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quinta-feira, 15 de março de 2018

A MÃE DO FILHO DO LIXO


Por José Ribamar Alves

Amigo leitor,  acabo de chegar de uma viagem imaginária,
Trazendo na bagagem da memória, uma história mais pegajosa do que visgo, mais linda do que um rio transbordando e, mais triste do que uma mulher nos três primeiros dias de viuvez.

Desta feita, descrevo a história de uma jovem chamada Divilene,
Filha de um casal conhecido por Andrelito e Sofia Bonabela.
Diz a história que a jovem donzela, por falta de melhores graus de escolaridade, fora para uma cidade grande, chamada Monte das Flores, no intuito de fazer faculdade, pois onde residia não teria como realizar esse sonho.

Então, da cidade Trilha dos Ventos, onde morava, distanciou-se essa sonhadora, à procura do seu objetivo, mas acabou sendo vítima dum dilúvio de contradições, tormentos e infelicidades.

Chegando então, Divilene, a Monte das Flores, um lugar estranho,
e movimentado, conseguiu amparo na casa de Susileia, irmã de seu pai Andrelito.

E como todos os princípios são flores, ela nos primeiros meses,
Sentiu-se bem acolhida, que até parecia estar em sua própria casa.
Mas, o que é bom dura pouco e, logo veio-lhe a decepção e, todo àquele afeto efêmero transformou-se em humilhação e cara feia.

Então, para livrar-se dos cochichos e piadas, obrigou-se a procurar um outro abrigo, porque já não suportava mais tanto sofrimento.
E apesar de meio confusa, lembrou-se de uma amiga que chamava-se Gracilene, que residia sozinha, em um simples apartamento, daquela floresta de tijolo, de ferro, de cimento e luzes artificiais.

Decidida e confiante Divilene, deixa àquele refúgio de dissabores e constrangimentos e vai ao encontro da amiga de quem lembrara.
E, Gracilene a dita moça, a quem Divilene, resolvera recorrer...
não hesitou em dar uma forcinha à sua amiga que encontrava-se suprida de problemas.

Então, como caridade, só é caridade, se for completa, Gracilene conseguiu um emprego para Divilene, que passara a trabalhar durante o dia e estudar durante a noite.

E, satisfeita, fazia faculdade na intenção de concretizar seu sonho de tornar-se pediatra. Mas durante o curso de medicina, se deixou envolver com um jovem que viria em pouco tempo, trazer-lhe transtornos e dores.

Divilene, completamente iludida e apaixonada, deixou-se, por inexperiência, talvez, pegar uma gravidez indesejada, que seria a coisa mais impensada de sua vida.
Mas, para os pais, no interior, Divilene não mandava dizer, nas correspondências, que estava grávida, muito menos para o povo da casa de sua tia Susileia.

Com a gravidez, a pobre moça, impressionada, abandona os estudos,
Ao sentir-se desprezada pelo príncipe dos seus desejos e, por pouco não perdera seu emprego.

Mas no dia em que teve de ir para maternidade, para dar a luz à criança, já fora cheia da maldade, pois não queria que a criança viesse a viver, porque não teria como trabalhar, estudar e cuidar do próprio filho.
E dez dias após o parto, Divilene conduzindo o filho, pega um táxi,
Dizendo que iria para favela, passar o dia na casa de uma conhecida, dela.
E atormentada pelo desespero e o descontrole, ao chegar ao fim da rua,
Avista uma um senhor sentado riscando o chão, então pergunta?
Senhor, saberia me informar onde posso encontrar um lixão?
Responde o velho, completamente inocente, apontando com o dedo, àquela vereda, esbarra num lixão e não é tão longe.

Então, havendo àquela pobre mãe, já mandado o taxista voltar,
Sem demora pegou a vereda, sem deixar que o velho que riscava o chão, percebesse que o pacote que levava era uma criança.

E ela, ao chegar ao lixão, procurou uma migalha de sobra, agasalhou o seu filho, despediu-se banhada de lágrimas e voltou chicoteada pelo remorso, arrastando a cruz da tristeza, chagada pela incerteza de que seu filho se salvaria.

E voltando pela mesma vereda, não percebera que o mesmo velho de quem havia solicitado informação sobre o lixão, ainda estava no mesmo local.
Mas o velho, por baixo da sombra das suas pálpebras grisalhas, , percebera grande estranheza no semblante daquela infeliz mulher e, tendo ela sumido do alcance dos seus olhos, o velho ordenou que um filho  fosse até o lixão, ver se descobriria algum mistério.

