Por José Romero
Araújo Cardoso
O fenômeno do
cangaço no Nordeste Brasileiro é tão antigo quanto a colonização da região,
principalmente na área sertaneja submetida aos rigores dão malfadado quadro
natural, onde periodicamente imperam estiagens que deixaram tristes lembranças
e que marcaram o aparecimento de grupos bandoleiros, a exemplo dos Viriatos,
dos Calangros, dos Brilhantes, etc.
Foram
registradas ainda ações de cangaceiros precursores de Lampião e Antônio
Silvino, tanto nos séculos XVIII como no XIX, exemplificadas através do
anti-heroísmo do Cabeleira e Lucas da Feira, não esquecendo a atuação do
célebre Rio Preto, cuja imitação de relinchos de jumento fazia tremer toda
população ordeira da ribeira do Piranhas, na então Província da Parahyba.
Leandro Gomes
de Barros, paraibano nascido em Pombal no dia 19 de novembro de 1865 e falecido
no dia 4 de março de 1918, no Recife, capital pernambucana, considerado o Pai
do Cordel Brasileiro, a quem, com muita justiça Carlos Drummond de Andrade
agraciou com o título de “O Verdadeiro Príncipe dos Poetas Brasileiros”,
honraria antes concedida ao poeta Olavo Bilac, imortalizou em versos de grande
aceitação popular em seu tempo a saga cangaceira de Antônio Silvino, o Rifle de
Ouro, em produções cordelísticas antológicas, a exemplo de Antônio Silvino: O
Rei dos Cangaceiros e Confissões de Antônio Silvino.
Tendência
semelhante em esforçar-se para fazer com que o público compreendesse e, não
raro, enaltecesse personalidades bandoleiras de época, encontra-se ainda em
Francisco das Chagas Batista, cuja obra, talvez a mais importante, com relação
ao cultivado cangaceiro pernambucano, tem o título Antônio Silvino: Vida,
crimes e julgamento.
Lampião,
sucessor de Antônio Silvino e Sinhô Pereira nas lutas cangaceiras, foi alvo de
duas biografias eruditas ainda em vida. A primeira, publicada no Estado da
Paraíba, no ano de 1926, de autoria do jornalista Érico Gomes de Almeida, tem o
título de Lampeão, sua história, enquanto a segunda, publicada no ano de 1933
em Sergipe, de autoria do médico Ranulpho Parta, traz o singelo título de
Lampeão.
Gonçalo
Ferreira da Silva, honrando a tradição de antigos e imortais catalisadores da
essência que embasa a autêntica literatura nordestina, destaca celebridades do
cangaço que deixaram histórias de valentia inaudita, iniciando, como era de se
esperar, com destaque biográfico àquele que se tornou o grande “rei do
cangaço”, responsável pela ênfase a uma epopéia sertaneja sem paralelos nos
anais da violência que assinalou mais de duas décadas de domínio quase absoluto
pelas veredas da terra do sol, pois derrotas fragorosas, como a infringida em
Mossoró, quando da heróica resistência de 13 de junho de 1927, abalaram domínio
antes incontestáveis.
Em seguida, o
destaque fica a cargo da atuação do célebre Corisco, a quem Sérgio Dantas
destacou como verdadeira sombra de Lampião, sendo responsável pela tentativa de
suceder Virgulino Ferreira da Silva após a tragédia ocorrida na grota de Angico
em 28 de julho de 1938. Corisco não tinha o mesmo poder de liderança desfrutada
pelo compadre e amigo perecido na companhia de dez cangaceiros, razão pela qual
seu domínio foi finalizado em maio de 1940, atingido, na companhia de Dada,
pela volante do então Tenente Zé Rufino na região de Brotas de Macaúbas,
Chapada Diamantina, Estado da Bahia.
O terceiro
cordel que integra a obra enfatiza Jesuíno Brilhante, a quem o mestre Gonçalo
Ferreira da Silva reconhece como “O Braço Avançado da Justiça”, pois o
bandoleiro norte-riograndense chegou a fazer o papel do Estado, principalmente
quando da grande seca de 1877-1879, garantindo abastecimento de víveres à
população flagelada, de forma humana, sem fazer distinção.
Antônio
Silvino, “a justiça acima da lei”, é a quarta celebridade do cangaço abordada,
considerado, em sua época, verdadeiro terror das veredas do sertão, cujos
desafios chegaram a atingir a toda poderosa Great Western Company.
O quinto
momento cordelístico a ter ênfase destaca o casal cangaceiro Lampião e Maria
Bonita, primeiro a integrar as hostes do cangaço a ponto de surpreender o comandante
Sinhô Pereira, quando de entrevista para o jornalista Nertan Macedo que o
localizou em Patos de Minas. Sebastião Pereira e Silva, neto do Barão do Pajeú,
vingador da família Pereira em luta interfamiliar secular contra os Carvalhos,
revelou que nunca admitiria a presença de mulheres no ambiente cangaceiro.
Lampião e Maria Bonita viveram romance tórrido, marcado por contradições
inauditas, tendo como ponto principal a humanização do movimento sertanejo,
antes assinalado pela absoluta ausência do perdão.
