Por Sálvio
Siqueira
Júnior Almeida, Manoel Severo, Sálvio Siqueira e Ana
Gleide no lançamento de As Cruzes do Cangaço em Floresta.
No vasto
sertão nordestino havia uma espécie de ‘lei’ que era propriamente a do bateu
levou, feriu será ferido, matou será morto. Ainda existia a honra para ser
“lavada” e esta só era lavada com sangue. Um adultério, uma traição, uma moça
‘bulida’ e daí por diante era motivo de morte. Ainda hoje, aqui de sertão
afora, tem-se, se ver ou se sabe, de ‘acerto de contas’ nesses parâmetros.
Coronel João Pèreira pai do cangaceiro Chico Pereira
É por isso que
o pedido, ou a determinação, do coronel João Pereira em estar ferido de morte
para que sua família, seus filhos, em particular para Francisco Pereira Dantas,
não vingassem a sua morte ainda hoje soa estranho. Não se sabe o/ou os por
que(s) de tal desejo naqueles idos do segundo meado de 1922.
Naquele tempo
estavam a construir o açude São Gonçalo na zona rural do município da cidade de
Sousa, PB. Para a construção migraram “cassacos”, trabalhadores, de distintos
lugares. Construíram barracões para os trabalhadores e outro que tinha a vez de
ser um local de abastecimento de alimentos para o pessoal. Logicamente que além
de alimentos havia a bebida alcoólica. Como a maioria eram estranhos foi
determinado pelo coronel João Pereira e comissão que não poderia portar armas
no local. Depois que a turma tomava muita aguardente e se embriagavam vinham as
discussões, palavrões e brigas costumeiras entre embriagados. Sem portarem
armas a coisa se resolvia na base de socos e pontapés.
Apareceram no
local quatro homens portando armas de fogo e se dirigiram para o
barracão/bodega. Esses se diziam ser “guardas das obras da barragem”. E por
isso tinham o direito de andarem armados.
José Dias, seu
irmão Francisco Dias, José Lins, alcunhado de ‘Zé Mutuca’ e outro chamado de
“Campineiro” não são vistos com bons olhos por todos por serem os únicos a
estarem armados. O dono do estabelecimento lhes pede para que guardem as armas,
porém, seu pedido é rejeitado e, com a insistência, os ânimos ficam mais que
acirrados. De uma boa troca de insultos a coisa muda para um tiroteio ferrenho
com um saldo no final de vários feridos mortalmente.
“Dos quatro
agressores, um, Campineiro, jazia exangue. Um outro, Zé Mutuca, morreria horas
mais tarde. Chico Dias escapou com o abdômen rasgado e o ventre nas mãos.
Corria, parava, olhava para trás, empurrava com suas mãos o ventre para dentro
e continuava correndo. Foi Zé Dias quem teve mais sorte.” (Nóbrega, 1960:62).
O coronel João
Pereira foi ferido gravemente por o ‘cabra’ Zé Mutuca que já estando baleado e
caído no chão, ainda conseguiu balar o patriarca da família Pereira Dantas da
fazenda Jacú. Rapidamente João Pereira é levado para a casa sede da sua fazenda
Jacú, em Nazarezinho município de Sousa, PB. Os familiares ficam naquela
apreensão e logo manda chamar seu filho, Francisco Pereira Dantas, que se
encontrava em outra localidade um pouco distante. Ao chegar e ir estar com o
pai esse lhe pede para que não fizesse vingança.
“O que haveria
por trás do suposto pedido feito pelo coronel João Pereira ao filho é ainda
hoje um mistério. Uma incógnita. Tem-se pistas; tão só. Pereira era político.
Tinha seus inimigos. Teria sido assassinado a mando de um deles em contenda
gerada por desavenças de natureza...política! Brigas pelo poder na nascente
vila de São Gonçalo. A essência do homicídio era clara. Não se guardava segredo
sobre o assunto.
O cangaceiro Chico Pereira filho do coronel João Pereira
Independentemente,
todavia, das razões que teriam levado p coronel a fazer ao filho a inusitada
solicitação, conta-se que, a princípio, Chico a obedeceria.” (Dantas, 2018: 58
a 59).
A
historiografia nos conta que com a má vontade da polícia, o próprio Francisco
Pereira foi quem prendeu José Dias. Dias não fora o responsável que apertou o
gatilho da arma que matou o coronel, no entanto, fazia parte do quarteto que
adentrou o barracão/comércio naquele fatídico dia. Seu irmão, Francisco Dias
também foi preso e os dois foram indiciados pelo crime e passaram semanas na
cadeia.
A autoridade
não se detém aos verdadeiros fatos e a conclusão da investigação é desastrosa,
omissa e parcial. Com esse conteúdo nos autos a defesa dos irmãos Dias consegue
coloca-los em liberdade rapidamente.
“Notificada
sobre a decisão do tribunal, a autoridade policial de Sousa, Apolônio Nunes da
Costa, rapidamente providencia a soltura dos dois irmãos.” (Ob. Ct. 60).
Após os irmãos
Dias serem soltos, Chico Pereira toma uma decisão contrária ao pedido do pai.
