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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

...O OUTRO LADO DA MOEDA! O SOLDADO VOLANTE


Dando prosseguimento aos nossos estudos, nos defrontamos com mais uma, das outras partes que compõem os(a) personagens que fizerem parte da saga cangaceira, aqueles(a) que fizeram parte das volantes.

Tentamos detalhar, em outro texto, como se portavam aqueles que ‘mandavam’ e os que eram, sempre, submissos as suas ordens. A maioria dos homens que fizeram parte das tropas perseguidoras aos bandos de cangaceiros, também eram filhos da terra. Roceiros, tropeiros, ‘moradores’, em fim, filhos do sertão. Pessoas que não tinham muita opção para viverem, não tinham liberdade de escolha, ou melhor, não os deixavam ter escolha.

Além das arbitrariedades dos mandantes, havia as intempéries climáticas do semiárido nordestino, tirando a forma de como o agricultor usava para manter-se durante o ano. Nos dias de ‘inverno’, inverno para o sertanejo é a estação, época, das chuvas. Sabedor, mais ou menos, de quando se inicia, o roceiro prepara a terra, seu roçado, meses antes. De machado e foices nas mãos calejadas, ele cortava a mata da caatinga em determinado local, a madeira serviria para ‘remontar’ cercas caídas ou na elevação de novas, outra parte servira como combustível do fogão, fogão a lenha, por fim, fazia o ‘aceiro da broca’ e colocava fogo no mato derrubado e seco em suas terras, isso era raro, e em terras de latifundiários, tendo a obrigação daquilo que colhesse entregar parte de tudo ao patrão. O restante ficaria para manter sua família durante os longos meses de estiagem, até aproximar-se o novo ciclo chuvoso.


Pois bem, nos anos em que não havia ‘inverno’, a coisa ficava pior. O agricultor não tinha de onde retirar o seu sustento. A ‘dispensa’ do roceiro não era grande devido à quantidade que lhe tocava da colheita do seu roçado ser bastante pequena. Isso obrigava alguns jovens se mandarem para outros lugares, longe do seu rincão, a fim de conseguirem sobreviver. Outros ficavam a vagar pelas terras dos proprietários mendigando algum serviço, ou mesmo algum alimento. Como não havia tido chuva na época certa, não tinha muito que fazer. Alguns sertanejos, por incrível que pareça, procuraram entrar nas hastes do cangaço, vendo nela uma saída para seu sofrimento. Os bandos passavam em Vilas, Povoados e pequenas cidades com seus trajes extravagantes, esbanjando dinheiro, sem respeitar ninguém, sem temer a ninguém, e isso era, ou seria, uma cobiça para os adolescentes.

A VOLANTE

Foram grupos, ou grupamento, de soldados e/ou contratados que percorriam as caatingas em busca de bandos de cangaceiros.

Naqueles idos, os comandos gerais das Forças Públicas por onde a saga passou, enviara tropas formadas nas capitais dos Estados para o interior a fim de combatê-la. Esse contingente tinha vários obstáculos a romperem além do inimigo propriamente dito, os cangaceiros. O primeiro inimigo a se mostrar perante a coluna era o terreno, a arborização e o clima, semiárido. 

A caatinga é um bioma único no planeta, e para estar com ele, e nele, se faz necessário que se conheça, o respeitando devidamente, com isso sobrevive-se, pois o mesmo lhe fornece o necessário. Se assim não se portar aquela pessoa que nele penetrar, só lhe restará a morte.


