Telma de
Barros Correia - (Profa. Dra, SAP-EESC-USP)
A Construção
do Mito
Sua morte prematura, violenta e
pouco esclarecida pelas investigações policiais, só viriam a reforçar a força
do mito no qual Delmiro já havia se convertido quando vivo. Inúmeros são os
estudos e as produções artísticas sobre a ação de Delmiro e as homenagens
póstumas que lhes são endereçadas. Nas décadas de 1910 e 1920, Pedra e Delmiro
foram alvos de muitas matérias enaltecedoras em jornais e revistas. A Exposição
Nacional de 1922 foi aberta com um discurso do Presidente Epitácio Pessoa com
referências elogiosas à obra de Delmiro, a Fábrica da Pedra obteve o
"Grande Prêmio". No ano seguinte estreiou no Recife o filme
denominado "A Cachoeira de Paulo Affonso e a Fábrica de Linhas da
Pedra", cujo roteiro centrava-se na contraposição entre a força da
cachoeira e força da técnica que ousou submetê-la a uma utilidade prática.
Nas três décadas
seguintes o industrial e o núcleo fabril foram lembrados por autores como Djair
Menezes e Jorge Zahur ao investigarem o Sertão e suas potencialidades
econômicas e em "Paulo Afonso", baião cantado por Luís Gonzaga que
saúda a construção da hidroelétrica pelo Governo Federal, enfatizando a
iniciativa pioneira de Delmiro. Ao ser desmembrado de Água Branca em 1952 e
transformado em Município, o antigo distrito de Pedra passou a se chamar
"Delmiro Gouveia", denominação que também foi conferida por Lei de
1958 à barragem construída pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco na
cachoeira de Paulo Afonso.
Nas décadas de 1960 e 1970, o
volume de escritos e eventos elegendo Pedra e Delmiro Gouveia como tema atinge
proporções extraordinárias. Conferências se multiplicaram, foram publicadas
diversas obras biográficas, alguns romances, inúmeras matérias em jornais e
revistas. Lei de 1960 estipulou prêmio para concurso de monografias sobre
Delmiro e em 1961, foram concedidos pela Diretoria Seccional da LABRE e pelo
Governo de Alagoas diplomas para radioamadores de 278 emissoras que divulgaram
a obra de Delmiro Gouveia. Por ocasião do centenário do nascimento de Delmiro,
em 1963, foram realizadas palestras em algumas capitais e homenagens no
Congresso Nacional. Em 1977, estreou a peça "O Coronel dos Coronéis",
escrita por Maurício Segall, a qual obteve terceiro lugar no Concurso de
Dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro. No ano seguinte, foi lançado o filme
"Coronel Delmiro Gouveia", com roteiro de Orlando Senna e Geraldo
Sarno, que foi premiado no Festival de Brasília de 1978, e teve seu roteiro
publicado em livro e na forma de história de quadrinhos. O industrial chegou,
inclusive, a ser tema de desfile de escola de samba no Rio de Janeiro, tendo a
Unidos da Tijuca sagrado-se campeã do grupo 1-B com enredo "Delmiro
Gouveia, uma história do Sertão".
Em 1993, a
Federação das Indústrias de Pernambuco, o "Diário de Pernambuco", a
FUNDAJ e o BANDEPE instituíram o "Prêmio Delmiro Gouveia de Vanguarda
Industrial", destinado a distinguir anualmente "as indústrias que se
destacarem pela adoção de inovações nas áreas de qualidade, relações
trabalhistas, gestão empresarial e interação com a comunidade".
Na vasta produção intelectual
sobre Delmiro, é enfatizado seu aspecto empreendedor e ousado. Mostra-se um
industrial que se antecipou na introdução de inovações técnicas, no controle da
reprodução operária e na exploração das potencialidades do Sertão para a
indústria. Mostra-se um homem de pulso e visão, convertido em empresário
exemplar. Delmiro é representado como um indivíduo destemido - homem de grandes
embates -, que teria enfrentado sozinho a prepotência das oligarquias
estaduais, a fúria dos trustes internacionais, a violência dos coronéis e a
ignorância dos camponeses sertanejos. Surge, também, como o homem com rara
habilidade para ganhar dinheiro e organizar empreendimentos inovadores,
mobilizando amplamente os recursos oferecidos pela técnica e pela ciência.
Para alguns autores - solidários
com o mito burguês da ascensão social como uma possibilidade aberta a todos -,
Delmiro aparece como um nordestino pobre que deu certo. Como o rapaz humilde
que, por esforço próprio conquistou conhecimentos, prestígio e riqueza.
Sintetizando esta visão, Gilberto Freyre o qualifica como exemplo de "self
made man" (FREYRE, 1959, 121). Nesta ótica, Delmiro converte-se em
testemunho de que - dependendo unicamente de suas qualidades individuais -
qualquer indivíduo teria condições de ascender socialmente, aproveitando as
chances que a sociedade burguesa oferece.
Para uma corrente nacionalista do
pensamento de esquerda, Delmiro surge como vítima das oligarquias retrógradas e
como mártir da luta contra o imperialista. Sua habilidade empresarial é
reconhecida, porém, mostrada como insuficiente para vencer estes dois inimigos.
