*Rangel Alves da Costa
Hoje é véspera de São João, mas sempre o dia que o festejo junino é comemorado. Ouço sons de fogos tomando os ares, pipocando pelas ruas, chispando pelas calçadas. Ouço os sons, mas é como se nada ouvisse. Sinto apenas o silêncio.
Sei que existe um cachorro latindo pelos arredores. Seu latido é alto e insistente. As motos barulham, os carros também. As pessoas passam conversando do lado de fora, de vez em quando surgem gritos. Contudo, sinto apenas o silêncio.
Já é fim de tarde e estou na semiescuridão da sala. Olho ao redor e só encontro objetos antigos, relíquias do passado, vestígios dos tempos idos. Tudo isso deixa o ambiente mais escurecido, mais anoitecido, mas gosto de estar assim. E também pelo silêncio que se espalha pelos quatros cantos.
Tenho o silêncio como a voz que quero ouvir a todo instante. Nada me faz tão bem, nada me deixa mais confortado. Do silêncio trago minha reflexão, minha dedicação, meu pensamento. Do silêncio trago a palavra vazia a ser preenchida pelas memórias e pelas saudades.
Bebo do silêncio toda a sede que tenho. Tudo o que preciso como alimento da alma e do espírito me chega através do silêncio. Lá fora as bandeirolas dançam ao sabor da ventania do entardecer. Parece chuva caindo, mas apenas um silêncio entrecortado por outro silêncio. É o barulho que me dói.
Este o momento propício para avistar o sol chamejando suas labaredas. Quase não resta mais sol ao poente. Na semiescuridão, aquele amarelado de fogo entre nuvens e horizontes. Na natureza, as folhas apenas farfalham o seu sonolento silêncio.
Sei que não há mais revoadas lá fora. Daqui vejo as bandeirolas em sua valsa. O cachorro parou de latir, os fogos diminuíram, os barulhos também Não sei se ouvirei logo mais o sino da igrejinha. Gosto de ouvir o bradar dos sinos, mas gosto muito mais do silêncio.
Melhor esquecer os barulhos, os sons, os ruídos. Tanto faz que seja São João ou outra data. Tanto faz o ribombar da bomba ou do foguete. Quero apenas o silêncio e pronto. Ouvir asas de borboleta, ouvir papel de seda caindo, ouvir a voz silenciosa da folha seca que passa além da janela.
Verdade que a esta hora sempre chega a velha canção ecoando. Uma velha canção que todo dia chega ao entardecer. Canto sua melodia, danço sua valsa triste, deito aos teus braços e me faço acarinhar em suas pétalas. Ilusão a minha em ouvi-la sempre.
De mim, do meu silêncio meu, cuido eu como se velasse a mudez. Creio que já mais de dez horas sem abrir a boca pra dizer palavra. Falaram comigo e não respondi. Insistiram para que eu abrisse a boca, mas eu me calei. E mesmo que falasse, que bradasse, que gritasse, ainda assim eu estaria em silêncio.
Sinto muito, mas não quero que minha amada fale além do beijo, do abraço, do carinho. E a ela nada direi além do beijo, do abraço, do carinho. Nossos corpos já entendem a nossa voz, decifram nossos desejos, e basta apenas o encontro e a aproximação para que os gritos ecoem em nós.
Prezo este silêncio como necessidade d’alma. Aliás, necessidade que se perfaz no silêncio da oração. Não há momento mais mágico e mais encantador que o da silenciosa oração. Também o momento onde se fala mais alto, onde se grita: a fé nunca silencia no seu silêncio de prece.
Resta-me agora conversar com a noite, com a lua, com a paisagem escurecida de lá fora. Nada mais direi que o olhar, e ainda assim o diálogo perfeito, como naquela bela canção que “eu só queria mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar...”.
Escritor
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