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sábado, 16 de junho de 2018

REPORTAGEM JUAZEIRO DO NORTE VISITA DE LAMPIÃO A PADRE CÍCERO E A PATENTE DA DISCÓRDIA



A casa onde Lampião se hospedou é ocupada hoje por um estacionamento para motos, cujo nome é Lampião Motos. Segundo o arrendatário do imóvel, a proprietária pretende fazer uma ampla reforma e ‘apagar’ o que resta da história

A visita de Lampião a Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, em março de 1926, é um dos mais polêmicos capítulos do cangaço. Na ocasião, foi concedida ao “fora da lei” a patente de capitão do Exército. O Estado queria recrutar seu bando para combater a Coluna Prestes,que estava nos arredores do Cariri, segundo informações de lideranças políticas locais

Juazeiro do Norte (CE). Doutoranda em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora de História da Universidade Regional do Cariri (Urca), Fátima Pinho, cuja tese de doutorado é “Padre Cícero na Imprensa Carioca”, conta que uma série de reportagens de Reis Vidal, na década de 30, deixa claro que o religioso recebeu Lampião para evitar desastre maior, se recusasse.

Na verdade, havia a ameaça iminente da presença da Coluna Prestes movimento comunista armado, que percorreu parte do Brasil no início do século passado no Cariri. O deputado federal Floro Bartolomeu, responsável por organizar o batalhão patriótico idealizado pelo presidente Artur Bernardes, na região, para enfrentar Prestes, resolveu convidar Lampião. Até hoje não se sabe se Padre Cícero assinou o documento-convite. Para complicar, Floro Bartolomeu adoeceu, foi se tratar no Rio de Janeiro, mas morreu. 

“Quando o cangaceiro chegou a Barbalha, Padre Cícero teria tentado demovê-lo da ideia de ir a Juazeiro, já que a visita não faria mais sentido após a morte de Floro Bartolomeu. Diante da insistência de Lampião e seu bando, o religioso o recepcionou e apelou para que ele deixasse a vida do cangaço”.


Ao chegar a Juazeiro do Norte, Lampião passou primeiramente na fazenda que pertencia ao deputado federal Floro Bartolomeu; hoje, no local, funciona o orfanato Jesus, Maria e José, no Centro da cidade.

O certo é que Lampião, após ser aconselhado por Padre Cícero a deixar a vida errante, comprometeu-se a combater a Coluna Prestes, recebendo armas e fardamentos, além da patente de capitão do Exército, assinada pela única autoridade federal que se encontrava em Juazeiro do Norte, um agrônomo do Ministério da Agricultura chamado Pedro Albuquerque Uchoa. Conta-se que, chamado a Recife para justificar o ato aos seus superiores, considerado um absurdo, o agrônomo teria dito que, “ante a presença de Lampião e o medo que sentia do cangaceiro, assinaria até mesmo a renúncia do presidente da República Artur Bernardes”.

Segundo Fátima, não se encontrou, até hoje, qualquer registro da participação do Padim no episódio. “A patente realmente foi dada. Entretanto, não tinha qualquer valor jurídico”.

Na edição do jornal “A Ordem”, do Partido Republicano Sobralense, de 6 de janeiro de 1927, há um relato sobre o episódio. “O Padre Cícero falou longamente por ocasião de suas bênçãos sobre Lampião, descrevendo os seus crimes e concitando as populações sertanejas a reagirem contra o perigoso bandido. Aproveitou a ocasião para explicar os motivos pelos quais Lampião já esteve em Juazeiro, protestando contra as acusações que lhe fazem os seus inimigos, afirmando ser ele protetor de Lampião”.


Relatos orais mostram que, ao chegar a Juazeiro, do alto do sobrado do poeta João Mendes, localizado atualmente no Centro, na Rua Vista Nova, 49, para angariar a simpatia do povo, Lampião jogou muitas cédulas de dinheiro. Uma das muitas estratégias usadas por Virgulino foi levar parte de seus homens no meio de muitas pessoas que foram recrutadas em Serra Talhada pelo cangaceiro Zabelê para ver de perto Padre Cícero.

A casa onde Lampião se hospedou é ocupada hoje por um estacionamento para motos, cujo nome é Lampião Motos. O imóvel seria tombado pelo Município. A parte de cima do antigo casarão que pertencia a João Mendes foi derrubada pelos herdeiros quando tomaram conhecimento que tramitava na Câmara Municipal o processo de tombamento. 

O espaço é hoje alugado ao dono do estacionamento, Roberto Wagner. Segundo ele, o local recebe visitação de turistas que fazem fotos. “As portas, janelas e essa parte debaixo que sobrou é toda original. Infelizmente, não vai durar muito tempo, porque a proprietária pretende fazer uma ampla reforma”, revela Wagner.

Já a Fazenda de Floro Bartolomeu, primeiro ponto visitado por Lampião em Juazeiro, é a sede do Orfanato Jesus Maria e José, localizado na Rua Coronel Antônio Pereira, 64, esquina com Avenida Padre Cícero, também no Centro. Apesar de algumas mudanças, o prédio se assemelha em muito ao original, edificado no início do século passado.

