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quinta-feira, 11 de julho de 2019

12 DE JULHO DE 1924

Por Sálvio Siqueira
Júnior Almeida, Manoel Severo, Sálvio Siqueira e Ana Gleide no lançamento de As Cruzes do Cangaço em Floresta.

No vasto sertão nordestino havia uma espécie de ‘lei’ que era propriamente a do bateu levou, feriu será ferido, matou será morto. Ainda existia a honra para ser “lavada” e esta só era lavada com sangue. Um adultério, uma traição, uma moça ‘bulida’ e daí por diante era motivo de morte. Ainda hoje, aqui de sertão afora, tem-se, se ver ou se sabe, de ‘acerto de contas’ nesses parâmetros.

Coronel João Pèreira pai do cangaceiro Chico Pereira

É por isso que o pedido, ou a determinação, do coronel João Pereira em estar ferido de morte para que sua família, seus filhos, em particular para Francisco Pereira Dantas, não vingassem a sua morte ainda hoje soa estranho. Não se sabe o/ou os por que(s) de tal desejo naqueles idos do segundo meado de 1922.

Naquele tempo estavam a construir o açude São Gonçalo na zona rural do município da cidade de Sousa, PB. Para a construção migraram “cassacos”, trabalhadores, de distintos lugares. Construíram barracões para os trabalhadores e outro que tinha a vez de ser um local de abastecimento de alimentos para o pessoal. Logicamente que além de alimentos havia a bebida alcoólica. Como a maioria eram estranhos foi determinado pelo coronel João Pereira e comissão que não poderia portar armas no local. Depois que a turma tomava muita aguardente e se embriagavam vinham as discussões, palavrões e brigas costumeiras entre embriagados. Sem portarem armas a coisa se resolvia na base de socos e pontapés.

Apareceram no local quatro homens portando armas de fogo e se dirigiram para o barracão/bodega. Esses se diziam ser “guardas das obras da barragem”. E por isso tinham o direito de andarem armados.

José Dias, seu irmão Francisco Dias, José Lins, alcunhado de ‘Zé Mutuca’ e outro chamado de “Campineiro” não são vistos com bons olhos por todos por serem os únicos a estarem armados. O dono do estabelecimento lhes pede para que guardem as armas, porém, seu pedido é rejeitado e, com a insistência, os ânimos ficam mais que acirrados. De uma boa troca de insultos a coisa muda para um tiroteio ferrenho com um saldo no final de vários feridos mortalmente.

“Dos quatro agressores, um, Campineiro, jazia exangue. Um outro, Zé Mutuca, morreria horas mais tarde. Chico Dias escapou com o abdômen rasgado e o ventre nas mãos. Corria, parava, olhava para trás, empurrava com suas mãos o ventre para dentro e continuava correndo. Foi Zé Dias quem teve mais sorte.” (Nóbrega, 1960:62).

O coronel João Pereira foi ferido gravemente por o ‘cabra’ Zé Mutuca que já estando baleado e caído no chão, ainda conseguiu balar o patriarca da família Pereira Dantas da fazenda Jacú. Rapidamente João Pereira é levado para a casa sede da sua fazenda Jacú, em Nazarezinho município de Sousa, PB. Os familiares ficam naquela apreensão e logo manda chamar seu filho, Francisco Pereira Dantas, que se encontrava em outra localidade um pouco distante. Ao chegar e ir estar com o pai esse lhe pede para que não fizesse vingança.

“O que haveria por trás do suposto pedido feito pelo coronel João Pereira ao filho é ainda hoje um mistério. Uma incógnita. Tem-se pistas; tão só. Pereira era político. Tinha seus inimigos. Teria sido assassinado a mando de um deles em contenda gerada por desavenças de natureza...política! Brigas pelo poder na nascente vila de São Gonçalo. A essência do homicídio era clara. Não se guardava segredo sobre o assunto.

O cangaceiro Chico Pereira filho do coronel João Pereira

Independentemente, todavia, das razões que teriam levado p coronel a fazer ao filho a inusitada solicitação, conta-se que, a princípio, Chico a obedeceria.” (Dantas, 2018: 58 a 59).

A historiografia nos conta que com a má vontade da polícia, o próprio Francisco Pereira foi quem prendeu José Dias. Dias não fora o responsável que apertou o gatilho da arma que matou o coronel, no entanto, fazia parte do quarteto que adentrou o barracão/comércio naquele fatídico dia. Seu irmão, Francisco Dias também foi preso e os dois foram indiciados pelo crime e passaram semanas na cadeia.

A autoridade não se detém aos verdadeiros fatos e a conclusão da investigação é desastrosa, omissa e parcial. Com esse conteúdo nos autos a defesa dos irmãos Dias consegue coloca-los em liberdade rapidamente.

“Notificada sobre a decisão do tribunal, a autoridade policial de Sousa, Apolônio Nunes da Costa, rapidamente providencia a soltura dos dois irmãos.” (Ob. Ct. 60).

