*Rangel Alves da Costa
Desde os primeiros tempos, quando o sertão foi criado, que uma guerra é travada pelo trono de seu reinado. Guerreiros de valentia, cada um mais aquinhoado, usando potentes armas pra ver o outro exterminado.
De um lado está o sol, de bravura tão afamado, usando raio e tridente contra o inimigo criado. Quando está enfurecido, nas alturas revoltado, lança suas chamas escaldantes pelo sertão fraquejado. Possui tamanha ferocidade em cada raio lançado, que nenhum ser sobre a terra se protege do danado.
Ataca o bicho e a planta, tudo no chão deitado, e fere a nobreza do homem, que se vê menosprezado, sem ter valia alguma ante o queimor desbragado. Sol que serve à vida, mas que deixa o sertão arruinado, e põe o homem na fogueira com seu mundo devastado.
Sol que nasce bonito, lá no alto encantado, mas que logo vira brasa e deixa tudo abrasado, queimando ramagem e folha, deixando o pasto esturricado. E não adianta pedir pra ele ter mais cuidado, pra descer mais de mansinho e sem deixar tudo queimado, pois ele não ouve prece e muito menos rogado.
Diz que é dono do sertão e no sertão foi criado, que é o dono da vida e de tudo nela criado. Cedinho já tá em pé e pouco mais já tá armado, com escudo luminoso e de raio prateado, é mestre da ilusão, pois tudo no fogo forjado.
Diz clarear o sertão e lhe deixar embelezado, mas vai tostando aos poucos o que há na terra e banhado. O bicho teme o sol, pois sabe que é malvado, sabe que sua presença é sinal desesperado, sinal de tempo ruim, de sertão incendiado.
O homem teme o sol porque já vive avisado, bastando que brilhe muito pra ficar todo espantado, pois sabe que vai sofrer, tanto ele como o gado. Maria fez uma prece pro sol se dar de arribado, mas logo pediu clemência ao ver o tanque secado.
João emborcou o santo, botou o pobre enterrado, dizendo que só voltaria se o sol fosse bandeado, pra bem longe do sertão e o sofrimento acabado. Mas o tempo foi passando e nada do sol ir embora, e João mais que desesperado afundou mais o coitado, até que um dia o santo pelo homem foi avistado, passando numa enxurrada pelo sertão todo aguado.
Depois João pagou promessa e num altar elevado botou o santo ali, e o santo desconfiado, pois sabia que seu destino era ser de novo enterrado, pois o sertanejo faz de tudo pro sol se sentir sombreado, pra nuvem gorda surgir e o pingo rolar deitado.
O que o sertanejo deseja é um sertão chuvarado, com pingo grosso caindo e por todo canto molhado, barragem bebendo água e bicho alegre no cercado. A chuva pro sertanejo é o milagre esperado, depois de promessas e rezas enfim o sonho tão almejado, pra plantar e pra colher, pra não ser mais humilhado, pedindo as autoridades cuia d’água pro gado.
Por isso que o mundo se encanta, fica tudo maravilhado, assim que o tempo chuvoso pelo horizonte é avisado, dizendo que a vida vem em cada pingo lançado. Mas pra chover no sertão é uma peleja de lascar, uma guerra tão feroz que deixa o mundo alquebrado, pois o sol não abre mão de ter tudo esturricado, enquanto chuva diz não, que quer ter tudo florado.
O sol é guerreiro valente e nunca se viu derrotado, mas a chuva é mais potente por ter um escudo sagrado, e dizem que cada pingo por Deus é abençoado. Então nessa guerra terrível, entre o sol e a chuvarada, o que sair vencedor será dono do reinado, comandará o sertão e o que lhe for predestinado.
O sol não luta sozinho, pois teme o céu nublado, então chama seu exército para se sentir escudado. Chama a seca e a fome, chama a planta morta e o osso do gado, chama o prato vazio e o olhar marejado, chama a morte e o sofrimento, e tudo de ruim é chamado.
Já a chuva logo chama o que lhe for abençoado, chama a esperança e a vida, chama o verdor adorado, mas principalmente o sertanejo com seu armamento pesado: a prece e a devoção, a crença no Deus invocado, a certeza da vitória, pois nunca abandonado.
Então a chuva desponta em avanço agalopado, vai molhando todo o sol e faz deste um derrotado, fugindo para bem longe do sertão maravilhado. E nesta guerra feroz, o fim mais inesperado, a chuva vencendo o sol, e o reinado sertanejo ao trabalhador retornado, pra plantar e pra colher, pra ser rei abençoado.
Escritor
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