Por Sálvio Siqueira
CARNE, FARINHA, RAPADURA E QUEIJO
Naquela época,
tempo do cangaço, tanto os bandos de cangaceiros quanto as volantes se danavam
de mata adentro por dias. Suas paradas eram rápidas e a ingestão de alimentos,
quanto era possível, tinham, basicamente, os mesmos produtos, carne seca,
farinha, rapadura e, quando possível, queijo de coalho. Esse tipo de queijo, em
sua preparação artesanal, leva sal, portanto podia ser transportado por vários
dias nos bornais.
Como se
passava bastante tempo fugindo e perseguindo, sabia-se quanto partir, nunca
quando retornar, tinha que ser levado um tipo de alimento que não tivesse data
de vencimento tão pouco se deteriorasse. A quantidade não podia ser grande
devido ao peso. Cada homem tinha que levar suas armas, brancas e de fogo,
munição, uma espécie de lençol e água. Segundo relatos dos pesquisadores, o
peso que cada volante transportava ficava em torno de 30 kg. Como os volantes,
os cangaceiros também levavam tão quanto, ou mesmo mais peso em seus corpos.
No início, os
soldados das volantes transportavam seus mantimentos e parte da munição em uma
mochila nas próprias costas. Erro grave para quem tinha que andar dentro da
caatinga se esgueirando de espinhos, galhos e em um solo totalmente acidentado.
Já os cangaceiros dividiam o peso pelos lados do corpo. Depois de fazerem essa
divisão, os ‘lençóis’ serviam de amarração nas reatas dos bornais para os
mesmos, ficando fixos em cada lado do corpo, não atrapalhassem as caminhadas
onde tinham que se agachar às vezes se arrastarem mesmo, se erguerem e/ou mesmo
apertarem o passo numa fuga. Só após a entrada dos próprios sertanejos na linha
de frente das volantes, temos como pioneiros os nazarenos, é que a divisão da
tralha pessoal ficou igual a dos bandoleiros, facilitando e dando maior
liberdade de movimentação à tropa.
Sabemos que a
falta de condução motorizada na época era bastante alta, quase não tendo e que,
em muitos lugares, não havia de maneira alguma, principalmente pela falta de
estradas de rodagem. A condução existente, quando tinha, era de tração animal
mesmo. Porém, os animais não podiam entrar em todo lugar e deixavam rastros
fáceis de serem descobertos e seguidos. Os bandoleiros faziam a maior parte de
seus deslocamentos a pé. Principalmente onde existissem cordilheiras de
elevações, serras contínuas, por vários motivos, um deles era a possibilidade
de avistarem uma vasta região identificando se haviam perseguidores em seus
‘calcanhares’ e a elevação lhes darem melhor posicionamento numa eventual troca
de tiros.
Os cangaceiros
andavam, em média, quinze a vinte léguas por dia. Cerca de 90 a 120 quilômetros
diários. Segundo dados atuais, dependendo do tamanho do corpo de uma pessoa,
isso sem levar consigo algum peso além do próprio corpo, em um ritmo de
caminhada para exercícios físicos, a mesma perder peso e facilmente chega a
queimar 450 calorias por hora caminhada. Por exemplo: uma pessoa de 75 quilos
caminhando a 7,5 km/h por uma hora irá queimar aproximadamente 440 calorias por
aquele percurso feito. Lembrando que 7,5 km/h tem apenas a distância de uma
légua e 1.500 metros percorridos. Cientistas comprovaram que quem caminha com
frequência emagrece 25 vezes mais do que quem não realiza essa prática. “Um
estudo japonês comprovou que andar cerca de 30 minutos após o jantar provoca
uma perda de peso duas vezes maior do que caminhar de estômago vazio. Passear a
essa hora reduz os níveis de açúcar no sangue e a gordura corporal.” Então
entra o trabalho de um profissional em nutrição:
“Café da manhã
· 1 copo de shake: 200 ml de iogurte desnatado + 1 banana + 1 col. (sobremesa) de farinha de linhaça dourada
· 2 fatias de pão integral + 2 fatias de peito de peru cozido lanche da manhã
· 1 xíc. de chá verde + 2 ameixas secas
Almoço
· Salada de folhas verdes com palmito e tomate (salpique semente de girassol)