Pois bem, os grupamentos de soldados vindos das capitais, não eram conhecedores das caatingas do sertão, e, no início da coisa, resultou em desastrosas campanhas, havendo, em demasia, várias baixas, não por terem enfrentado os bandoleiros, mas, por não serem adaptados para sobreviverem no desconhecido campo de batalha, o bioma caatinga. Além da falta de conhecimento do terreno, a vestimenta, os calçados e o equipamento, ração, água, munição e as armas, pesavam em demasia, porém, seu maior incômodo era por terem que carregar tudo nas costas. Vejam que, sem haver estradas, caminhos e/ou veredas, a tropa tinha que caminhar dentro da mata com todo aquele peso e a mochila nas costas, além do fuzil em uma das mãos, pois tinham que movimentarem-se agachados, muitas das vezes tiveram que se arrastarem para livrarem de serem atingidos por algum espinho, ou galho espinhoso. O calçado, sendo o coturno, bota de cano longo fechada, era outro grande desprazer. O calor sendo em demasia, não havia como ter circulação de ar, fazendo com que muitos soldados ficassem sem terem condições de caminharem.

No desenrolar do tempo, que tudo nos ensina, os comandantes, dirigentes, das Forças Públicas começam a recrutar o próprio sertanejo. Aquele nativo que nasceu, criou-se e desenvolveu seus conhecimentos naturais na própria região, passando a serem como os cangaceiros, que eram sertanejos, roceiros natos, os novos grupamentos de soldados volantes, sendo estes incorporados, contratados ou mesmo voluntários como se deu com os Nazarenos e outros.


“(...) Ferraz, com muita propriedade, atesta que, quando vindo ocasionalmente da capital, as verdadeiras forças volantes "encontravam, apesar de seus esforços, grandes dificuldades no desempenho de sua missão: a primeira delas era constituída pela imensidão da caatinga desconhecida e habitada por uma população reduzida, emudecida e temerosa de represálias. (...) Era a velha história: as forças volantes chegavam e partiam, mas os cangaceiros permaneciam para a cobrança (...)." (1985 - p. 221).

Na verdade, para se colocar um bornal nos ombros, um punhal na cintura, uma xô-boi nos pés e um fuzil nas mãos, para ir à procura de cangaceiros dentro da caatinga, se faziam necessários o ‘cabra’ ter sangue no olho, ser tão, ou mesmo mais, muito mais, valente do que aqueles que teriam que perseguir. O ‘desconhecido’ estava ao longo da trilha, na próxima moita, por trás de um lajedo ou no topo de uma árvore. A morte rondava constantemente aqueles grupos de soldados, que sem temerem, passaram a dedicar sua vida na busca de foragidos. Se os familiares dos cangaceiros sofriam, os dos volantes também sofriam, pois não sabiam se tornariam a vê-los novamente.


A necessidade obrigou as autoridades consentirem que todo e qualquer homem, sendo ele quem fosse: um assassino, um ladrão, um bandido comum ou mesmo um ex-cangaceiro, fizesse parte das tropas formadas para darem combate ao banditismo no interior de seus Estados. Essa atitude teve resultados, em muitos e muitos lugares, catastróficos. O ‘cara’ já tinha o dom de praticar perversidades ao praticar seus crimes e agora acobertado pela farda, elas ficaram mais intensas. Chegando ao ponto de alguns roceiros, dizerem abertamente, que preferiam serem ‘visitados’ por Lampião e seu grupo em vez de terem uma ‘visita’ de alguma tropa volante.

“(...) Recrutados - entre os etno-nativos da região: curibocas, mulatos e cafusos - esses grupos de policiais-militares, percorriam equipados e a pé, grandes distâncias em perseguição aos malfazejos foras-da-lei, muitas vezes, mantendo um combate desigual, pois os chamados cangaceiros estavam melhor municiados, com armamento mais moderno e em melhores condições, diante das facilidades que estes tinham em conseguir recursos e alimentos, bastando para isso mandar pedir um salvador "óbolo", através de bilhetes a qualquer fazendeiro ou político. Estes, para não enfrentarem a ira daqueles facínoras - que com uma possível recusa, estariam na mira de uma próxima incursão, com a visita indesejada, inesperada, desmoralizante e de funestas consequências, viam-se forçados a atendê-los em todas as suas "justas" demandas (...)”.