E de imediato, o rapaz foi e, ao chegar ao local, deu de cara com uma criança colocada em uma pequena caixa de papelão e, a poucos metros, avistou um cachorro amigo, que havia puxado a caixa com a criança dentro, para debaixo da sombra novamente, pois aquela migalha de sombra já havia sido devorada pelo sol da manhã.

E, percebendo o cão, que a criança estava a salvo, retira-se talvez, consciente do bem que havia feito.
Então, aquele jovem, pega o menino e leva-o até seu velho pai,
Que diante de tão grande falta de humanidade, resolve fazer ciente
o conselho tutelar, daquela cidade, que em poucos minutos aparece e,
Toma o menino para sua custódia, encaminhando-o para o orfanato.

 Desse momento em diante, o destino começa a mover-se em seu favor daquela criança, permitindo-lhe que as coisas benévolas intercedessem pelo seu futuro.  

Enquanto isso, a mãe descabelava-se no apartamento onde vivia,
Acorrentada pelo remorso descomunal, que, sem piedade alguma,
Martelava sua sofrida consciência.
E chorando se perguntava entre a loucura e a dor, será que meu filho ainda vive, meu Deus? Ou será que um animal predador tirou-lhe a vida. Mas as respostas não chegavam até as abas dos seus ouvidos.

Mas, às onze horas do dia seguinte, quando ainda via-se ferida pelo distúrbio, laçada pela corda do alvoroço e tocada pelos açoites pungentes das aflições, chega Gracilene, do trabalho e a interroga:
O que houve, filha de Deus? Responde Divilene, entre a cruz e a espada...
Doei meu filho amado para uma mulher desconhecida e agora estou morta por dentro como um feto que morre no ventre de sua amada mãe.
Ainda confessa a Divilene: Cometi este ato impensado, para evitar que meus pais, em Trilha dos Ventos, soubessem que sepultei meus estudos, meu único futuro.

Nessa hora Gracilene, dá-lhe um calmante, na esperança de que ela
Volte ao seu estado normal e consiga raciocinar como antes.

No dia seguinte, sai no jornal mais badalado da cidade;
Um bebê saudável é deixado no lixão da cidade e, graças a Deus, foi encontrado vivo.
Porém, um cidadão residente na favela Toca do Desprezo, afirma ter sido interrogado, ontem, por uma senhora que conduzia um pacote e desejava saber onde poderia encontrar um lixão, confessando ter dito onde ficaria...
Ainda afirmar ter mandado um filho verificar, depois de ter visto a mulher voltar sem o pacote.

O cidadão falou também, que seu filho teria encontrado a criança e trazido para sua casa e que ele teria entregue o menino ao conselho tutelar desta cidade.

Depois, Divilene vendo a foto do filho no jornal, sentiu-se na obrigação de culpar-se ainda mais pelo ocorrido e, dez dias após o noticiário, Divilene empurrada pelo arrependimento impiedoso, destina-se até o orfanato, disfarçada de anjo da guarda dos desfavorecidos, na esperança de, pelo menos, poder ver seu filho.

Mas outra vez é ferida pelo sabre da tristeza, ao descobrir que seu filho havia sido adotado por uma senhora há poucos dias.
A chefe do orfanato ainda lhe dissera: Ela o batizou com o nome de Aparecido de Deus!

Divilene, memoriza o nome do menino e volta para casa, calada como uma pedra retirada do caminho, além de desconsolada e cabisbaixa, parecendo uma senhora casada, grávida de outro homem.

E ficou Divilene morando em Monte das Flores, alimentando suas esperanças com pequenos grãos de fé que lhe restaram.

E o tempo continuou passando, passando, como uma fileira de vagões arrastados por um trem, até que um certo dia, ela leu uma matéria de revista, que dizia assim: O hospital regional de Monte das Flores, contrata o grande cardiologista Aparecido de Deus.


Mas, o remorso, o medo, a insegurança e a sentença da culpa, não permitiram que ela tomasse coragem de se aproximar do seu amado filho.
E, já com cinquenta e três anos de idade, sem formatura, sem marido e sem um bom emprego, volta Divilene para Trilha dos Ventos, depois que seu pai e sua mãe mudaram-se para a cidade dos descarnados e mortos.
Mesmo assim, Divilene ainda volta cheia daquela felicidade que só quem é mãe, pode tê-la, por ter tido a plena certeza de que seu filho não enveredara pelo caminho do descaminho!  
Que destino irônico, que mulher sofredora, que filho abençoado pelo destino que judiara de sua própria mãe. FIM

José Ribamar Alves: 15/03/2018

Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com 

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