· 1 sobrecoxa assada com molho de laranja
· 2 col. (sopa) de arroz integral com ervilha
· 1 cenoura no vapor
Lanche da tarde
· 1 taça de gelatina diet batida com 1 iogurte desnatado
Jantar
· Salada de folhas verdes com pepino e abóbora em cubos
· Purê de inhame
· 2 fatias finas de carne assada
Ceia
· 3 col. (sopa) de albumina (suplemento) batida com 1 copo de leite desnatado
· 1 fruta”
(cardápio proposto pela nutricionista Ana Paula Mendonça no site mdemulher.abril.com)
· 1 copo de shake: 200 ml de iogurte desnatado + 1 banana + 1 col. (sobremesa) de farinha de linhaça dourada
· 2 fatias de pão integral + 2 fatias de peito de peru cozido lanche da manhã
· 1 xíc. de chá verde + 2 ameixas secas
Almoço
· Salada de folhas verdes com palmito e tomate (salpique semente de girassol)
· 1 sobrecoxa assada com molho de laranja
· 2 col. (sopa) de arroz integral com ervilha
· 1 cenoura no vapor
Lanche da tarde
· 1 taça de gelatina diet batida com 1 iogurte desnatado
Jantar
· Salada de folhas verdes com pepino e abóbora em cubos
· Purê de inhame
· 2 fatias finas de carne assada
Ceia
· 3 col. (sopa) de albumina (suplemento) batida com 1 copo de leite desnatado
· 1 fruta”
(cardápio proposto pela nutricionista Ana Paula Mendonça no site mdemulher.abril.com)
Através de uma
longa pesquisa, mostraremos, mais ou menos, como era a alimentação dos bandos
de cangaceiros e seus perseguidores, e quais as proteínas, calorias e
nutrientes existiam nas mesmas.
Para manter a
cabroeira alimentada, os chefes cangaceiros teriam que se virar de várias
formas, maneiras, tais como mandar pegar uma rês solta no mato, matar e ‘fazer
a carne’, pegarem criações tais como bodes, carneiros ou mesmo porcos nos
chiqueiros erguidos próximos aos terreiros das casas dos roceiros e, muitas das
vezes, pagavam por valores redobrados daquele que realmente valiam. Isso por
que necessitavam do alimento outras vezes e do “silêncio” do dono. As volantes
também faziam o mesmo, porém, com a diferença de não pagarem ou, quando muito,
davam um papel para que o dono, proprietário, fosse à cidade mais próxima
procurar algum órgão público receber do governo. Ora, duvido que algum
lavrador, morador, roceiro, pegou aquele pedaço de papel e foi tentar receber.
Tinham medo, pois a visita de uma tropa volante não era não agradável para
eles. Além dessa providência, tipo de proteína, eles tinham que comprarem
rapadura, farinho e queijo. “A manutenção de um grupo de cangaceiros envolvia
uma série de estratégias que exigia muita habilidade para se atingir os
resultados e, se tratando de um bando numeroso como o de Lampião, as despesas
aumentavam de forma considerada.” (AM. 2015)
Carne
Alimento rico em proteína possuindo outros nutrientes como vitaminas do complexo B e sais minerais. Fonte de Ferro, Zinco, Fósforo, Potássio, Magnésio e Selênio. “Os indivíduos do cangaço encontravam na carne sua principal fonte de reposição protéica. Uma vez assada ou mesmo guisada, esta última menos frequente nas andanças cangaceiras, era lentamente mastigada no canto da boca para absorver o precioso caldo, ligeiramente intricado com o sal, que interagia com a farinha de mandioca formando um bolo alimentar que era quebrado pelo acréscimo do rapaduresco doce.” (AM. 2015)
Farinha (de
mandioca ou de milho)
Uma porção de 100 gramas de farinha de mandioca contém 340 calorias. A maior parte destas, 94%, vem dos carboidratos. Aproximadamente 4% das calorias vem da gordura e 2% das calorias vem da proteína. O milho é um alimento versátil e rico em nutrientes, tais como vitaminas do complexo B, vitamina E, minerais e fibras. A farinha de milho é apenas um entre vários exemplos do que podemos aproveitar dele. Uma xícara de farinha de milho fornece 8,9 gramas de fibra, ou seja, aproximadamente 36% da necessidade diária do nutriente para as mulheres e 23% para os homens.