Candeeiro alertou para o perigo do esconderijo
  
Candeeiro conheceu Lampião por meio de outro cangaceiro, o Jararaca, a quem atribuiu a fama de ser um cachaceiro. - (Foto: Cid Barbosa) - 

Buíque (PE). Candeeiro, o último cangaceiro vivo, entre os que se encontravam junto a Lampião no fatídico 28 de julho de 1938, quando o bando do “Rei do Cangaço” foi dizimado, no sertão de Sergipe, concedeu sua última entrevista ao Diário do Nordeste, em agosto de 2011, aos 95 anos. Dois anos depois, no dia 24 de julho de 2013, morreu, no Hospital Memorial de Arcoverde (PE), após um derrame cerebral. 

A derradeira entrevista foi concedida em sua casa, na localidade de Guanumbi, distrito de Buíque (PE), município distante 258 Km de Recife. Mesmo com 95 anos, após um Acidente Vascular Cerebral (AVC) sofrido em 2010, Candeeiro se mostrava lúcido e contou com detalhes suas aventuras e desventuras nos dois anos que passou ao lado de Lampião, descrito como “homem bom, que conversava com todos, mas se zangava facilmente” e de Maria Bonita, a quem reputa como “uma mulher mal criada”.

“Capitão, isso aqui não é lugar seguro para a gente ficar”. Essa advertência foi feita há 80 anos, por Manuel Dantas Loyola, o Candeeiro, ao seu chefe, Virgulino Ferreira da Silva, três dias antes da volante comandada pelo tenente João Bezerra invadir o acampamento do bando mais procurado do Brasil, numa gruta em Angicos (SE), e trucidar onze de seus componentes. 

Sobre o episódio de Angicos, Maria Bonita e a cangaceira Sila, na véspera do ocorrido, segundo Candeeiro, também alertaram Lampião. “Elas viram um ponto de luz em cima de um morro, o que podia representar a presença dos macacos”. Mais uma vez, o Rei do Cangaço desdenhou da informação. “Que lanterna que nada. São apenas vaga-lumes”, retrucou bastante zangado. O resultado foi o ataque.

“Deram uma rajada de metralhadora que pegou numa pedra debaixo dos meus pés. A minha sorte é que o sargento errou. Nesse instante, pensei: isso aqui não dá mais para mim. Consegui furar o primeiro cerco ileso. Porém, tinha outra volante esperando mais à frente. Atirei no meio dos macacos – como eram chamados os policiais à época – e, mesmo ferido, escapei”, conta. A fuga, no entanto, lhe marcou eternamente, não só pela lembrança, mas pela marca física deixada pelo tiro que dilacerou o seu braço direito, que passou por duas cirurgias para ser reconstituído. 

“Logo após fugir, encontrei um rebanho pelo caminho e, ferido, entreguei o mosquetão novinho que Lampião havia me dado a uma mulher. Quando levei o tiro, talvez pelo susto, não senti muita dor. Mas, quando olhei os ossos em banda, bateu a maior tristeza desse mundo”. Seu Né frisou que uma coisa lhe deixou intrigado: os cangaceiros criavam cachorros para acompanhá-los nas andanças e denunciar a presença de pessoas estranhas. “Não sabemos o que houve. Os cães não se manifestaram ante a presença das volantes. E é porque tinha cerca de 50 soldados”. 

Manuel Dantas saiu de casa cedo. Foi depois de levar uma surra da mãe que decidiu fugir. “Tinha de 15 para 16 anos. Era garoto muito perigoso”, relata aos risos. “Meu pai era carpinteiro e ferreiro e fez uma palmatória de cedro pesado. Um dia, minha mãe me deu, aqui mesmo nessa sala, uma pisa tão grande que quebrou a palmatória na minha cabeça. Aí ganhei o mundo”.

Cachaceiro

Depois de trabalhar seis anos no sertão pernambucano, foi para Alagoas. Trabalhou como vaqueiro em Matinha de Água Branca (hoje, Município de Água Branca). O dono da fazenda era um coiteiro e a Polícia descobriu. Ele fugiu para o Ceará. “Eu preferi ficar. Foi aí que conheci o cangaceiro Jararaca, um tremendo cachaceiro, que pegava uma garrafa de Pitu, colocava no colo e bebia. Passei dois meses na sua companhia, o suficiente para levar um tiro na perna. Até que Lampião nos encontrou e disse que eu iria ficar com ele, “pois esse nego não tem futuro, é um cachaceiro safado”. 

Seu Né foi casado com dona Lindinalva, 85, e deixou cinco filhos: Elisa, Elisabete, Cristina, Manuel e Apolônio. Depois que saiu da prisão, rodou o Brasil. Esteve em Manaus, onde foi seringueiro e soldado da borracha. Passou por todas as capitais brasileiras, exceto o Rio Grande do Sul, além de ter participado da construção de Brasília. Levou uma vida de aventuras.

"Adendo: blogdomendesemendes 

Um excelente trabalho, mas qual teria sido o cangaceiro Jararaca o 1, 2, 3... que fez com que Candeeiro conhecesse Lampião? O cangaceiro Jararaca José Leite de Santa foi assassinado em Mossoró em junho do ano de 1927. Candeeiro entrou para o cangaço em 1936. Não há como ter sido o Jararaca que foi assassinado em Mossoró."


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