Por Verluce Ferraz
Nem todos
concordarão com todas as proposições constantes destas minhas considerações
sobre o cangaceiro Lampião quando tento sair dos conceitos populares que
colocam o cangaceiro no campo dos seres mitológicos. De certa forma os meus
escritos apresentam matéria positiva ou negativa; positiva quando quero mostrar
tópicos relacionados à pessoa de Lampião com uma inteligência inigualável;
negativa quando alcanço essa mesma pessoa com graves problemas patológicos que
o levaram às tendências criminosas. De certa forma quase todos os estudiosos
que escrevem sobre a saga do cangaceiro evitam comentar sobre o comportamento
destrutivo do criminoso, não apontando os seus crimes como possíveis formas de
organização social existentes entre os grupos lampiônicos. Quase tão
desorientador e enganoso é terminar um estudo com um desfecho bem sedutor, sem
examinar o lado mais obscuro da questão de fato.
Percebo que é muito mais
seguro escrever sobre o cangaço trazendo fatos que estimulem reflexão,
utilizando técnicas já conhecidas de alguns, como exemplo, o método
arqueológico de do pai da psicanálise. Freud escreveu uma obra bastante
condensada, quase esquemática, para explicar algumas das manifestações de
pessoas com quadros psicogênicos.
Lampião era sertanejo e vivia na mesma época em que outras famílias tinham as mesmas dificuldades que seus familiares. O Sertão sempre foi um conjunto de dificuldades para todos, ricos e pobres. Afirmar que Lampião entrou para o mundo do crime com o objetivo de vingar a morte dos pais é estar somente interessado em abreviar as analises e isso não nos parece plausível. Mas, poder-se-ia com justiça ressaltar que, nos crimes do cangaceiro haviam conteúdo de desejos reprimidos que fizeram-no afastar-se do convívio social, quando percebeu o ‘seu lado invertido’; expressão mais definida de um desejo erótico.
Tais transformações tornaram-se mais manifestas no uso de roupas e adornos e
pelo apaixonado desejo de ser o Capitão do Sertão. Os sequentes crimes
cometidos pelo cangaceiro não parecem ter conexão com o fato de vingar a morte
de seus genitores, mas teriam sido desencadeados para reprimir uma fantasia
edipiana já que não fez senão repetir indefinidamente seus crimes até o fim de
sua existência. O desejo de vingar o pai, seu rival primordial, conforme afirma
o pai da psicanálise em seu Totem e Tabu.
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