Um sobrinho do primeiro inimigo, Zé Saturnino, de Lampião, segundo a história, disse em depoimento gravado em vídeo, que certa vez Lampião e seu bando chegaram a suas terras, no terreiro da sua casa. Lampião, sabedor que Luiz de Cazuza era produtor de rapadura, ou revendedor, manda que sejam colocados vários ‘costais’ nos lombos dos animais. A ordem é cumprida pelo próprio Luiz. Após serem colocados nas cangalhas e amarrados, Lampião manda que o cangaceiro Sabino das Abóbodas, seu ‘lugar tenente’ pague a mercadoria. O valor pago, a mando do chefe, segundo o próprio Cazuza, era muito acima daquele que valia a mercadoria.

Após esse ocorrido, chega à mesma fazenda uma volante. O comandante da volante tudo cheio de direito e autoridade, ordena que peguem uma criação, um bode no dizer do Sr. Luiz, e o matem para que a tropa pudesse se alimentar. Imediatamente a ordem é executada por dois soldados Demorando um pouco em seus ‘afazeres’ diante da soldadesca e querendo receber o valor da sua criação, Luiz Cazuza é ameaçado de ir para debaixo do cacete pelo comandante. Só escapou de levar uma sova devido um de seus soldados saberem de quem se tratava e conhecia a fama de seu tio, Zé Saturnino, que na época era sargento e comandante de uma volante pernambucana. Ao saber quem era seu tio, o comandante ainda se ralha por não ter dito que era parente de Saturnino. Lampião, ao pagar a mercadoria foi bonzinho, não. Foi inteligente e esperto, pois, pagando, sempre tinha alguma coisa para nutrir sua cabroeira.


(...) A bem da verdade, devemos colocar que algumas forças denominadas "volantes", se utilizavam dos mesmos métodos que os cangaceiros. A esse respeito Torres, observa que "tardiamente, a polícia se organizava em 'volantes', com o mesmo jeito dos facínoras, tomando também dinheiro dos coronéis e demonstrando, com forrós e alegria, quando um combate os afastava para as brenhas." (1994 p. 47) Já Carvalho nos passa que "Eram inomináveis as violências e arbitrariedades praticadas pelas forças volantes que transitavam pelo interior dos Estados, contra os direitos dos particulares. (...) Qualquer futilidade servia de pretexto para esculachos desumanos. (...) A integridade física e moral dos sertanejos não existia para aqueles que por dever de ofício estão na obrigação de respeitar e proteger." (1974 p. 91) (...).”

Depois do que ocorreu em Canudos, o maior morticínio causado pelo Exército brasileiro, as autoridades começam a desarmar os ‘coronéis’ de linha por todo o interior dos Estados do Nordeste. Outras medidas foram tomadas como, na sequência, a extinção da Guarda Nacional e outras providências.


“(...) “O Exército, ainda, sob o "diáfano" manto da doutrina positivista era um verdadeiro "exército de papel". Porém, com a campanha cívico-patriótica bilaqueana pela escola popular e pelo serviço militar obrigatório(em 1915) e a desativação definitiva da Guarda Nacional (em 1918), abriu-se um novo horizonte para a Corporação e houve - então - um absoluto controle militar interno, desarmando-se as oligarquias coronelistas locais. Trevisan, nos lega que com "a chegada da Missão Militar Francesa, em 1920, completa-se o quadro das mudanças internas da instituição. Começava a delinear-se as mudanças 'externas', fruto das alterações até então técnicas da instituição militar" (...).” (1987 p. 50)

“(...) Por outro lado, os governos estaduais nordestinos, vendo-se agravar o banditismo nas regiões interioranas do agreste e do sertão, viram-se na contingência de criar forças policiais-militares de emprego rápido e que teriam - inclusive - nativos recrutados dessas regiões. Surgindo daí as verdadeiras volantes que eram grupamentos, destacamentos ou patrulhas tático-móveis, compostas essencialmente por militares (policiais das Forças Públicas estaduais ou militares do Exército nacional, devidamente comissionados para este fim), comandadas - preferencialmente - por um oficial (tenente ou capitão). A esse respeito, Rangel de Farias alude que "era muito comum acontecer que os oficiais do Exército, quando chamados a comandar polícias, trouxessem a idéia de que as mencionadas corporações fossem compostas por uma maioria de homens ignorantes e indisciplinados" (...).” (1995 p. 8)


