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domingo, 17 de fevereiro de 2019

AS MULHERES QUE FORAM AO FRONT PARA DEFENDER SÃO PAULO

Por Petrônio José Domingues
Mulheres marchando em 1932, junto a soldados.


A história de São Paulo é cheia de cooperação entre paulistas. Sem as mulheres, jamais teríamos conquistado tudo aquilo que conquistamos. Elas tiveram importante papel no Bandeirismo, autônomas e mantenedoras da paz, assim como em todos os outros períodos históricos. 

Nos séculos XIX e XX já atuavam em vários postos de trabalho e foram aos poucos conquistando aquilo que lhes fora negado nos séculos passados.

Em 1932, as mulheres mostraram toda a sua valentia e sustentaram a Guerra Paulista com produção de uniformes, produtos alimentícios e material bélico, visto que os homens estavam em batalha. Doaram jóias, animaram a população e cuidaram dos soldados feridos como médicas e enfermeiras. Algumas até se tornaram famosas, como Carolina Ribeiro e Carlota Pereira de Queirós

Mas não foi só isso que fizeram. Três outras mulheres sentiram que o que faziam era insuficiente e deram um passo a mais. Alistaram-se para empunhar fuzis e deixar os getulistas longe de sua Pátria. Essa é a história das Valentes Guerreiras Paulistas Francisca das Chagas Oliveira, Maria Stela Rosa Sguassábia e Maria José Bezerra.

Manifestação no dia 23 de Maio de 1932.
A primeira a se alistar foi Francisca Oliveira. Natural de Itu, cidade de onde partiram vários combatentes, ela foi responsável por comandar o treinamento de vários soldados. Apesar da avançada idade, lutou no front sob o frio intenso daquele julho de 1932. Contam que quando foi se alistar, perguntaram-lhe por que o fazia, surpresos com a disposição que mostrava para a luta. Disse-lhes, então: «Para defender meu Estado e meus meninos»

Já Maria Sguassábia foi mais ousada. Natural de Araraquara, ela trabalhava como professora na Fazenda Pauliceia (divisa com o Brasil). Alguns soldados estavam aquartelados no local e, um dia, a professora, observando a movimentação, percebeu a desistência de um deles. Naquele momento tomou uma decisão. Em depoimento ao jornal O Globo em 1932, disse:
«O administrador da fazenda deu ordens para abandonar o local porque estava no centro do combate. Dali eu podia ouvir os bombardeios. Quando vi um soldado desertar, jogando sua arma no mato, fiquei indignada, se pudesse alcançaria o patife e lhe daria umas bofetadas. Porém, na hora não dava para pensar, havia grande agitação entre os soldados. Logo descobri que a tropa iria avançar, sair das proximidades da fazenda. Decidi acompanhar o meu irmão. Deixei minha filha com o administrador. Voltei para encontrar o fuzil abandonado pelo soldado desertor, vesti a farda que meu irmão me dera para lavar. E quando o caminhão dos soldados passou rente a escola, corri atrás e subi.»
Sguassábia e seu fuzil
Naquele dia, entrou no meio dos soldados e embarcou para a próxima parada. Ninguém percebeu, apenas seu irmão que tentou de tudo para fazê-la desistir. Não funcionou. Estava decidida. Combateu sob identidade masculina, longe de qualquer suspeita. Até que, um dia, durante o combate, o vento lhe levou o capacete e seu superior pôde ver quem ela realmente era. 

Implorou então para ser aceita porque PRECISAVA defender sua terra a qualquer custo. Assim foi. Apesar das durezas da guerra, conseguiu ser um dos mais valentes combatentes. Como curiosidade, a tropa em que Maria Sguassábia estava foi a única a não perder nenhuma batalha.

Ao recuperar Vargem Grande do Sul, o soldado Mário rendeu um tenente brasileiro. A fim de desafiá-lo, soltou seus cabelos. O tenente se irou e começou a xingar todos da pior maneira possível e foi então que um tenente paulista, que participava da ocasião, disse-lhe: 
«Não se envergonhe de ser prisioneiro de uma mulher, tenente, porque indiscutivelmente o senhor está tendo a honra de ser aprisionado pelo mais valente soldado paulista.»
Sguassábia em desfile em São João da Boa Vista
Essa robustez lhe custou caro. Após a perda dos Paulistas, foi perseguida. Tentaram matá-la, mas sem conseguir, o tenente rendido João Batista Silveira, a prejudicou de todas as formas possíveis. O colega do ditador a fez perder o cargo como professora primária, de modo que não pudesse ocupar nenhum cargo público. Para sobreviver e sustentar a filha, Sguassábia teve de trabalhar como costureira. Só voltou à educação com o fim da ditadura, quando o governo de São Paulo lhe ofereceu o posto de inspetora de alunos. 