A sexta
abordagem em cordel fica a cargo da brilhante composição, em sublimes versos
sertanejos, enfocando o cangaceiro paraibano Asa Branca, “a inteligência a
serviço do cangaço”. Antônio Luiz Tavares fez parte do bando de Lampião e
participou da tentativa de ataque à cidade de Mossoró, escapando milagrosamente
graças à intervenção involuntária de valente sertaneja de nome Maria Maia,
esposa de Alcides Dias Fernandes, que o levou para fazer séricos domésticos em
sua residência, a contra-gosto dos policiais que lhes faziam guarda, pois
estava preste a ser executado como os demais capturados após o frustrado ataque
de 13 de junho de 1927. Asa Branca foi funcionário da Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte, falecendo em Mossoró e sendo enterrado próximo ao túmulo
de Jararaca, bem como do local onde está sepultado Colchete, no Cemitério
Público São Sebastião.
A sétima
celebridade a ser destacada é o Menino-Bandido Volta Seca, cuja atuação no
cangaço foi tão marcante a ponto de ter despertado o interesse de Jorge Amado
em inseri-lo no romance intitulado Capitães de Areia, um dos mais importante
trabalho literário do filho de cacauilcultores baianos que abraçou a doutrina
comunista. Volta Seca foi um dos mais cruéis cangaceiros na tragédia verificada
na cidade baiana de Queimadas, quando o destacamento local, à exceção do
Sargento Evaristo, foi dizimado covardemente.
Em seguida,
Gonçalo Ferreira da Silva versifica a trajetória sanguinária e hedionda de Zé
Baiano, “o ferrador de gente”, cangaceiro perverso que cismou em moralizar o
sertão através de métodos violentos que puniam com arrojo o que considerava
desvios de conduta, sobretudo manifestados pelo gênero feminino. A fama de
perversos granjeada pelo cangaceiro Zé Baiano enfatizou o empenho de Estácio
Lima a fim de provar vínculos desse sertanejo com teorias lombrosianas.
A nona
celebridade do cangaço a ser enfocado em versos cordelisticos é o pernambucano
de Quixaba de nome Ângelo Roque, o qual ficou conhecido pela alcunha de
Labareda. Em Guerreiros do Sol: O Banditismo Rural no Nordeste do Brasil,
Frederico Pernambucano de Mello, pesquisador e historiador de raros dotes,
enquadrou-o no Cangaço-Vingança, seguindo a proposta que formulou e que a
denominou de Teoria do Escudo Ético. Protegido do Dr. Estácio, Labareda, depois
de se entregar com arte do bando, tendo recebido anistia de Vargas, foi
enquadrado como funcionário público do Instituto Médico Legal em Salvador,
capital baiana.
O décimo
cangaceiro a ter sua vida destacada em cordel é o cunhado de Lampião, conhecido
nas hostes do cangaço pelo apelido de Moderno, mas que não teve grande
repercussão, pois Virgínio, seu nome de batismo, ficou imortalizado
indelevelmente no movimento sertanejo. Virgínio era uma espécie de “juiz do
grupo de Lampião”, tendo em vista ser ponderado e coerente, não apresentando
“pendores voluntários” para a “profissão de cangaceiro”.
A décima
primeira personalidade cangaceira a ter registro na obra literária que
enriquece magistralmente a produção em cordel se refere ao cangaceiro-militar
José Leite de Santana, o qual devido ao comportamento extremamente violento
recebeu do próprio “Rei do Cangaço” o apelido de Jararaca. José Leite de
Santana se encontrava em posição de vanguarda quando do ataque a Mossoró, sendo
alvejado duplamente no ensejo dos combates travados em vias públicas da capital
do oeste potiguar. A forma covarde e desumana como foi executado, pois estava
preso e, em tese, deveria ter sua segurança garantida pelo Estado e seus
aparelhos, despertou a fé popular, a qual o transformou em “santo milagreiro”
na Terra de Santa Luzia do Mossoró.
As décima
segunda, décima terceira e décima quarta celebridades do cangaço enfatizam o
universo feminino e suas influencias, pois tanto Maria Bonita, “a eleita do
Rei”, Dadá, “esposa e aliada de Corisco”, como Cila, “liderança feminina do
cangaço”, ocuparam posições proeminentes e de respeito no Estado-Maior que
estruturou uma das mais formidáveis manifestação de insurgência no sofrido
Nordeste Brasileiro.
Maria Bonita,
“a rainha do cangaço”, separou-se do esposo para seguir Lampião, assinalando
capítulo inicial da inserção das mulheres no cangaço, enquanto Cila, esposa de
Zé Sereno e Dadá, esposa de Corisco, sobretudo a última, deram provas
inequívocas de engajamento completo, não obstantes dúvidas iniciais, mas que
foram sendo dirimidas em razão de vínculos profundos com a organização do
movimento e férreo atrelamento aos preceitos que definem, entre outras coisas,
a moral sertaneja e suas implicações.
Estão de
parabéns o renomado cordelista Gonçalo Ferreira da Silva, a Editora
Queima-Bucha e o Nordeste Brasileiro, pois a importância do presente trabalho
literário dignifica toda resistência que vem sendo empreendida por valorosos
defensores das bases da autenticidade que caracteriza as verdadeiras expressões
da originalidade nordestina.
José Romero
Araújo Cardoso – Geógrafo (UFPB). Escritor. Professor-adjunto IV do
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e
Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em
Desenvolvimento e Meio Ambiente (UERN). Membro do Instituto Cultural do Oeste
Potiguar (ICOP), da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e da
Associação dos Escritores Mossoroenses (ASCRIM).
http://www.caldeiraodochico.com.br/lampiao-e-outras-celebridades-do-cangaco-destacados-em-abordagens-cordelisticas-enfatizadas-pelo-grande-e-notavel-poeta-popular-goncalo-ferreira-da-silva/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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