Como exemplo, citaremos dois nordestino, o primeiro trata-se do Sr. Pompeu Aristides de Moura, jovem que em determinada época, no município de Rio Branco, atual Arcoverde, PE, ao se defrontar com o bando de Lampião, comunica que quer fazer parte do mesmo. Devido seu porte físico, era pequeno e franzino, na ocasião, justamente devido a isso, um dos cangaceiros, ao avalia-lo, o dispensa. Na sequência, pouco tempo depois, Pompeu consegue entrar na Força pernambucana, e passa a ser perseguidor de cangaceiros. Seu destacamento é tido como aquele que se confrontou com o grupo comandado por Virgínio, o cangaceiro “Moderno”, cunhado de Lampião, e o mesmo vem a ser abatido. Alguns escritores citam como sendo ele, o então tenente Pompeu, a ter sido quem eliminou “Moderno”, no entanto, ele mesmo refere que não se sabe quem fora aquele que acertou o tiro no cangaceiro, pois todos estavam na tocaia e atiraram simultaneamente de ponto.


Já o outro, referimo-nos ao jovem João Torquato. Outra coisa que levava jovens para as fileiras das colunas volantes era o motivo da vingança. Assim como alguns, para não morrerem, após alguma morte praticada, procuravam entrar no cangaço, com ou tendo a ilusão que escapariam da morte, outros, que sua família tinha sido desonrada, alguém fora morto, estuprada, extorquida, etc., por algum grupo de cangaceiros, procuravam entrar na Força Pública para, de farda no corpo, poder matar cangaceiros legalmente.

Tentaremos mostrar como ocorreu o fato, ou os fatos sobre a saga desse jovem sertanejo, João Torquato, citando, como exemplo parte da história de um dos homens mais valentes que fizera parte das volantes. Que fora, exatamente o soldado volante João Torquato dos Santos. Como tantos outros sertanejos, tivera sua infância ao lado da família, de seus pais, tendo orientações como lidar nas tarefas diárias, calejando o saber para exercê-lo num futuro próximo. As coisas às vezes, por ironia do destino, ocorrem de forma que jamais se tenha imaginado.


Na primeira metade do ano de 1937, chega de surpresa na casa do velho Torquato, na fazenda Pia Nova uma caterva de cangaceiros comandados pelos subchefes Zé Sereno e Mané Moreno. Chefes cruéis e comandados piores fazem o maior escarcéu naquela moradia. Terminam por assassinar o patriarca da família e seu genro Firmino. Não se sabe por que, o restante da família, a esposa e os filhos não são mortos, são poupados. Dentre a prole do velho Torquato há um rapazinho, que a partir daquele instante só tem uma vontade na vida, a de perseguir e matar cangaceiro, vingando a morte do pai e do cunhado. Logo começa a fazer parte da Força Pública baiana, começando a servir sob o comando do tenente José Osório de Farias, o tenente Zé Rufino. Sempre atento aos ensinos do ‘velho caçador de cangaceiros’, João torna-se um exemplar soldado, aprendendo a rastrear os poucos e difíceis sinais deixados pelos cangaceiros. Não se demora naquela volante. Logo vai fazer parte daquela em que seu comandante “é o temido Antônio Recruta”.

Os dias passam, os meses mudam e os anos se sucedem. Para o jovem volante João Torquato a cada dia, mês e ano que se passa, aumenta mais a vontade de perseguir e matar cangaceiros. Já bastante experiente no combate por entre as moitas, vales, serras e grotões da caatinga, logo o jovem seria colocado à prova pelo destino: enfrentaria, sozinho, um bando de cangaceiros comandados por, nada mais, nada menos, que o famosíssimo Cristino Gomes, o cangaceiro “Corisco”.