A terceira mulher esconde uma história de luta e superação antes de integrar as trincheiras. Maria José Bezerranasceu em 1885 em Limeira e durante os primeiros anos da ditadura se tornou uma opositora de Vargas. Trabalhava como cozinheira na cidade e, certo dia, a casa em que trabalhava foi alvejada. Sem nem avisar os patrões, Maria deixou o serviço pela casa e foi servir seu país.



Embora inicialmente alistada como enfermeira, resolveu se incorporar à Legião Negra. Achando que não seria aceita, disfarçou-se de homem. Só foi descoberta quando teve de ser socorrida após ser ferida em meio à luta. Isso lhe valeu o apelido de Maria Soldado.

Sobre a heroína, o jornal Gazeta declarou:
«Uma mulher de cor, alistada na Legião Negra, vencendo toda a sorte de obstáculos e as durezas de uma viagem acidentada, uniu-se aos seus irmãos negros em pleno entrincheiramento na frente do sul, descrevendo a página mais profundamente comovedora, mais cheia de civismo, mais profundamente brasileira, da campanha constitucionalista, ao desafiar a morte nos combates encarniçados e mortíferos para o inimigo, MARIA DA LEGIÃO NEGRA! Mulher abnegada e nobre da sua raça.»
No Jubileu de Prata da Revolução Constitucionalista, por ter trocado os quitutes pela farda, Bezerra foi galardoada com o título de «Mulher Símbolo da Revolução Constitucionalista de 1932», uma das mais altas honrarias da Nação Paulista. Isso significava que seu sacrifício era valorizado por todos os outros combatentes, homens ou mulheres.

Frente Única Paulista.
O patrão de Maria declarou em 1998 ao Jornal da Tarde:
«[...] a minha cozinheira era a famosa Maria Soldado, uma das figuras mais bonitas da Revolução de 32. Era uma negra, que estava cozinhando para minha tia Nicota Pinto Alves. Um dia Maria Soldado desapareceu. Ninguém sabia dela. E eis que ela retorna, vestida de soldado, com uns 20 ou 30 companheiros, índios e negros, e disse: "Nós vamos ingressar na Legião Negra", e foram todos, inclusive Maria Soldado, lutar com bravura nas trincheiras paulistas. Depois disso, Maria Soldado ficou sendo um símbolo de 32 e está hoje enterrada no Mausoléu da Revolução.»
Após a guerra, Maria Soldado voltou a trabalhar como empregada doméstica, mas continuou a ser uma grande opositora da ditadura, participando de manifestações, inclusive. Durante o Estado Novo, foi convidada a comparecer a uma cerimônia com Getúlio Vargas. Foi e recusou-se a saudá-lo, dizendo «Eu não pego na mão de um ditador. Já lutei contra o senhor na trincheira».

Apesar de toda a sua valentia e luta pela liberdade, terminou sua vida vendendo doces e salgados no Hospital das Clínicas, na capital. Morreu em 1958, num quartinho dum prédio na Rua Consolação. Seus restos mortais repousam no Panteão dos Heróis Paulistas, no Obelisco do Ibirapuera.

Por dentro do Obelisco. Foto de Nelson Bertolucci.
A guerra quebrou barreiras para as Paulistas que não foram quebradas tão cedo para as brasileiras. Em São Paulo, deu-se o primeiro grito da liberdade feminina e daqui partiram as influências da melhor integração das mulheres na sociedade dentro da América Portuguesa. Mas o que se discute aqui é: por que permanecem tão anônimas?

As três heroínas mal são conhecidas pela população comum e, às vezes, mesmo para a população letrada. Na Galiza, Maria Pita, mulher que saiu às ruas da Corunha a fim de incitar os cidadãos galegos a lutarem consigo contra os invasores ingleses, é valorizada e tem um monumento para si, cuja chama apenas se apaga poucas ocasiões. Mas nossas mulheres são ilustres desconhecidas, assim como nossos homens.

O sacrifício dos que nos antecederam não pode passar batido. É preciso que espalhemos a nossa história de resistência!

Bibliografia 

DOMINGUES, Petrônio José. "Os Pérolas Negras": a participação do negro na Revolução Constitucionalista de 1932, Afroasia, v. 29, n.30, 2003, pp. 199-245 in Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.3, n° 6 jan-jun, 2014, p.121-148
Projeto de Lei Nº99/2015 da Câmara Municipal de Limeira
Revista Aventuras na História, nº170, Editora Caras.
Site Memória Sanjoanense

https://orgulhodeserpaulista.blogspot.com/2017/07/as-mulheres-que-foram-ao-front-para.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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