Benedito Vasconcelo Mendes
Eu era criança
quando assisti pela primeira vez meu avô e o vaqueiro Sales derrubarem um
enorme touro brabo, dentro de uma mata garranchenta e espinhenta na Fazenda
Aracati. Eu estava passando minhas férias escolares de meio de ano na
referida fazenda, juntamente com meu pai, que também estava de férias de seu
emprego no Banco do Brasil. Corria o mês de junho, ainda com chuvas, o gado
gordo e a vegetação verde, viçosa e florida.
O Sales era o vaqueiro mais
experiente da fazenda Aracati e meu avô era o melhor pegador de gado brabo da
redondeza do município cearense de Sobral.
Depois do café da manhã, meu avô tirou sua camisa azul de
mescla de quatro bolsos, vestiu seu gibão-de-couro de veado-catingueiro,
as perneiras, o guarda-peito, os guarda-pés, as luvas, as esporas e o chapéu de
couro e depois foi arrear seu garboso cavalo Estrela. Com seu cavalo arreado,
inclusive com peitoral de couro de boi curtido, para enfrentar a caatinga
espinhenta, meu avô entrou em casa e se dirigiu até o oratório, ajoelhou-se,
pediu proteção a São Raimundo Nonato, protetor dos vaqueiros, benzeu-se e saiu
para o alpendre. Minha avó, que não tinha conseguido dormir à noite,
preocupada com o risco que seu esposo iria correr, rezava sem parar, invocando
a proteção divina. Pouco tempo depois, chegou o vaqueiro Sales, também
encourado, montado no seu cavalo. Em seguida, saíram os dois rumo à Mata do
Serrote, que era uma reserva de caatinga virgem, que fazia parte das terras de
meu avô. Eu e meu pai fomos a cavalo assistir, de longe, a perigosa aventura do
meu avô. Os dois vaqueiros, ao se aproximarem da caatinga fechada, avistaram,
na beirada da mata, o enorme touro zebu, de cor cinza, com cabeça, cupim e
peito quase pretos e chifres arqueados, com pontas afiadas. Meu avô e o
Sales rapidamente se aproximaram do bovino que, ao perceber a presença deles,
entrou em disparada carreira na mata espinhenta e foi
seguido, de perto, pelos dois corajosos e hábeis vaqueiros. Logo que meu avô
conseguiu pegar no rabo do touro xucro, derrubou o gigantesco animal e, numa
rapidez espantosa, o vaqueiro Sales saltou em cima da cabeça do barbatão caído,
enfiando os dedos nas ventas dele e entortando a sua cabeça para cima,
dominando-o totalmente. Rapidamente, meu avô saltou da sela do cavalo e
colocou a careta (máscara) sobre os olhos e laçou um longo relho de couro cru
trançado nos chifres dele. O valente e enfezado touro, totalmente domado, foi
levado até o curral e preso no grosso mourão de aroeira, para aparar as
pontas dos chifres, com um pequeno serrote de carpinteiro, e ser ferrado com o
ferro do meu avô, na anca direita, e com o da ribeira, no lado esquerdo. Este
touro por ser muito arisco, quando solto, nunca tinha se aproximado do
curral. Foi criado na caatinga e ainda não tinha sido ferrado.
Estas cenas de bravura do meu avô, que
presenciei, me influenciaram de tal maneira que eu passei, a partir daí, a
dizer que, quando crescesse, queria ser vaqueiro. O destemor, a destreza e a
força demonstrados pelo meu avô fizeram com que ele passasse a ser também meu
herói. Hoje, quando assisto pela televisão a pega de boi no mato, como um
evento esportivo, recordo-me do heroísmo do meu avô ao executar aquela
perigosa tarefa de sua lida rotineira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário