Por Antonio Corrêa Sobrinho
Não é de hoje
que leio, releio, reflito sobre o cangaço, compartilho ideias com os amigos do
Face, até um livrinho sobre o tema já fiz, e não foram poucas às vezes que, no
sertão sergipano, andei, como ainda faço, embora sempre a serviço, por
estradas, fazendas, cidades, lugares, para mim, cheios de simbolismos, visto
que visitados pelo maior dos cangaceiros, o adverbial Lampião, sem mencionar um
Zé Baiano, um Zé Sereno, o menino Volta Seca, o "diabo louro"
Corisco, e outros famosos cangaceiros, seja em Canindé do São Francisco, Poço
Redondo, Porto da Folha, N. Sra. da Glória, Aquidabã, Pinhão, Frei Paulo,
Ribeirópolis, Capela, Dores, etc.
Pois, apesar de todo este meu envolvimento com o cangaço, banditismo fenomenal que imperou e marcou o sertão nordestino, e que ainda hoje tanto nos fascina, pelas imagens e representações, fatos e acontecimentos por ele produzido, engendrado, nunca sonhei com Virgulino Lampião, nem com Maria Bonita, nem com qualquer outro dos famosos personagens desta inolvidável história.
Contou-me que eu e ele, no sonho, numa certa fiscalização rural na zona sertaneja, fomos abordados oportunamente pelos cangaceiros, porquanto no exato momento quando, lentamente, percorríamos uma esburacada estradinha que nos levava a uma fazenda bem no coração da terra do amigo Rangel Alves da Costa, Poço Redondo, a ser fiscalizada. Perguntei ao colega Ed sobre a identidade dos cangaceiros que seguiam Lampião, que me disse só lembrar da cara de Lampião.
Contou-me que, neste seu imaginar dormindo, diante de tantos cangaceiros fortemente armados e em situação clara de ataque, paramos imediatamente a viatura do Órgão, que foi logo cercada pelos bandoleiros, os quais, apontando armas em nossa direção, apesar de muito surpreendidos com o nosso veículo, uma Marok 2018, plotada com o emblema da Fiscalização do Trabalho, porque nunca tinham visto algo tão contrastante com os carros Ford de 1929, determinaram que descêssemos. Diz Ed que saímos do carro calmamente e, curiosamente, sem nenhum tipo de molestamento por parte dos cangaceiros, nos dirigimos à presença de Lampião, que já se aproximava. Cumprimentamos o comandante com um enfático “Pois não, Capitão!”. Lampião equipado e paramentado como os demais, antes de dizer coisa, olhou devagar para os penduricalhos de metal que enfeitam os nossos coletes, tocou-os, olhou para nós dois, voltou o olhar para a caminhonete, fez um hum amassando o queijo com os dedos e nos indagou, quem éramos e o que fazíamos naquelas quebradas. Respondemos ser agentes fiscais do trabalho, do governo federal e que estávamos ali inspecionando fazendas, vendo se os fazendeiros da região estão cumprimento, respeitando as leis trabalhistas, as chamadas normas de proteção, saúde e segurança no trabalho, além de estarmos ali combatendo a exploração de mão de obra infantil. Segundo Ed, Lampião fez outro hum quando dissemos que estávamos ali protegendo os empregados vaqueiros, a profissão que ele exerceu um dia. Foi então que ele, Lampião, passou a mão no queixo, coçou o pescoço, admirou novamente a reluzente viatura, e disse: "Vocês vão com a gente".
Meu colega Ed
tem alma de cangaceiro; eu não. Num momento da sua narrativa do sonho,
perguntei-lhe: Camarada, como estávamos nós diante de tão grave perigo,
psicológica e emocionalmente? Tranquilo, confiantes, sem temores, disse ele.
Era um sonho, Antônio, não um pesadelo.
Voltando ao
sonho. Não demorou muito, estávamos trocando tiros com uma volante. Ed disse
que ele, Ed, portava um fuzil, e que, a cada tiro que dava, olhava pra Lampião,
que combatia posicionado lateralmente a uma certa distância, o qual lhe sorria
com um sorriso leve, de aprovação. E mais, que quando acertou mortalmente um
soldado, ainda o Ed, voltou-se de novo pro capitão, para dizê-lo sem palavras:
“Tá vendo, Lampião, somos dos seus, estamos do seu lado!”.
Foi quando
interrompi mais uma vez a narrativa do sonho com Lampião, para lhe perguntar:
Ed, sinceramente, na hora da refrega, do pega pra capar, eu estava participando
como, atirando como você? Ele disse que só me via escondido detrás de uma
pedra.
Mesmo nos sonhos dos outros, sou precavido.
Que sonho bom deve ter sido este de Ed!
Que sonho bom deve ter sido este de Ed!
Quem dos
amigos já sonhou com Lampião?
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