Por Sálvio
Siqueira
Naquele tempo,
por volta de 1928/29, Lampião está se restabelecendo da grande perseguição
empregada pela Força Pública de três Estados nordestinos nos sertões da Bahia.
Ele era esperto, ao chegar a terras baianas, não começa de cara a empreender seu terrorismo costumeiro. Pelo contrário. Vai aos poucos tentando cativar a confiança dos roceiros, promovendo festas, apadrinhando e resolvendo ‘causos’ entre eles.
Nos arredores
do povoado do Juá, Lampião sempre se mostrava constantemente. Passando,
acampando ou mesmo fazendo um grande forró ao som da sanfona pé de bode, na
qual também sabia arrancar determinados sons.
Havia, dentre aqueles roceiros que só levavam suas vidas a trabalhar, de sol a sol, como dizemos aqui no sertão do Pajeú das Flores, sem importar-se com passagens, idas ou vindas de cangaceiros, um certo cidadão por todos conhecido com Bispo. Suas determinações eram tão somente em trabalhar e ensinar sua prole, que não era pequena, em ter responsabilidades diante da labuta diária.
Bispo era pai
de uma prole onde sua maior parte eram meninas. Os meninos, sempre o
acompanhavam para o roçado em auxilio ao cansativo trabalho. As meninas ficavam
em casa, ajudando a mãe e aprendendo a ser dona de casa, propriamente dito.
Certa feita, ao serem convidados para uma festa promovida pelos cangaceiros,
regada a cachaça, vinho e muita carne assada, vários dos filhos de Bispo se
fizeram presente, principalmente as moças.
Três das filhas
de Bispo chamadas Noca, Verônica e Rita, desde alguns ‘sambas’ que tinham
comparecido, já flertavam com alguns dos cangaceiros. E não deu outra,
namoraram todas elas.
Para tristeza de Bispo, as três deixam sua casa, mais um dos filhos, chamado Vitô e penetram numa aventura desgraçada. Não sabiam que, aquela seria a última decisão das suas vidas. Vitô ganha a alcunha dentre as hastes cangaceira de ‘Lua Nova’.
Francelino José Nunes o Português
A primeira a
perder a vida fora a chamada de Noca, que tinha acompanhado um dos ‘cabras’ de
Lampião, virando assim sua companheira, do cangaceiro Francelino José Nunes,
conhecido nas hastes do cangaço pela alcunha de “Português”. Após a morte de
Noca, sua irmã Verônica, lasca-se do meio do mundo e nunca mais alguém ouviu
falar sobre ela. Não se sabe, até hoje, fora morta ou se conseguiu safar-se das
garras afiadas do cangaço.
Já a outra
irmã, chamada Rita, passou a ser companheira do cangaceiro alcunhado de
‘Baliza’, Venceslau Xavier, filho de Francisco Xavier e dona Ana Xavier. Pouco
tempo após a morte de Noca e o sumiço de Verônica, Rita é morta num confronto
entre o bando de cangaceiros e uma volante na Serra da Trangueira, nos
arredores do Macuraré, BA. Seu irmão, o cangaceiro ‘Lua Nova’, tem um tempo
bastante curto, pequeno, como bandoleiro, pois logo seria morto, próximo a
Serra do Padre, arredores do povoado Salgadinho, no município de Paulo Afonso,
no Estado baiano, onde está sepultado. A morte desse jovem cangaceiro é envolta
em mistérios, pra variar, porém, a citação mais correta, ou próxima a isso,
seria que ele fora vítima de seus próprios companheiros.
A morte de
Noca, uma das filhas do velho Bispo, aquela que fora ser a companheira do jovem
Francelino José Nunes, o cangaceiro “Português”, deu-se quando, determinado
dia, os cangaceiros estavam a dançarem no terreiro de uma casa no sítio chamado
‘Nas Brabas’. Enquanto os ‘cabras’ dançavam, bebiam, comiam e namoravam de
macinho, a volante baiana, sob o comando do sargento Passos, os cerca e começa
uma troca de tiro cerrado. Como os soldados tiverem tempo de se aproximarem sem
serem notados, os tiros foram quase de ponto.