Em determinada data, a volante ao qual o soldado João Torquato fazia parte, estava descansando das duras e terríveis caminhadas por dentro da caatinga em busca de cangaceiros, em terras de um simples agricultor, quando o mesmo ‘oferecer’ uma farta refeição para a tropa. A buchada que fora servida aos homens da tropa, no início fora vista como sendo comida para cangaceiro, devido à quantidade. Os soldados caem em cima da ‘boia’, da comida, como se nunca tivesse comido tamanha era a voracidade empregada. Enquanto todos se fartam, João Torquato e o soldado, seu compadre, Chico Amaral, saem para darem uma volta pelas redondezas. Esquecem que estão em busca dos sinais de cangaceiros e que os mesmos poderiam estar mais perto do que pensavam. Caminham bastante até terem que pararem e ficarem descansando na sombra de uma frondosa árvore. Esse local, segundo algumas literaturas, citando o soldado João como fonte, era uma fazendola denominada “Queimada do Luis”. Já outras, que citam a cangaceira Dadá como fonte, referem que o sítio se chamava “Lagoa da Serra”.


Estavam os dois a descansarem quando, de repente, aprecem a silhueta de vários homens usando grandes chapéus com abas quebradas na testa, andando em fila indiana e todos armadas, eram cangaceiros. O tronco da árvore em estava embaixo impede que sejam vistos pelos ‘cabras’ do bando.

Aproveitam um minuto e se escondem mais ainda. Já sabedores que tratava-se de cangaceiros, o soldado Amaral confidencia que vão morrer ao compadre João.

Torquato parece não ter escutado nada do que Chico disse. Não retirava os olhos dos homens que caminhavam despreocupados e puxando conversa um com o outro. Nota que quem encabeçava a fila era um cangaceiro bastante alto, destacando-se dos outros. Mais tarde diria que pensava ser Corisco. Então, calmamente, leva sua arma ao ombro e abre fogo. O projétil se aloja no tórax do cangaceiro que ‘dá de lapada no chão’. Quando toca no chão duro e seco, o corpo já estava sem vida. O tiroteio tem início. Gritos e palavrões são abafados pelo som estridente dos disparos das armas de fogo.

“(...) Chico Amaral se acovarda. Implora para que se afastem daquele perigoso lugar. Ficar parado naquele local seria morte certa. João Torquato está resolvido. Vai enfrentar os cangaceiros. Alerta o companheiro. Chico não acredita que aquela loucura possa acontecer. Estonteado, ver seu parceiro , com a arma engatilhada, fazendo mira no peito do cangaceiro aloirado (...).” (Alcino. p.277, 2011)

O cangaceiro que caminhava na frente dos companheiros não era o chefe, Cristino Gomes, o Corisco, mas o cangaceiro de alcunha “Guerreiro”. Após o primeiro disparo, os cangaceiros, meio tontos sem saberem de onde partira, exatamente o tiro, começam a entrar no mato, procurando algum anteparo para esconder-se. Entre o bando e o soldado volante tinha um largo tanque. De um lado, em seu paredão escondem-se alguns homens grupo, inclusive o chefe e sua companheira, a cangaceira Dadá. João, ao escutar o vozeirão de Corisco, fica sabendo que o ‘cabra’ que derrubou não fora o “Diabo Louro”.

Os cangaceiros não sabiam que se tratava de um só inimigo a enfrenta-los, pois o compadre de João dera no pé, pensavam eles que se tratava de uma volante completa. Chico Amaral Foge e deixa o amigo sozinho na briga contra os cangaceiros.

Torquato usa como abrigo o paredão do tanque do lado oposto onde encontravam-se os cangaceiros. De repente ele nota um vulto dentro da mata querendo pegá-lo pelo flanco. Nota que era um cangaceiro a rastejar, procurando uma posição para enchê-lo de chumbo. João atira sem nem mesmo fazer pontaria. O ‘cabra’ dá um grito e, de onde está, rola ladeira abaixo em direção o local onde se encontra homem que atirou nele. Quando pára, o soldado ver que se tratava de um adolescente, um jovem, uma criança. No entanto, esse jovem começa a tentar empunhar sua arma para atirar nele. Perto estando, Torquato não gasta uma bala para acabar de matar aquele jovem. Amassa seu crânio com o coice do mosquetão.