Após os irmãos Dias serem soltos, Chico Pereira toma uma decisão contrária ao pedido do pai. Ele se arma devidamente e bem municiado sai de sertão afora a procura deles para fazer vingança. Porém, apesar de terem se evadido do local, os irmãos Dias também se armaram e estavam prontos para o desafio.

Vai que certo dia, a beira de uma estrada algumas pessoas se deparam com um cadáver. Encontraram o corpo de José Dias. Logicamente toda a população daquela região que tinha sido Chico Pereira que cometera o crime. Com o assassinato de José Dias, Chico Pereira começara sua vingança... apenas começara.

A justiça que tanto foi clamada por parte da população, por parte da família Pereira pelo assassinato do coronel João Pereira, também por Chico Pereira, é a mesma que não o coloca um dia se quer por trás das grades. Se a justiça falhou lá, também falhou cá.

“Surgiram, então, os ódios entre as duas famílias; a dos Pereira e as dos Dias, armando-se ambas até os dentes para as vinditas. Pela intervenção de amigos de ambos os partes, inclusive a minha própria, serenaram os ânimos, restabelecendo-se uma paz que parecia duradoura, dando-se também a absolvição pelo júri, de Francisco Pereira”. (A União. Carta de José Gomes de Sá em setembro de 1924).

Não se contentado com a morte de seu inimigo José dias, Francisco Pereira macula um plano para punir seus desafetos políticos. Os executores foram punidos, porém, os mandantes, para Chico, necessitavam sentir o peso da sua vingança. Suas suspeitas, e a da maioria da população sousense, seriam de que os componentes da família Mariz, adversários políticos do coronel João Pereira, apesar de nunca ter tido prova alguma, seriam os mandantes do crime.

Em 12 de julho de 1924 Chico Pereira encontra o estopim que precisava para colocar seu projeto de vingança em ação. Um dos clã dos Mariz, Otávio Mariz que era uma liderança política em Sousa, dar uma surra em Francisco Lopes, que tinha um pequeno comércio em Nazarezinho e era muito amigo de Chico Pereira, de chibata em plena rua. Além de humilhar Lopes, Otávio gritava para ele:

“Vá dizer a Chico pereira! Vá! Diga a ele que venha apanhar também!” (Nóbrega, 1960:108).

Lopes tinha um irmão que era cangaceiro e fazia parte do bando de Lampião. Pereira lhe passa o plano de usarem os bandoleiros para uma desforra. Lopes aceita no mesmo instante e, através do seu irmão, procuram entrar em contato com o chefe cangaceiro.

Coronel Marcelino Diniz

Além disso, Francisco Pereira era amigo particular do coronel Marcolino Diniz e coloca-o a par de tudo que ocorreu. Logicamente que a força que deu Marcolino Diniz foi primordial para o encontro entre Chico Lopes e Virgolino no coito do sítio Saco dos Caçulas, aonde o chefe bandoleiro se recuperava de um ferimento no pé direito.

“Sem maior cerimônia, explica ao chefe de cangaço que pretende, junto com Chico Pereira, tomar de assalto a cidade de Sousa. Para isso – explica – precisaria dispor de bom número de cangaceiros.

A conversa termina bem-sucedida. Conta-se que Lampião, com o endosso de Diniz, concorda em conversar com Pereira. Acertos necessários para viabilizar o ataque à cidade.” (Dantas, 2018: 62).

Poucos dias depois Chico Pereira está frente a frente com o “Rei do Cangaço” na mesma fazenda do Saco dos Caçulas do coronel Diniz. A conversa se torna ‘produtiva’ para ambas as partes: Chico pereira teria a oportunidade de dar uma lição em seus desafetos, à família Diniz, e Lampião teria a oportunidade de fazer mais um saque e esperava que fosse de ótima quantia. Este último, sem poder participar do ataque devido ao ferimento no pé, enviaria seus irmãos mais velhos como líderes do bando, Antônio e Livino, respectivamente os cangaceiros “Esperança” e “Vassoura”.

Íris Mendes e Manoel Severo na Fazenda Jacú

Chico Pereira retorna para as terras da fazenda Jacú, em Nazarezinho, no município de Sousa, PB. Permanece naquelas terras a espera da chegada da caterva prometida por Lampião que chega antes do término do mês de Santana.

A invasão à cidade de Sousa e o a vingança do cangaceiro Severino Alves de Farias, alcunhado de ‘Paizinho’, faz ao juiz Arquimedes Souto Maior contaremos em outra oportunidade...

Fonte “Lampião na Paraíba – Nota para a História” - DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 1ª edição. Natal, RN, 2018

Fotos
blog do Didi.com

Identificação:

1 - coronel João Pereira pai de Chico Pereira
2 - Casa sede da fazenda Jacú em Nazarezinho, Sousa PB
3 - Barragem São Gonçalo - "... local onde a desgraça da família de Chico Pereira teve início."
4 - Francisco Pereira Dantas - O cangaceiro Chico Pereira


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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