Ele se arma devidamente e bem municiado sai de sertão afora a procura deles
para fazer vingança. Porém, apesar de terem se evadido do local, os irmãos Dias
também se armaram e estavam prontos para o desafio.
Vai que certo
dia, a beira de uma estrada algumas pessoas se deparam com um cadáver.
Encontraram o corpo de José Dias. Logicamente toda a população daquela região
que tinha sido Chico Pereira que cometera o crime. Com o assassinato de José
Dias, Chico Pereira começara sua vingança... apenas começara.
A justiça que
tanto foi clamada por parte da população, por parte da família Pereira pelo
assassinato do coronel João Pereira, também por Chico Pereira, é a mesma que
não o coloca um dia se quer por trás das grades. Se a justiça falhou lá, também
falhou cá.
“Surgiram,
então, os ódios entre as duas famílias; a dos Pereira e as dos Dias, armando-se
ambas até os dentes para as vinditas. Pela intervenção de amigos de ambos os
partes, inclusive a minha própria, serenaram os ânimos, restabelecendo-se uma
paz que parecia duradoura, dando-se também a absolvição pelo júri, de Francisco
Pereira”. (A União. Carta de José Gomes de Sá em setembro de 1924).
Não se
contentado com a morte de seu inimigo José dias, Francisco Pereira macula um
plano para punir seus desafetos políticos. Os executores foram punidos, porém,
os mandantes, para Chico, necessitavam sentir o peso da sua vingança. Suas
suspeitas, e a da maioria da população sousense, seriam de que os componentes
da família Mariz, adversários políticos do coronel João Pereira, apesar de
nunca ter tido prova alguma, seriam os mandantes do crime.
Em 12 de julho
de 1924 Chico Pereira encontra o estopim que precisava para colocar seu projeto
de vingança em ação. Um dos clã dos Mariz, Otávio Mariz que era uma liderança
política em Sousa, dar uma surra em Francisco Lopes, que tinha um pequeno
comércio em Nazarezinho e era muito amigo de Chico Pereira, de chibata em plena
rua. Além de humilhar Lopes, Otávio gritava para ele:
“Vá dizer a
Chico pereira! Vá! Diga a ele que venha apanhar também!” (Nóbrega, 1960:108).
Lopes tinha um
irmão que era cangaceiro e fazia parte do bando de Lampião. Pereira lhe passa o
plano de usarem os bandoleiros para uma desforra. Lopes aceita no mesmo
instante e, através do seu irmão, procuram entrar em contato com o chefe
cangaceiro.
Coronel Marcelino Diniz
Além disso,
Francisco Pereira era amigo particular do coronel Marcolino Diniz e coloca-o a
par de tudo que ocorreu. Logicamente que a força que deu Marcolino Diniz foi
primordial para o encontro entre Chico Lopes e Virgolino no coito do sítio Saco
dos Caçulas, aonde o chefe bandoleiro se recuperava de um ferimento no pé
direito.
“Sem maior
cerimônia, explica ao chefe de cangaço que pretende, junto com Chico Pereira,
tomar de assalto a cidade de Sousa. Para isso – explica – precisaria dispor de
bom número de cangaceiros.
A conversa
termina bem-sucedida. Conta-se que Lampião, com o endosso de Diniz, concorda em
conversar com Pereira. Acertos necessários para viabilizar o ataque à cidade.”
(Dantas, 2018: 62).
Poucos dias
depois Chico Pereira está frente a frente com o “Rei do Cangaço” na mesma
fazenda do Saco dos Caçulas do coronel Diniz. A conversa se torna ‘produtiva’
para ambas as partes: Chico pereira teria a oportunidade de dar uma lição em
seus desafetos, à família Diniz, e Lampião teria a oportunidade de fazer mais
um saque e esperava que fosse de ótima quantia. Este último, sem poder
participar do ataque devido ao ferimento no pé, enviaria seus irmãos mais
velhos como líderes do bando, Antônio e Livino, respectivamente os cangaceiros
“Esperança” e “Vassoura”.
Íris Mendes e Manoel Severo na Fazenda Jacú
Chico Pereira
retorna para as terras da fazenda Jacú, em Nazarezinho, no município de Sousa,
PB. Permanece naquelas terras a espera da chegada da caterva prometida por
Lampião que chega antes do término do mês de Santana.
A invasão à
cidade de Sousa e o a vingança do cangaceiro Severino Alves de Farias,
alcunhado de ‘Paizinho’, faz ao juiz Arquimedes Souto Maior contaremos em outra
oportunidade...
Fonte “Lampião
na Paraíba – Nota para a História” - DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 1ª
edição. Natal, RN, 2018
Fotos
Blog Tok
de http://xn--histria-o0a.com/
blog do Didi.com
Identificação:
1 - coronel
João Pereira pai de Chico Pereira
2 - Casa sede
da fazenda Jacú em Nazarezinho, Sousa PB
3 - Barragem
São Gonçalo - "... local onde a desgraça da família de Chico Pereira teve
início."
4 - Francisco
Pereira Dantas - O cangaceiro Chico Pereira
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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