima das oligarquias retrógradas e como mártir da luta contra o imperialista. Sua habilidade empresarial é reconhecida, porém, mostrada como insuficiente para vencer estes dois inimigos. Sua trajetória considerada brilhante no mundo dos negócios, porém, marcada por sucessivos percalços e por um final trágico, é mostrada como evidência das dificuldades postas pelas empresas internacionais e pelas elites "atrasadas" ao desenvolvimento do País. Na obra desses autores, os conflitos políticos entre Delmiro e o grupo liderado pelo oligarca Rosa e Silva são enfatizados, e a concorrência entre a Fábrica da Pedra e a Machine Cotton é colocada como ponto central de sua trajetória empresarial e como causa provável de sua morte.
              
Esta ampla apropriação da trajetória de Delmiro para causas e idéias as mais diversas deve-se, em grande parte, à sua capacidade de mobilizar noções amplamente aceitas para justificar suas práticas e projetos. Delmiro soube como poucos associar seus empreendimentos a noções de modernidade e autonomia, despertando sonhos e esperanças em homens de seu tempo e prestando-se, posteriormente, para respaldar - não sem contradições - as mais diversas causas e projetos para o País.

Bibliografia e Fontes

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A Província, Recife, 29 dez. 1899. p.1.
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FREYRE, Gilberto. O Velho Félix e suas Memórias de um Cavalcanti. Rio de Janeiro,José Olympio Ed., 1959.
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GOUVEIA, Delmiro. A Província, Recife, 1 jan. 1898. p.2.
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GOUVEIA, Delmiro. O Vice-attentado. Jornal do Commercio, Publicações a Pedido. Rio de Janeiro, 7 jul. 1899. p.4.
GOUVEIA, Delmiro. Os dous Rosas. Jornal do Commercio, Publicações a Pedido. Rio de Janeiro, 12 jul. 1899. p.3.
GOUVEIA, Delmiro. Rosa Vice-Presidente e Rosa Sabe Tudo. Jornal do Commercio, Publicações a Pedido. Rio de Janeiro, 21 jul. 1899. p.4.
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FIM


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