*Rangel Alves da Costa
Neste período que antecede o Natal, a data maior da natividade cristã, e onde grande parte das pessoas distorce seu significado para vivenciá-la como festividade comum, será preciso refletir sobre alguns outros importantes aspectos.
Como dito, grande número de pessoas se entregam aos festins, às compras, às comemorações, aos congraçamentos. Outra parte se esforça para preparar a ceia e ofertar à família ao menos um instante de comunhão. Alguns se humanizam mais, lembram que existem pessoas que necessitam ser visitadas, ajudadas, acolhidas. Outros, ainda que com vontade de ter ao menos o mínimo para festejar seu Natal, simplesmente encontram a tristeza e o sofrimento pelo pouco ou quase nada ter.
Na verdade, ainda que nem todos queiram reconhecer, não só no período natalino e no dia maior, muitas pessoas convivem com tamanha pobreza e carência sequer do mínimo à sobrevivência que a noção de sofrimento já se arraigou como raiz de uma desvalia sem fim. Nestas, ter apenas um frango ou um pedaço de carne como ceia, certamente que seria verdadeira dádiva na existência.
Que não se enganem: pessoas existem apenas pela feição humana, sem muito além disso, pois de sobrevivência tão difícil que somente adentrando sua porta para sentir a feição aterradora de um nada ter. Panelas vazias, fogo apagado, pratos guardados, crianças famintas, crianças doentes, crianças chorosas, famílias inteiras querendo um pão. Sim, de vez em quando alguém aparece com uma cesta de alimentos, com um pacote disso e daquilo, mas tudo tão sem nada que em pouco tempo nada mais restará.
E como vivem pessoas assim, famílias inteiras assim? Como conseguem viver e sobreviver pessoas que amanhecem e anoitecem sem ter café, almoço ou janta? Fato é que em se tratando de pobreza, as aparências nem sempre enganam. Não enganam mesmo. Passar diante de um barraco ou de uma casinha de feição empobrecida é, muitas vezes, apenas uma visão menos dolorosa do que aquilo que se possa encontrar lá dentro. Entre e vá ver, entre e vá sentir, entre e vá compartilhar ao menos por um instante dessa dor que nunca tem cura.
Indaguei: Como vive e sobrevive uma gente assim, na carência e na desvalia de quase tudo? E logo respondo: Na fé, na esperança, na perseverança, na expectativa de que o instante seguinte seja melhor. Igualmente o sertanejo que suporta na esperança de chuva todas as dores e sofrimentos, do mesmo modo aqueles que vivem nos vazios e desalentos de seus barracos, na secura da panela e da barriga. Estes, contudo, e não há que disso duvidar, possuem uma fé infinitamente maior que qualquer outro de mesa e colher.
Repito, pois, que há uma gente que só sobrevive como gente pela força de Deus. Há uma gente que só amanhece e anoitece pela força de Deus. Há uma g ente que só fala, sorri e encontra ânimo para lutar pela força de Deus. Há uma gente que só encontra razão pra viver pela força de Deus. Há uma gente que só continua existindo pela força de Deus. Há uma gente que somente suporta as agruras e as angústias do dia a dia pela força de Deus.
Há uma gente que somente se diz gente e vive como gente pela força de Deus. Pela força de Deus por que sobrevivendo pela incontida fé em Deus. Uma gente que é pobre, carente, sofrida, desvalida de tudo, mas de imensa riqueza na fé, na perseverança, na religiosidade, na comunhão com o sagrado, na esperança por dias melhores.
Não é fácil vive em contínuo desemprego. Não é fácil viver mendigando pelas ruas. Não é fácil acordar e deitar sem o pão para saciar a fome. Não é fácil estar doente e não ter remédio, não poder comprar um comprimido sequer. Não é fácil ouvir o filho chorando querendo comida. Não é fácil viver ameaçado em barraco de lona. Não é fácil viver nos escombros e ainda pensar que possui moradia. Não é fácil a roupa em frangalhos, os pés descalços, a imundície forçada. Não é fácil viver assim. Mas há muita gente que vive assim. E somente suporta viver assim por força da fé em Deus.
Neste Natal, então, lembre que há gente assim, uma gente que só sobrevive pela força de Deus. Vá lá, bata à sua porta, entre. Conheça essa gente e suas carências. Seja também um Deus em suas vidas. Ajude-a a sobreviver e a também ter esperança no sagrado humano.
Escritor
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