A presença das
moças, a música, a bebida e a dança fizeram com que os cangaceiros não
percebessem o cerco que lhe botava a volante. No começo da pendenga, grande
confusão se inicia. Corre pra cá, pula pra lá, e um pandemônio está formado. Ao
tentar escapar, Noca começa a correr em cima de um lajedo e, nesse momento, é
atingida gravemente. Mesmo tendo o auxílio dos amigos, não consegue ir muito
longe e cai, pela segunda vez, já sem vida.
Após uma
tremenda fuga, ‘Português’, ao se reencontrar na caatinga com alguns
companheiros, antevendo ocorrerem fatos iguais, Lampião ensinava aos seus
‘cabras’ que sempre tivessem um ponto de encontro, ou de reencontro de da mata,
pergunta por sua companheira Noca. Um de seus companheiros se aproxima e lhe
conta o ocorrido. Dias depois, após seu corpo ser encontrado por um morador do
lugar, esse comunica a polícia, então o corpo da jovem Noca, é finalmente
sepultado pelos homens comandados pelo tenente Zé Joaquim, da Força Baiana.
Sobre o, ou
os, cangaceiro(s) de alcunha “Baliza’, a historiografia do tema nos mostra
terem havido três. O primeiro “Baliza” tinha o nome de registro Manuel Batista
Elifas, que seguiu o chefe cangaceiro Manoel Batista de Morais, o conhecido
“Antônio Silvino”, ou o “Rifle de Ouro”. Já o segundo “Baliza”, era o conhecido
José Dedé, ou José de Dedé, que fizera parte do bando de Sinhô Pereira,
Sebastião Pereira da Silva, aquele que fora chefe de Virgolino Ferreira e seus irmãos,
Antônio e Livino, onde ganharam as alcunhas de ‘Lampião’, ‘Esperança’ e
‘Vassoura’, respectivamente. O terceiro, aquele que foi um dos ‘cabras’ do “Rei
do Cangaço”, que teve a filha do velho Bispo como companheira, a jovem Rita,
fora o baiano Venceslau Xavier.
Depois da
morte da companheira Noca, a primeira companheira de Português, o cangaceiro
logo se engraça de uma jovem sergipana chamada Cristina, por quem cai de
quatro. Em uma das tantas festanças patrocinadas pelos cangaceiros, em uma das
várias fazendas dos acoitadores, desta feita em território do Estado de
Sergipe, os dois se encontram e terminam por namorarem. A coisa não era moleza
quanto aos cangaceiros e as jovens dos sertões nordestinos. Eles queriam jogar
pra fora o fogo que os queimava os corpos dia e noite, dentro e fora da mata,
talvez sendo mais uma maneira de provar, a si mesmo, suas virilidades. Elas,
cheias de ilusões e fascínios, se entregavam para aqueles cabeludos, cheios de
ornamentos em suas vestes, com armas nos ombros e punhais na cintura e uma
demonstração de coragem que as deixavam estupefatas.
Francelino, segundo o discorrer da sua saga, parece não ter nascido para ter uma companheira. Cristina, mulher jovem e cheia de desejos, começa a traí-lo com um dos cangaceiros que fazia parte do grupo comandado pelo alagoano Cristino Gomes, o cangaceiro Corisco, chamado de ‘Gitirana’.
Ao descobrir a
traição, Português, não tendo coragem de ir onde estava o jovem trovador que
ficara com sua companheira, contrata um dos ‘cabras’, o cangaceiro Catingueira,
que seria o companheiro da cangaceira Aristéia, para fazer o serviço.
Isso tudo
estava ocorrendo quando de uma ‘reunião’ com todos os chefes dos subgrupos
comandados por Lampião. Lampião sempre fazia, ou promovia ‘eventos’ como esses
para que os outros chefes lembrassem sempre quem, realmente, comandava o
cangaço naqueles dias. Virgolino era um ‘negociante’, ou negociador nato. Ele,
nesses encontros vendia armas e munição para os chefes dos subgrupos pelo valor
que queria. Sabedor aonde e a quem encomendar as armas e a munição, jamais
passou, disse, para outra pessoa quem na verdade as fornecia. Além disso,
sempre levava um plano para uma grande missão onde teria a participação de
todos. Esse poderia ocorrer da seguinte forma: não todos para um único local,
mas, agindo em lugares distintos, ao mesmo tempo, a força perseguidora ficaria
desnorteada, pois não saberia qual trilha seguir. Ocorreu fatos em que no mesmo
dia e, mais ou menos, na mesmo hora, lugares distantes um do outro serem atacados,
extorquidos e roubados em nome do chefe supremo, Lampião.
Voltando ao caso Português, Cristina e Gitirana. A coisa não foi moleza. Corisco, experiente, logo nota as artimanhas preparadas por Português e Catingueira. Intercede no mesmo momento a favor de seu comandado, pronto a derramar sangue em sua defesa. A coisa fica bastante turva quando a “Rainha do Cangaço”, Maria Gomes de Oliveira, a Maria de Déa, entra na confusão querendo uma atitude do chefe de subgrupo traído. Havia um código, determinado, acreditamos que pelo casal chefe, Lampião e Maria, de que quando ocorresse traição, a traidora seria punida pelo companheiro. Essa punição poderia ser até mesma a morte dela.
O é que não vimos nada sobre a traição que os homens, os cangaceiros, cometiam e serem punidos.
Segundo Semira
Adler Vainsencher, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco: “Quando Catingueira
chegou ao acampamento de Corisco, chamou logo Gitirana para uma conversa
particular. Naquele momento, Maria Bonita e Lampião estavam no mesmo acampamento
e, por acaso, se aproximaram deles. Maria Bonita adiantou-se, sugerindo a
Catingueira que a pessoa a ser eliminada deveria ser Cristina (a verdadeira
culpada, segundo ela) e, não, Gitirana. Naquela hora, Corisco retrucou:
“- Ela deu o
que era dela! Ninguém tem nada com isso!”
Insatisfeita
com a resposta, Maria Bonita continuou defendendo a contrapartida masculina:
“- É, mas
Português vai ficar desmoralizado!”
Já impaciente
com aquele confronto, o Diabo Louro deu um basta à discussão:
"- Ele
que cuide da mulher dele! Do meu rapaz, cuido eu!"
A verdade é
que Português medrou e nada fez para lavar sua honra. Isso, naquele tempo,
seria mais um crime perante os homens. O cangaceiro ‘Barreira’, João Correia
dos Santos, ao matar seu companheiro, o cangaceiro Atividade com um tiro de
fuzil nas costas, cortar seu pescoço e levar a cabeça para servir de salvo
conduto, quando se entregasse, disse em uma das tantas entrevistas que deu:
“Português, seu ex-chefe, Barreira o considerou “covardíssimo”, que “fugia das
lutas” e apenas enviava seus cangaceiros em “missões” de extorsão e punição a
fazendeiros da região que não lhes dava dinheiro. E foi numa dessas “missões”
que Barreira colocou seu plano de sair do cangaço em funcionamento.” (Rostand
Medeiros).
Semira em seu
texto, ainda refere: “Em relação àquele desenlace amoroso, Lampião deu total
apoio a Corisco. Cristina permaneceu com o bando, escondida durante alguns
meses. Todavia, como era de se esperar, ela foi morta quando ia para a casa de
familiares, já que Português contratara outros cangaceiros para matá-la. Neste
sentido, não restava dúvidas: o adultério feminino não era tolerado nos bandos
do Nordeste.” A autora não cita nomes em sua matéria.
Já o
pesquisador/historiador Antônio Amaury Corrêa de Araújo, em seu livro “Lampião,
as Mulheres e o Cangaço”, nas páginas 162 a 167, cita os nomes dos cangaceiros
Luiz Pedro, Juriti e Candeeiro com sendo os autores da façanha. O também
pesquisador/historiador João
De Sousa Lima, em seu livro “Lampião em Paulo Alfonso”, 2ª Edição, na
página 123, além de concordar com os três nomes referidos por Amaury, ainda
determina a data como sendo em 21 de julho de 1938.
