*Rangel Alves da Costa
A Senhorinha daquela casa era assim chamada como gesto de gratidão. De tanto ser chamada Senhorinha, talvez nem a solitária viúva recordasse mais o seu verdadeiro nome. E daquela casa porque sua residência era diferenciada das demais do lugar.
Casa pobre, sendo vorazmente carcomida pelo tempo, mas demasiadamente misteriosa e encantadora. Para se ter uma ideia, a casa tinha cheiro próprio, e tão forte que seu aroma era sentido duas quadras ao redor. O vento cuidava de espalhar o aroma.
E cheirava a hortelã, a alecrim, a erva cidreira, a arruda, a mastruz, a tudo que fosse erva medicinal aromática. Com efeito, dentro de casa, no quintal e laterais, tudo era tomado por plantas medicinais. E não se sabe bem os motivos, mas a verdade é que exalavam aromas muito além do imaginado.
Alguns moradores davam graças a Deus por aquele verdadeiro milagre saindo da casa da Senhorinha. E alardeavam que bastava ter fé e deixar que o cheiro forte fosse absorvido e a cura estaria garantida para muitas doenças. Mulheres eram avistadas de narinas e braços abertos absorvendo aquele verdadeiro milagre que chegava pelo ar.
Não foram poucas as mulheres que encheram seus quintais e caqueiros com as tais ervas, mas parecia fazer efeito contrário, pois ou provocam odor indesejável ou não tinham cheiro algum. Por isso mesmo que bocas invejosas logo cuidaram de espalhar tratar-se de caso de feitiçaria da Senhorinha daquela casa.
E feitiçaria para, através do aroma daquelas plantas, conseguir que as pessoas a reconhecessem apenas como uma boa e velha senhora, sem atentar para o fato de que dentro daquelas quatro paredes pudesse existir um caldeirão de bruxaria para desfazer casamentos, tornar pessoas apaixonadas, desequilibrar a vida de qualquer um.
O velho sacerdote, amigo da Senhorinha e conhecedor do poder curativo daquelas ervas, prometeu excomungar se as beatas continuassem com maldosas insinuações. E do púlpito, em meio ao sermão dominical, disse quanto milagroso seria se o cheiro daquelas ervas pudesse emudecer as bocas maldosas daquelas que levavam a vida para falar mal da vida dos outros.
Após isso, uma pequena comitiva de beatas se dirigiu até a casa da Senhorinha fingindo pedir perdão pelos pensamentos tão injustos com relação a ela e suas plantas tão aromáticas. A intenção era outra, e sempre carregada de malícias e perversidades.
Com a visita, outra coisa elas não queriam senão verificar de perto a existência de indícios de objetos próprios para feitiçaria e saber o que ela fazia para que aquelas plantas exalassem um perfume tão forte a ponto de tomar quase toda a cidade. Mas o que viram e ouviram jamais esquecerão.
Ali encontraram apenas uma mesa rústica, dois tamboretes, um fogão de lenha, potes, moringa e panelas de barro, e plantas, muitas plantas. Plantadas no chão de terra dos aposentos e em caqueiros, tomando todo o quintal e até adiante da cerca divisória. E plantas subindo pelas paredes e descendo do telhado.
E sobre o perfume tão forte que exalavam, muito mais acentuado que o existente nos demais quintais, ouviram da velha Senhorinha apenas que suas plantas tinham o mesmo cheiro das outras plantas medicinais existentes em todos os lugares. A erva cidreira era a mesma da vizinhança, a hortelã e tudo o que existisse ali.
Contudo, a única diferença é que as pessoas já estavam acostumadas em chegar ali para pedir uma folha ou raiz de uma plantinha ou outra para fazer um chá e de lá saíam com o nariz acostumado com todo aquele aroma curativo. E bastava pensar que estava doente para lembrar-se do cheiro da planta e sentir seu perfume. E a fragrância chegava tão forte que tinha mesmo o dom de curar sem precisar de chá ou qualquer outra coisa.
E a Senhorinha continuou dizendo que mesmo assim muitas pessoas, maldosas e de corações envenenados, nem mesmo diante das plantas conseguiam sentir seu perfume. Depois perguntou se elas conseguiam sentir aquele cheiro bom de alfazema. E que agonia das beatas tentando sentir a fragrância da planta.
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