“A farinha de mandioca, além de alimento indispensável para os cangaceiros, era
utilizada como emplastro, ou seja, unguento, para tratamento de tumores. Muitos
cangaceiros faziam a chamada cataplasma de farinha, que consistia em colocar a
farinha de mandioca quente sobre as feridas dos cangaceiros lesados em
combates.” (AM. 2015)
Rapadura
A rapadura é fonte de energia, carboidrato, minerais como ferro, cálcio, potássio, fósforo e magnésio, e vitaminas do complexo B como Tiamina, Riboflavina e Niacina. Tradicionalmente consumida pela população do Nordeste do Brasil, especialmente no sertão. “O produto, feito de mel de engenho dado certo ponto, algumas vezes também chamado de “raspadura” (palavra provinda do verbo raspar), originou-se das crostas de açúcar presas as paredes das tachas, durante a fabricação do mesmo, retiradas pela raspagem e moldadas como tijolos. Com o passar do tempo, recebeu alguns requintes como a adição de castanhas de caju, amendoim, cabeças-de-cravos e cascas de laranja.” (portalsaofrancisco.com)
Ainda hoje, todo sertanejo que se presa leva seu ‘taco’ de rapadura dentro do bisaco, bornal, e uma quartinha de barro ou mesmo uma cabaça com água para o roçado. Naquele tempo, os cangaceiros as levavam em seus bornais. Não podiam levar em quantidade elevada, pois iria ficar bastante pesado.
Queijo (de)
Coalho
Com 330 calorias por porção de 100 gramas (ou 100 calorias por fatia de 30g), o queijo de coalho contém ainda 26 gramas de gordura e 19 gramas de proteína. “O queijo coalho, além de delicioso, é um alimento bastante saudável. O queijo é um produto lácteo concentrado composto a partir da coagulação do leite e é ingerido como parte da dieta humana há milhares de anos. Assim como o leite, o iogurte e outros produtos lácteos, o queijo coalho é certamente rico em muitos nutrientes, adicionando cálcio, fósforo, proteínas, vitaminas lipossolúveis e vitaminas B. O queijo coalho é um alimento que pode ser ingerido em qualquer hora do dia, em qualquer prato. Confira a seguir se realmente é saudável comer queijo coalho.” (remediodaterra.com)
O vaqueiro, o
roceiro, o homem do sertão nordestino, normalmente, quando entrava nos bandos
cangaceiros tinham em média 15 a 17 anos de idade, um pouco menos ou um pouco
mais, com idade elevada a isso são poucas e raras as adesões, passando a partir
daí a viver uma ‘maratona’ de corre, corre e esconde, esconde dentro da Mata
Branca a procura de sobreviver as perseguições das volantes.
A alimentação
citada acima era o que, normalmente, o agricultor nordestino comia no seu dia a
dia. Porém, fazendo parte do cangaço, não tinha como eles terem o alimento
diariamente. Muitas vezes tinham que comer frutas silvestres, cactáceas,
xique-xique, coroa-de-frade, mandacaru etc., isso quanto encontravam e dava
tempo retirar e comer e, raízes para sobreviverem, assim como usarem do líquido
que continham as ‘batatas de umbu’, xilopódio encontrados nas raízes do
umbuzeiro, a batata mamãozinho-de-veado*, que diferentemente do umbuzeiro,
nessa é necessário arrancar a planta para retirar o xilopódio, para matarem a
sede que os consumia. Normalmente depois de 10 ou 15 anos, quando não eram
abatidos pelas volantes e/ou voluntários, começavam a ficarem com seus corpos
sem energia e, sem estas, as doenças tomavam conta do corpo deixando-os sem
tanta agilidade. Além disso, tinha os ferimentos a bala que, por mais simples
que fossem, eram tratados de maneira incorreta e perigosa, deixando sequelas
irreparáveis.
O próprio
Virgolino foi ferido várias vezes e as consequências foram enormes, apesar dele
ter sobrevivido por quase vinte anos nessa vida de bandoleiro, sendo abatido em
julho de 1938 quando contava com seus 41 anos, idade considerada avançada.
*O
mamãozinho-de-veado (Jacaratia corumbensis O. kuntze) é um pequeno arbusto que
têm como raiz principal, um grande xilopódio que serve para alimentar os
animais na seca. (imbubrasil.jex.com.br)
Referência:
“Raspando o Tacho – Comida e Cangaço – Relações etnogastronômicas entre nômades e sedentários nos sertões nordestinos (1922-1938)” – MARCENA, Adriano. 1ª edição. Recife, 2015.
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