O autor de
“Lampião e a Sociologia do Cangaço”, Rodrigues de Carvalho, nos mostra na
página 214, a data como sendo 20 de julho de 1938. Data essa, 20/07/1938, que,
segundo o autor de “Lampião a Raposa das Caatingas”, 2ª Edição, José
Bezerra Lima Irmão, na página 560, discorda categoricamente, afirmando que
seria, ou teria sido, em 21 de julho de 1938. Irmão ainda discorda quando citam
que fora Português, ou mesmo Lampião, quem ordenou aos três cangaceiros, Luiz
Pedro, Juriti e Candeeiro, a execução da sergipana a facadas. Segundo Bezerra,
a ordem fora dada pelo chefe cangaceiro Corisco, e não para os três citados em
obras anteriores, mas foi ordenado apenas para que um dos seus homens a
matasse. O que ocorreu a tiros, ou com tiros, e não a facadas. Outro mistério,
outra dúvida que os pesquisadores nos trazem, deixando-nos sem a exata certeza
dos acontecimentos.
Pois bem,
Cristina teria sido a segunda companheira do cangaceiro Português. Dentre os
‘cabras’ que faziam parte do grupo comandado por ele, havia um cangaceiro que
tinha a alcunha de Pedra Roxa. Esse teria uma companheira chamada de Quitéria,
que por sinal a achamos bastante bonita e sensual, e a mesma teria ficado com o
chefe. Sendo assim, o cangaceiro português, em sua história de cangaceiro
tivera três mulheres companheiras. Nos registros fotográficos, após as entregas
dos componentes do grupo, vemos que Quitéria deixou-se fotografar ao lado do
cangaceiro Português, e não ao lado de Pedra Roxa, que também está registrado
no mesmo documento fotográfico. No entanto, notamos nitidamente que Pedra Roxa
está com problemas nos ombros. A posição em que se encontram seus braços ‘nos
dizem’ que, talvez, estivesse ferido, vítima de alguns balaços das armas dos
policiais ou outros ferimentos quaisquer.
O grupo de
Português ao se entregar, junto com outros cangaceiros que já encontravam-se
presos, são levados para a capital do Estado alagoano, Maceió. Devido o
‘sumiço’ do restante dos cangaceiros dentro da ‘Mata Branca’, eles são
transferidos novamente para o xilindró de Santana do Ipanema, AL. Muitos dos
cangaceiros que se entregaram passaram a servirem as Forças que os haviam
perseguido, perseguindo seus ex companheiros de bando. Citamos com exemplo
Velocidade, Pancada, Zé Sereno, Azulão e muitos outros. Isso ocorria, para que
eles, sabedores dos lugares dos coitos, acampamentos e esconderijos, pudessem
ajudar em suas capturas ou abatimento. Ou mesmo servirem de intermediários para
suas entregas. Porém, antes de poder praticar essa ação, Português é
assassinado dentro da Cadeia Pública daquela cidade.
Anos antes,
por volta dos idos de 1936, o cangaceiro Português havia matado um homem
chamado Tomás de Aquino que sempre entregava aos policiais a movimentação dos
cangaceiros nos arredores de Santana do Ipanema. Para pessoas que faziam esse
tipo de coisa, denúncia, a sentença determinada pelos cangaceiros era a morte,
e em condições terríveis. Esse cidadão morto por Português deixou dois filhos,
João e José. Eles, quando sabem da prisão do matador do seu pai, armam-se e vão
até a cadeia. Lá, matam o chefe cangaceiro, vingando a morte de seu genitor.
José, mais novo, era menor de idade, a maioridade só seria após os 21 anos
naquela época, é quem leva a culpa do homicídio. Devido sua tenra idade e a
pessoa que matou, a coisa fora ‘jogada para debaixo do tapete’.... Nas
quebradas do sertão alagoano.
Fonte Obras
Citadas
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