Por José Romero de Araújo Cardoso
Mossoró já foi
um dos mais extraordinários pólos de crescimento que o semi-árido nordestino já
registrou em sua espacialização geográfica, convergência de boa parte da
produção sertaneja dos vizinhos Estados do Ceará e Paraíba, além de sua órbita
gravitacional, as cidades circunvizinhas. Algodão, peles, couros e cera de
carnaúba, além de sal e gesso, eram exportados pelas inúmeras casas
especializadas que eram facilmente encontradas no município, sucessoras da saga
comercial do negociante suíço Johannes Ulrick Graff.
A produção
sertaneja contava com imprescindíveis agentes econômicos, responsáveis pelo
transporte dos bens obtidos com as atividades econômicas do semi-árido. Eram os
almocreves de outrora, os tangerinos ou comboieiros, os quais saíam com tropas
de burros dos mais distantes lugares, trazendo seus fardos de pele e algodão.
Provinham de
todos os recantos do Rio Grande do Norte, da Paraíba e do Ceará. Após dias de
exaustivas caminhadas pelas trilhas toscas e de difícil acesso, chegavam
cansados, famintos e estropiados em Mossoró, onde escolhiam seus melhores
compradores. Em inúmeros casos almocreves, comerciantes e industriais firmavam,
além de negócios, laços coesos de amizade e compadrio. Lembremos o exemplo de
Argemiro Liberato de Alencar, almocreve paraibano, natural de Pombal, compadre
e amigo íntimo do “Coronel” Rodolfo Fernandes, responsável pelo primeiro aviso
a Mossoró de que Lampião intuía atacar a cidade em 1927.
Graças aos
almocreves, muito da prosperidade desfrutada pela capital do oeste potiguar
pôde ser efetivada, sobretudo durante os anos áureos do boom da economia do
semi-árido, durante a década de 20 do século passado. O término da guerra urgiu
a necessidade de se reconstruir a velha Europa, devastada pelo conflito.
Posteriormente, registrou-se a catástrofe da Bolsa de Nova York em 1929, da
qual surtiu efeito contundentes sobre a economia da região.
Campina
Grande, Estado da Paraíba e Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte, rivalizam
quanto ao grau de importância dos velhos almocreves para a economia local, em
determinada época. A primeira já rendeu seu tributo aos bravos tangerinos dos
pretéritos tempos e lucra extraordinariamente com isso. Exemplo maior
encontramos no reconhecimento internacional ao grupo Tropeiros da Borborema,
oriundos da magnífica composição de Raimundo Yasbek Ásfora e Rosil Cavalcante,
imortalizada em esplêndida interpretação de Luiz “Lua” Gonzaga. Monumento em
Campina Grande, além de destaque em museu, embora referente ao algodão, denotam
a reverência dos paraibanos a um dos mais importante elo da cadeia produtiva da
economia sertaneja.
Mossoró, por
sua vez, ainda não despertou para a importância de resgatar os almocreves,
deixando testemunho, como legado à posteridade, de um marco histórico de uma
época em que a fome e a sede imperavam nas estradas poeirentas do sertão,
embora não maiores que a obstinação de buscar sobreviver à inclemência das
dificuldades naturais e artificiais da hinterlândia.
A terra de
Santa Luzia precisa fomentar com urgência esse reparo enquanto tributo de
gratidão àqueles que trouxeram tantas riquezas que deram posição de destaque
regional, nacional e internacional ao País de Mossoró durante boa parte do
século XX, refletindo-se no presente através dos marcos indeléveis no
imaginário popular transmitido de geração a geração. Seguir os passos de
Campina Grande, imitando sua originalidade e pioneirismo, pode representar
futuros investimentos em turismo e cultura, pois a história é um alicerce
irremovível na assistência a projetos futuros.
Em um tempo em
que os transportes de grande calado, que comportassem o volume da produção,
eram escassos ou quase inexistentes, esses agentes econômicos marcaram
significativamente o cotidiano das terras semi-áridas, contactando centros
civilizados com os mais recônditos rincões esquecidos do vasto mundo das
caatingas e dos carrascais.
Homenageá-los
significa recuperar parte de nossa memória, se evitando dessa forma que suas
lutas e o estoicismo em vencer obstáculos de um sertão tenaz e indomável de
outrora caiam no ostracismo imposto pela aculturação que se propaga e faz as
gerações atuais e futuras tenderem a esquecer as raízes e os valores das
veredas da terra do sol.
José Romero
Araújo Cardoso (2) - Geógrafo (UFPB). Escritor. Professor-adjunto do
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e
Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em
Desenvolvimento e Meio Ambiente (UERN). Membro do Instituto Cultural do Oeste
Potiguar (ICOP), da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e da
Associação dos Escritores Mossoroenses (ASCRIM)
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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