Naquele interim, Corisco sai de onde estava escondido e começa a empreender uma corrida na direção da mata alta, grande e fechada, onde poderia esconder-se e sumir do mapa. Esse movimento é notado por Torquato, que grita, o provocando. Ao ser provocado, Corisco estanca, dar meia volta e começa a tirotear com seu provocador. Nesse momento o chefe cangaceiro percebeu que não se tratava de uma volante, mas de um só inimigo enfrentando seu bando. Talvez tenha sido essa surpresa que tenha feito o alagoano ficar parado poucos segundos, porem, foi o tempo suficiente para que fosse atingido nos dois braços simultaneamente. O projétil entra no vasto lateral de um braço, na altura do cotovelo e sai em seu meado, penetra no meado do outro braço e sai pela lateral do mesmo. O cangaceiro está perdido. Não consegue mais segurar sua arma. O fuzil do chefe cangaceiro solta-se das suas mãos e cai no chão. Sua companheira, a cangaceira Dadá, vendo o que poderia acontecer, parte a fim de salvar a vida de seu amado.

“(...) A surpresa lhe foi fatal. Havia perdido precioso tempo. O tempo necessário de João Torquato disparar a sua arma e atingi-lo, com incrível sorte, justamente nos dois braços do lendário cangaceiro. Corisco acusou a seriedade do ferimento. Seu mosquetão caiu. Não tinha forças para segura-lo (...).” (Alcino p 278, 2011)

Sacando de uma pequena pistola, Dadá inicia uma série de disparos na direção do soldado Torquato, que, automaticamente, procura proteger-se. Acabando-se a munição da pequena arma de fogo, e não tendo mais, ou não podendo, pelo momento ser inapropriado, Dadá agacha-se, cata algumas pedras pelo chão e começa a atacar o inimigo com elas. Jogava as pedras e empurrava Corisco para que esse saísse da linha de fogo, entrando no mato.

“(...) Dadá atira sem parar. Atira e empurra o companheiro para uma baixada ali perto. As balas de sua arma se acabaram e a cangaceira, como se fosse uma suçuarana defendendo os seus filhotes se vale de um novo e inesperado armamento: pedras (...).” (Alcino, p. 278, 2011)
Salvaram-se os dois naquele dia. Mais tarde, Dadá relata, em um vídeo/depoimento, que os ferimentos infeccionaram. Ela fora a médica, a enfermeira, a pessoa que cuidou, fazendo curativos, desbridamento e tudo o mais nos braços de seu companheiro.

João Torquato mostrou para que viera. Exatamente para brigar, digladiando-se contra qualquer cangaceiro, sem medo de morrer para isso. Um pequeno relato de um dos mais valentes soldados que fizera parte das volantes... nas quebradas do sertão baiano.

Fonte etalasquera.ueuo.com
MELLO, Dante de. A Verdade sobre "Os Sertões":
Análise reivindicatória da campanha de Canudos.
Rio de Janeiro: BExE, 1958.
RANGEL DE FARIAS, Edésio. Cangaço e polícia:
Fatos e feitos paraibanos.
Recife: REPROART, 1995.
TORRES, Luiz W. Lampião e o cangaço.
São Paulo: EDICON, 1994.
CARVALHO, Rodrigues de. Serrote Preto:
Lampião e seus sequazes.
Rio de Janeiro: SEDEGRA, 1974.
FERRAZ, Marilourdes. O Canto do acauã.
Recife: Rodovalho, 1985.
BRITTO, Paulo. Op. cit.
BEZERRA, João (Cap). Como dei cabo de Lampeão.
Rio de Janeiro: Do Autor, 1940 1ª ed.
COSTA, Alcino Alves. Lampião Além da Versão – Mentiras e Mistérios de
Angico. Cajazeira – PB. 3ª edição
Foto Lampião Além da Versão – Mentiras e Mistérios de Angico.
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