*Rangel Alves da Costa
A intimidade entre dois só cabe aos dois, isso é verdade. A ninguém é dado o direito de conhecer o que se passa na íntima privacidade de dois.
Contudo, vou revelar. E vou revelar por que não acho nada demais que os outros saibam o que se passa ou o que fazemos enquanto estamos juntinhos.
Vou revelar por que não é nada além da normalidade daquilo que os casais ou enamorados fazem quando estão juntinhos em dois, e somente em dois.
E vou revelar ainda por que não há mesmo nada a esconder. Certamente de que não são instantes tão esdrúxulos e absurdos que não possam ser conhecidos pelos demais.
Pois bem. Não se assuste nem se espante. Não avermelhe nem se tome de calores antes de ler o que vai escrito. Mas, como dito, são apenas revelações de uma intimidade.
A gente faz o que todo mundo faz: silenciar. Mas é um silêncio tão voz e tão palavra, tão verbo e tão pronúncia, que surge até grito. Mas é neste silêncio que tudo começa a acontecer.
A gente, silenciosamente, olha no olho um do outro. A gente namora pelo olhar, a gente se encanta avistando um ao outro, a gente se apaixona assim. Tudo silenciosamente e belo.
Mas de repente o silêncio irrompe e chama a palavra. Ora, não poderia ser diferente. De tanto se mirar e se encantar, de tanto se avistar e se querer, a gente passa a ter vontade de traduzir tudo isso em palavras.
Então a gente faz o que todo casal faz (ou deveria fazer): conversar. Mas nada sobre o aumento da gasolina ou do botijão de gás, nada de falar sobre o preço do remédio, da conta de luz ou do absurdo que está a feira. Não.
E não por que não é momento - entre dois, num quarto fechado, juntinhos na cama - de se falar sobre problemas, indignações ou absurdos. O momento chama, pede e até exige outro tipo de diálogo.
Então imaginem. Qual a palavra que chega após avistar aquele olhar, após se encantar com a beleza, após ter dentro de si toda a imensa felicidade por poder partilhar da presença e do amor do outro?
E não seria uma palavra qualquer. Mas antes de qualquer dizer, a leve aproximação, o toque, o carinho, o afeto, o afago. E como é bom sentir o pelo, a pele, a flor do corpo, a maciez da presença, o cheiro, o calor, o queimor.
O que dizer, então, após sentir o outro como se dentro do próprio corpo, do próprio coração. “Meu amor, como eu te amo!”. “Meu amor, amor como eu te amo!”. “Meu amor, como eu te amo”. “E amo e amo...”.
E numa boca ou noutra, numa voz que é apenas sussurro, continuar falando: “Eu te tenho e tens a mim. Somos dois em apenas um. E amo-te cada vez mais como um desejo de adolescente apaixonado. E que assim continuemos como dois que procuram o primeiro beijo. Então me beije!...”.
E então a gente faz o que todo apaixonado faz: beijar. Mas não qualquer beijo. Ora, beijar é uma arte, é um ofício da alma, é quase um dom espiritual. Beijar não é sugar. Beijar é sentir, é fruir, é trazer do outro lábio a asa que falta para o imenso voo.
As bocas se aproximam, mas os lábios ainda não. Na hora do beijo, os lábios nunca precisam ter pressa. Apenas chegar tão lentamente que a respiração ofegante vai chamando o outro lábio. Então se aproxima um pouco mais, levemente se toca, suavemente se roça, docemente diz: estou aqui, sou teu.
E depois do beijo talvez não haja mais consciência para qualquer revelação. Tudo fome, tudo desejo, tudo vontade. Uma avidez desmedida pelo querer. Mas ainda assim apenas amor na sua perfeição de amar.
O restante me esqueci. Estou solteiro e não quero nem lembrar.
Escritor
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