Por Benedito Vasconcelos Mendes
Minha avó paterna,
Antônia Valdemar Mendes, era uma fazendeira com muitas ocupações. Seus filhos
moravam em casas que ela e o marido possuíam em Sobral (casarão da esquina com
o Arco de Nossa Senhora de Fátima) e em Fortaleza (casa na Rua Azevedo Bolão no
Bairro São Gerardo). Ela e o esposo (José Cândido Mendes) passavam de janeiro a
setembro na Fazenda Aracati (distrito de Caracará, município de Sobral) e, de
setembro a dezembro, no Sítio Frecheiras, na Serra da Meruoca. No sertão
(Fazenda Aracati), sua principal ocupação era fazer queijo de coalho e manteiga
da terra, que eram vendidos em Sobral. Na serra da Meruoca (Sítio Frecheiras),
seus afazeres eram administrar, juntamente com meu avô, a fabricação de farinha
e de goma de mandioca e a produção de rapadura e de cachaça. Outras atividades
que ela desenvolvia na serra eram a coleta e venda de castanha de caju, de coco
babaçu e de frutas, especialmente, manga, banana e mamão. Ela fazia cajuína,
doce de caju em massa e doce de banana em calda, que eram vendidos em Sobral.
Na Fazenda Aracati, suas atividades domésticas eram escolher as roupas que
deveriam ser remontadas pela sua costureira Maria José do Estourôte, fazer as
trouxas de roupa (redes, lençóis, toalhas de mesa, toalhas de banho e
vestuários em geral), que deveriam ser levadas por Dona Ritinha, para serem
batidas na pedra no rio Aracatiaçu, e comandar a arrumação da casa e os
trabalhos da cozinha. A Francisca varria e espanava a casa e limpava o banheiro.
A cozinha era administrada diretamente por minha avó, auxiliada por Dona
Lourdes (mulher do vaqueiro Sales), pois a feitura de queijo de coalho e de
manteiga de garrafa necessitava da supervisão direta da minha avó. Cedinho, a
cozinha era ocupada com a preparação do café da manhã, depois com os trabalhos
de produção de queijo e de manteiga, depois com a preparação do almoço e, por
último, com o jantar da família. A cozinha era muito ampla, limpa e bem
equipada e tinha duas particularidades, a primeira era a não existência de
móveis na área central da cozinha, pois todos eles ficavam na periferia, junto
às quatro paredes, inclusive a gigantesca mesa de cedro. A segunda era a
ausência de cadeiras na cozinha, com uma única exceção, a cadeira de minha avó
se sentar. Em ganchos chumbados nas paredes ficavam pendurados as urupemas, o
abano, cuias, cuités, urus, cestos de cipó, panos de cincho de queijo, pano de
coar café, pano de prato e outros apetrechos de cozinha. Ao lado do fogão e do
forno situavam-se as lascas de lenha, todas do mesmo tamanho e bem
arrumadinhas. A criação de aves domésticas (galinhas, capotes, patos, perus e
marrecas nativas) era supervisionada por ela, inclusive a operação de capar os
frangos (avulsão de frangos) para melhor engordar. Ela castrava os machos aos
dois meses de idade, cortando com uma faquinha bem afiada e puxando os
testículos com o dedo. Ela mantinha uma criação de “Galinhas Vermelhas
Poedeiras” (Raça Rhode), aves graúdas para deitar ovos de todas as aves criadas
na fazenda (galinhas, patos, capotes e perus). Galinhas são capazes de chocar
os ovos e de criar os pintos de aves de qualquer espécie.
O sabão para lavar
roupas, pratos e para higiene pessoal era feito em casa, com cinza e óleo (óleo
de carrapateira, óleo de oiticica ou óleo de coco babaçu). Quando minha avó
estava no Sítio Frecheiras, na Serra da Meruoca, onde tinha babaçual, ela usava
óleo de babaçu e cinza vegetal para fazer sabão e no sertão (Fazenda Aracati)
ela utilizava óleo de carrapateira (mamona) ou óleo de oiticica. Os frutos de
oiticica eram coletados das plantas de oiticica existentes na beira do Rio
Aracatiaçu. Em uma grande panela de barro, ela fervia a mistura de água de
cinza vegetal (cinza misturada com água) e óleo (de carrapateira, oiticica ou
babaçu) por duas horas e o produto resultante desta fervura era o sabão
caseiro, também chamado sabão preto ou sabão da terra. O sabão feito com óleo
de babaçu e cinza tinha cor e cheiro agradáveis, enquanto os fabricados com
óleo de oiticica ou óleo de mamona tinham cheiro desagradável.
Além destes
afazeres domésticos, minha avó era parteira leiga, que exigia que ela
frequentemente se deslocasse em sua égua Lua, sentada no silhão, para a casa de
alguma parturiente, para fazer parto. Minha avó não cobrava pelo parto que
fazia, pois ela desempenhava a função de parteira com o único intuito de
servir.
Uma outra tarefa doméstica de minha avó era a de ser caixa, pois todo o
dinheiro do casal era guardado e administrado por ela.
Enviado pelo professor e escritor Benedito Vasconcelos Mendes
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