*Rangel Alves da Costa
Que noite mais triste aquela. Ainda hoje se comenta da tristeza infinda daquela noite, num entremeado de choros, prantos, chiliques, discursos inflamados, e sexos declaradamente órfãos de safadeza. A tristeza foi tão grande que no dia seguinte ao ocorrido uma velha prostituta enfartou subitamente e caiu já sem vida de pernas abertas, numa posição das mais esquisitas. Já outra novinha, depois de cortar os pulsos em dois lugares e ainda assim sobreviver, eis que subiu na ponte e se atirou deixando bilhete: “Lá em cima ou lá embaixo, alguém ainda há de me comer”.
Só isso. Mas por que assim? Sem os senhores do cacau como clientes certeiros, vez que a vassoura de bruxa havia deixado o mais rico quase pedindo esmola, toda a pujança do Paris Cabaret - nome pomposo e convidativo à dinheirama - começou a definhar. Os uísques desapareceram e no seu lugar os copos com cachaça barata. As mulheres tão cheias de bijuterias e demasiados perfumes, de repente passaram a ser avistadas em penduricalhos, malcheirosas e sempre embriagadas. Os marinheiros do porto também haviam sumido. Os errantes e noctívagos ali já chegavam bêbados a cochilar pelas mesas.
Uma pobreza só por todo lugar. Raramente aparecia um cliente para ser disputado quase a tapa pelas quengas de plantão. Então, já sem poder manter o cabaré de portas abertas, o proprietário aviadado tomou a decisão de fechá-lo. Quase o mundo se acaba depois que a notícia foi dada. Choro, gritos, desmaios, ameaças de tirar a vida ali mesmo. Mas não houve jeito. Cada mulher tomou seu destino e o famoso caberá fechou as portas. Mas não de vez.
Ao anoitecer do dia seguinte, entrando pelos fundos, Clarimunda Boca de Pelúcia acendeu um bico de luz do salão principal, colocou um bolero na vitrola, virou um copo de cachaça e se pôs a dançar sozinha, chorosamente relembrando seus dias de quenga novinha e sempre disputada pelos coronéis cacaueiros. Mais um copo de cachaça, mais um bolero, e a mulher enlouquecidamente dançando sozinha pelo salão. De repente a luz apagou, a música parou na vitrola, apenas vozes foram sendo ouvidas, cada vez mais presentes, mais próximas, ali mesmo no salão.
“Coroné Salú, não há como duvidar que a safra vai ser boa demais esse ano. Não há um só pé de cacau que não esteja pingando de fruto grande, dourado, amarelado. Vou mandar cacau pra esse mundão inteiro. Se mais porto tivesse por aqui, mais porto eu ainda ia precisar pra mandar tanto cacau pra todo lugar. Mas também tenho de ganhar muito dinheiro pra sustentar meu gosto por essa putaiada toda. E só gosto de xibiu novo, seja a que preço for. Sendo novinho e ajeitadinho eu tô em riba. Já até encomendei uma duas novinhas lá do recôncavo. Vi dizer, compadre Salú, que lá pelas bandas do recôncavo é de se achar mulher novinha como cacau em safra boa. Se não fosse a gorducha da minha esposa, até que eu ia mandar trazer uma sob encomenda pra viver comigo. Já envelhecido como eu, só mesmo perfume de xibiu novo pra trazer força e encorajamento. Essas daqui já comi a me fartar. Tem umas que até dá pra pagar um pouco mais. Lembro muito bem que por muito tempo eu me achava até o dono dessa quengaiada toda. Mas foram sendo usadas demais, envelhecendo, e hoje só resta esse resto aí. Só venho aqui mesmo pra não perder o costume. Mas o que faço mesmo é beber meu uísque, dar dinheiro a uma e outra e depois ir embora. E sei que isso logo vai fechar quando o coronel do cacau se bandear pra outro cabaré. Aí num sei o que há de ser dessa quengaiada. Xibiu tem, mas dá a quem, num é mesmo Coronel Salú?”.
Desnorteada, bêbada, completamente fora de si, Clarimunda enlouquecia no silêncio de seu absurdo. Ouviu vozes inexistentes, sentiu fantasmas antigos, silenciou o bolero que ainda toca sem parar. Apagou o bico de luz que ainda continuava aceso. A aflição tornada em completa loucura. Rasgou a roupa, passou o punhal das unhas pontudas sobre a pele. Estava irreconhecível. Bebeu mais do que encontrou pela frente. Tateando, subiu ao balcão e gritou, cantarolando: “Perfume de gardênia, tem a sua boca...”. E depois despencou ao chão.
Escritor
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