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sábado, 29 de junho de 2019

A CASA DE ADÍLIA, A EX-CANGACEIRA

*Rangel Alves da Costa

Ali no Alto de João Paulo, logo após a passagem molhada que separa a cidade de Poço Redondo, no sertão sergipano, da importante e histórica comunidade, distando apenas cerca de dois quilômetros desde o centro urbano, avista-se a casa onde morou Maria Adília de Jesus, a cangaceira Adília, companheira de Canário nas lides cangaceiras, e irmã do também cangaceiro Delicado (João Mulatinho).
A ex-cangaceira era mulher alta, esguia, de amorenado forte, cabelos escorridos, de poucas palavras, mas sempre cordial e amigueira. Diferentemente da ex-cangaceira Sila (espalhafatosa, conversadeira, cheia dos luxos e dos requintes), Adília, até mesmo por ser humilde e viver na humildade, era pessoa de absoluta simplicidade. Não falava de seu tempo de cangaço nem se arvorava do que havia sido. Quem a visse era como se nada sobre aquela mulher guardasse tantos segredos e tantas histórias.
Adília entrou para o cangaço com menos de dezesseis, influenciada pelo grande amor de sua vida, o conterrâneo e também cangaceiro Canário (Bernardino). Como a sua família não aceitava o namoro, a menina prometeu ao namorado que iria com ele até o inferno se fosse preciso. E foi. Em 36 seguiu com ele para as agonias entre os açoites das balas e os espinhos sangrentos do mandacaru.
Também dessa comunidade do Alto é a origem de outros quatro irmãos cangaceiros: Sila (Ilda Ribeiro de Souza), Novo Tempo (Du), Mergulhão (Gumercindo) e Marinheiro (Antônio), filhos de Paulo Braz São Mateus, pai do famoso vaqueiro e homenageado João Paulo, por isso mesmo a denominação atual de Alto de João Paulo. Por todos aqueles arredores há um histórico de participação cangaceira, tivesse sido como cabra de Lampião, coiteiro ou participante ativo naquele mundo sertanejo carregado de sangue, valentia e sofrimento.


A família de Adília, do tronco dos Mulatinho, possuía parentesco com a família Braz São Mateus, de Sila e demais, e ainda hoje a comunidade é formada pelas raízes vingadas daqueles primitivos habitantes. Parentes de Adília e Delicado, bem como de Sila, Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro ainda estão por lá. Outros arribaram para o centro urbano mais adiante, mas todos ainda compartilham, um tanto orgulhosos e sem medo, do sangue famoso que carregam nas veias.
Pois bem, esta a casa de Adília, de cor esverdeada e porta e janela à frente, levantada no tijolo e cimento, é hoje habitada por familiares. Contudo, a ex-cangaceira nem nasceu nesta residência nem nela habitou logo após sua saída do cangaço. A originária casa dos Mulatinho era no barro e cipó, na simplicidade sertaneja de então. E ao retornar a seu berço de origem, após as durezas dos embates cangaceiros, foi também numa casinha de barro e cipó que a valente mulher fixou moradia, do outro lado de onde hoje está a moradia que fez de lar até falecer em março de 2002, aos 82 anos.
Desse modo, todo aquele que por interesse histórico ou mesmo para uma visita e conhecimento da comunidade do Alto, basta atravessar a ponte do riachinho e seguir adiante, e a casa logo estará visível ao olhar. Atualmente desconhecida ou vista apenas como mais uma casa ali do Alto, mas guardando dentro de si um relicário de históricas recordações e saudades muitas.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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