*Rangel Alves da Costa
Não há beleza maior que o voo da borboleta e o seu bater de asas. Mas muito cuidado com o voo da borboleta e o seu bater de asas.
O simples bater de asas de uma borboleta pode interferir no curso normal das coisas. As asas batendo movimentam o ar. O ar expande-se em crescente. O resultado final pode ser catastrófico.
No ser humano, as asas da borboleta estão nos pequenos gestos, nas palavras ligeiras, nas atitudes impensadas. Age-se como se nenhuma consequência houvesse, mas depois se tem o contrário.
As asas das palavras esvoaçam sem a real percepção de seu poder. Tudo parece normal a quem pronuncia, mas de consequência alarmante para quem é dirigida. A palavra pode chegar como navalha, como ponta afiada, como ferro em brasa.
Um simples olhar é um bater descomunal de asas de borboleta. Tantas vezes o olhar diz mais que mil palavras. A repreensão ou a aceitação se lançam do olhar e vão ter reflexos imediatos na outra pessoa.
Um aceno, um simples aceno, quanto efeito há num gesto assim. Aceno de adeus que provoca tristeza e melancia. Aceno distante que objetiva mostrar o reconhecimento e a saudade. O aceno ao não existente. De repente acena-se pelo desejo da presença.
Similar às asas da borboleta é a consequência do pingo d’água que cai. E muito mais quando é pingo após pingo. Quando caído na água, o pingo adentra no espelho d’água com força maior que o imaginado.
O impacto do pingo na água, de imediato provoca uma pequena onda. Mas esta inocente onda pode se expandir de tal modo e chegar até à margem como verdadeiro tsunami. De um leve impacto, a formação de uma turbulência devastadora.
Tudo é assim, sempre se expandindo do nada. Um simples olhar e mais um amor surgido. Um bater à porta e uma notícia para fazer sorrir ou chorar. O grão brotando de modo despercebido. E depois a flor, o fruto...
Muitas vezes, a lua lá em cima é como se uma tempestade surgisse lá embaixo. Lua que faz o insano enlouquecer ainda mais. Lua que faz apaixonar e chorar de saudade. Lua que açula as marés e muda o curso de muita coisa sobre a terra.
O vento que sopra e traz a folha seca. A folha seca que cai sobre um umbral de janela. A janela que sempre espera a bela mocinha ao entardecer. Entardecer que vai se transformar em poesia, alegria ou sofrimento, assim que a bela mocinha encontrar a folha seca.
E assim tudo vai acontecendo. Não é preciso que as coisas aconteçam de modo espantoso, real demais, visível demais. As coisas mais importantes e surpreendentes vão surgindo ao acaso.
Assim como o silêncio que silencia e grita.
Escritor
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