Sua trajetória considerada brilhante no mundo dos negócios, porém, marcada por
sucessivos percalços e por um final trágico, é mostrada como evidência das
dificuldades postas pelas empresas internacionais e pelas elites
"atrasadas" ao desenvolvimento do País. Na obra desses autores, os
conflitos políticos entre Delmiro e o grupo liderado pelo oligarca Rosa e Silva
são enfatizados, e a concorrência entre a Fábrica da Pedra e a Machine Cotton é
colocada como ponto central de sua trajetória empresarial e como causa provável
de sua morte.
Esta ampla apropriação da
trajetória de Delmiro para causas e idéias as mais diversas deve-se, em grande
parte, à sua capacidade de mobilizar noções amplamente aceitas para justificar
suas práticas e projetos. Delmiro soube como poucos associar seus
empreendimentos a noções de modernidade e autonomia, despertando sonhos e
esperanças em homens de seu tempo e prestando-se, posteriormente, para
respaldar - não sem contradições - as mais diversas causas e projetos para o
País.
Bibliografia e
Fontes
A Província,
Recife, 27 dez. 1899. p.1.
A Província,
Recife, 29 dez. 1899. p.1.
CAMARA,
Phaelante da. A viagem do futuro Presidente. A Província, Recife, 13 mai. 1906.
p.1.
CAVALCANTI,
Plínio. A Chanaan sertaneja da Pedra (escriptos sobre a obra realisada por
Delmiro Gouveia no Nordeste do Brasil). Rio de Janeiro, 1927.
CHATEAUBRIAND,
Assis. Uma Resposta a Canudos. In: Resposta a Canudos : reportagens e ensaios.
Recife: COMUNICARTE; Brasília: Fundação Assis Chateaubriand, 1990. p. 59-71.
CHATEAUBRIAND,
Assis. O Rei e o Senhor do Chifre Pequeno. O Jornal. Rio de Janeiro, 16 jun.
1963. Primeiro Caderno. p.3.
Cia. Agro
Fabril Mercantil. Correio da Pedra, Pedra, 12 ago. 1923. p.1.
Delmiro
Gouveia, Correio da Pedra, Pedra, 22 out. 1922. p.1. (transcrição de matéria
publicada no Jornal do
Commercio,
Recife, 10 out. 1922).
Derby. Jornal
Pequeno, Recife, 27 jan. 1900. p.2.
Espere um
pouco. A Província, Recife, 10 jan. 1900. p.1.
FIGUEROA,
Salomão. Uma visita a Pedra e a Cachoeira de Paulo Affonso. Correio da Pedra,
Pedra, 23 set. 1925. p.1 e 2.
FREYRE,
Gilberto. O Velho Félix e suas Memórias de um Cavalcanti. Rio de Janeiro,José
Olympio Ed., 1959.
GÓES, Lauro.
Recordações de um passado relativamente bem vivido, mas que jamais desejaríamos
fazê-lo reviver (1914-1917). Recife, 1962. p.7. (manuscrito).
GOUVEIA,
Delmiro. A Província, Recife, 1 jan. 1898. p.2.
GOUVEIA,
Delmiro. O Sr. Rosa e Silva. Jornal do Commercio, Publicações a Pedido. Rio de
Janeiro, 28 jun. 1899. p.4
GOUVEIA,
Delmiro. O Vice-attentado. Jornal do Commercio, Publicações a Pedido. Rio de
Janeiro, 7 jul. 1899. p.4.
GOUVEIA,
Delmiro. Os dous Rosas. Jornal do Commercio, Publicações a Pedido. Rio de
Janeiro, 12 jul. 1899. p.3.
GOUVEIA,
Delmiro. Rosa Vice-Presidente e Rosa Sabe Tudo. Jornal do Commercio,
Publicações a Pedido. Rio de Janeiro, 21 jul. 1899. p.4.
GOUVEIA,
Delmiro.Os Rosas. A prova documental. Jornal do Commercio, Publicações a
Pedido. Rio de Janeiro, 1 ago. 1899. p.5.
GOUVEIA,
Delmiro. Ao Público. A Província, Recife, 5 jan. 1900. p.2.
LIMA JÚNIOR,
Félix. Delmiro Gouveia: o Mauá do Sertão alagoano. Coleção Vidas e Memórias.
Maceió, Departamento de Cultura/ Gov. de Alagoas, 1963.
MARTINS, F.
Magalhães. Delmiro Gouveia não Morreu. A Saga do Comerciante e Industrial.
Delmiro Gouveia, Museu Delmiro Gouveia/ Fundação Ormeo Junqueira Botelho, 1989.
MENEZES,
Hildebrando. Delmiro Gouveia: vida e morte. Recife, CEPE, 1991.
MENEZES,
Olympio. Itinerário de Delmiro Gouveia. Recife, IJNPS/MEC, 1963.
No Derby. Jornal
Pequeno, Recife, 27 dez. 1899. p.2.
Paris no
Derby. Jornal Pequeno, Recife, 11 set. 1899. p.2.
Rosa e Silva. O
Paiz, Rio de Janeiro, 20 jul. 1899. p.1.
SANTOS,
Adolpho. Delmiro Gouveia. Depoimento para um estudo biográfico. Recife, 1947. (mimeo.).
44p.
SEGALL,
Maurício. O Coronel dos Coronéis. Folha de São Paulo, São Paulo, 2 mar. 1980. Folhetim,
p.5.
WRIGHT, Marie
Robinson. The New Brazil. It’s Resourses and attractions. Historical,
Descriptive and Industrial. Philadelphia, George Barrie & Son, 1901.
FIM
www.usp.br/pioneiros/n/arqs/tCorreia_dGouveia.doc
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário