*Rangel Alves
da Costa
Nas plagas
sertanejas, contudo, história contada e recontada, passada de boca em boca,
possui a denominação de causo ou proseado. São, pois, os causos e proseados que
tanto povoam e animam os diálogos matutos debaixo de pés de pau ou nas calçadas
ao entardecer. Certamente que nem tudo pode ser tido como veracidade – e na
maioria não passa de lorota -, mas ainda assim o surpreendente em cada nova
estória (ou história) transmitida.
Neste sentido
é aqui adiante segue uma junção de causos e proseados, todos oriundos da mesma
fonte, envolvendo “conversas” de caçador, sempre tão intrigantes quanto aquelas
de pescadores. Tenha-se, contudo, que nem tudo pode ser tido como invenção ou
mentira, pois no mundo sertanejo há mesmo o espantoso, o fantástico e até o
impensável. De resto, depende muito de quem escuta e a crença que tenha.
Disse Bastião
que suas caçadas sempre se deram no meio da noite adentrando a madrugada. E
quase sempre apenas na companhia de seu cachorro. Nunca temeu se embrenhar na
mata no meio da escuridão, mas em algumas situações já se deparou com situações
de arrepiar os cabelos. Por mais encorajamento que tivesse, difícil não temer o
pior perante certos inusitados.
Certa vez,
disse ele, sozinho no mato, em noite fechada, seguindo numa vereda conseguiu
avistar alguém vindo logo adiante, em sua direção. Estradinha estreita, sem
caber os passos de duas pessoas, quanto mais o vulto de um homem alto e magro
se aproximava mais ele sentia que tinha de dar passagem, pois não parecia que o
estranho viesse com intenção de afastar nenhum tantinho do meio do caminho.
Então Bastião
teve de sair para a passagem do outro. Em silêncio vinha e em silêncio passou,
sem que pudesse sequer avistar a inteireza de sua feição, dado o sombreado que
lhe tomava de corpo inteiro. Que coisa mais esquisita, pensou o caçador. Como é
que um cabra passa assim por outro, num meio de mundo desse e nessa escuridão
toda e sequer cumprimenta, começou a indagar. Foi quando sentiu que seu
cachorro sequer tinha latido ante a presença do estranho. Então disse a si
mesmo, procurando logo se afastar: Só não é gente desse mundo!
Visões de
coisas do outro mundo são constantes durante as caçadas noturnas, assegurou
Bastião, e muito mais se o encalço catingueiro envolver veado. Não há animal de
caça que traga mais problema ao predador humano. Então contou sobre o
acontecido com outro caçador conhecido seu que subiu numa árvore de copa larga
e galhagem vasta para tocaiar o bicho. Subiu, se ajeitou, e ficou espiando mais
abaixo, na direção da passagem. Estava tão entretido observando a movimentação
lá embaixo, que quase nem percebe quando outro caçador subiu na mesma árvore e
se posicionou bem ao lado.
Não demorou
muito e ouviu do estranho que o veado já estava chegando. Dito e feito. Logo o
animal surgiu com olhos brilhosos no meio da noite. Então o estranho mandou que
mirasse para atirar, mas o caçador relutou e pediu para que o outro mesmo
fizesse o serviço. Este rejeitou pedindo que atirasse logo, sob pena de fuga do
bicho. Sem mais a fazer, deu um tiro certeiro. Mas logo em seguida ouviu do
estranho que se preparasse novamente, pois outro veado estava chegando. Achando
estranha demais aquela situação toda, o caçador exigiu que dessa vez o outro
mesmo atirasse.
Contudo, não
houve jeito de o estranho fazer mira. Coube ao caçador novamente apontar e
derrubar o segundo veado. Depois disso, quando disposto a saber quem realmente
era aquele sujeito aparecido assim de repente e tão conhecedor de caçada, nem
precisou fazer qualquer pergunta. O estranho adiantou-se e falou: “Quando eu
era vivo era aqui que eu mais caçava”. E depois desapareceu sem descer da
árvore. Apenas sumiu do local onde estava.
Outro causo
intrigante também envolvendo caça ao veado foi relatado por Bastião. Disse que
um conhecido seu matou um veado, levou a presa morta à casinhola onde morava,
abriu o bicho, separou a carne do couro e estendeu o focinho numa ponta de pau
adiante. Mandou a esposa preparar parte da carne para o almoço. Ao retornar,
contudo, o focinho havia sumido. Estranhou demais tal acontecido, mas imaginou
que outro animal tivesse passado por ali e abocanhado. Então esperou o almoço
ficar pronto e comeu daquela carne nova. Daí em diante se sentiu tomado de
febre, tremores frios e dor de cabeça. E não houve remédio que desse jeito.
Como nem a
farmácia nem a medicina resolvia o problema, a saída que encontrou foi procurar
um rezador. E assim fez. Quando chegou à casa do homem nem precisou abrir a
boca. O rezador logo perguntou se ele havia matado um veado e comido de sua
carne e desse dia em diante nunca mais teve saúde. Espantado com tamanha
revelação, o caçador confirmou, para ouvir em seguida: “Aquilo que você matou
não era um veado não. Foi um cavalo do cão. E se quiser continuar vivendo de
agora em diante nem pense mais em caçar qualquer bicho. Pegue sua espingarda e
dê fim. Do contrário será o seu fim”.
E assim
prosseguia Bastião, deleitando os presentes com suas histórias. E sobre se o
homem deu fim à espingarda e nunca mais caçou? Ora, para caçador tanto faz a
vida do bicho, mas a sua procura garantir de todo jeito.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário