Um verdadeiro
ícone do período da Segunda Guerra Mundial em Natal – Foto – Rostand Medeiros.
ROSTAND
MEDEIROS – INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE -IHGRN
Antes mesmo de
Natal se consolidar na segunda metade da década de 1920 como um importante
ponto para a aviação mundial, o governador Juvenal Lamartine de Faria, que
exerceu seu mandato entre 1928 a 1930, percebeu a necessidade de construir um
hotel amplo e moderno, que atendesse as intensas transformações que o
transporte aéreo projetava para o Rio Grande do Norte.
Planta
original do Grande Hotel.
Na edição do
jornal Diário de Natal, de 25 de novembro de 1948, na segunda página,
encontramos um interessante relato da história do Grande Hotel, onde soubemos
que o governador Lamartine chegou mesmo a adquirir um terreno na Ribeira para a
construção de um hotel. Mas a sua deposição, como parte dos desdobramentos da
Revolução de 1930 no Rio Grande do Norte, abortou essa ideia. Coube então ao
Interventor Mário Leopoldo Pereira da Câmara a compra de um outro terreno. Este
era localizado na esquina das Avenidas Duque de Caxias com Tavares de Lira,
sendo fechado o negócio no dia 15 de outubro de 1935, quatorze dias antes desse
político deixar o poder executivo estadual. O novo governador Rafael Fernandes
de Gurjão deu prosseguimento a esse projeto. Vale ressaltar que por essa época
algumas empresas aéreas já utilizavam a capital potiguar como escala em suas
viagens ligando a Europa e os Estados Unidos até a América do Sul. Sendo
constantes os pousos de hidroaviões no estuário do Rio Potengi e no Campo de
Parnamirim, a vinte quilômetros do centro de Natal.
A partir de
1935 o arquiteto francês Georges Henry Mournier realizou os estudos e o projeto
do Grande Hotel de Natal. Mournier chegou ao Brasil no dia 26 de outubro de
1927 e marcou sua carreira com inúmeras obras pelo Nordeste. Além do nosso
Grande Hotel, esse francês foi o responsável em 1939 pelo projeto arquitetônico
da Catedral Metropolitana de Fortaleza e do Cineteatro Pax, de Mossoró,
construído no estilo Art déco. Coube a ele o projeto do Grande Hotel de Recife,
do prédio da Prefeitura de Campina Grande, da urbanização do Parque Sólon de
Lucena em João Pessoa, do Seminário de Garanhuns e outros mais[1].
Projeto da
Escola de Aplicação do Instituto de Educação, em João Pessoa, Paraíba. Autoria
de Georges Henry Mournier: Fonte – Revista O Cruzeiro, edição de 10 de dezembro
de 1938, página 61.
Através do
Decreto estadual nº 431, de 22 de fevereiro de 1938, o governador Rafael
Fernandes contraiu um empréstimo para a conclusão da obra e o prédio foi
inaugurado em maio de 1939. O total gasto na obra, segundo Itamar de Souza, foi
de “1.607.856,500”. Mas o empreendimento só começou efetivamente a funcionar em
setembro daquele ano[2].
Antes da
eclosão da Segunda Guerra Mundial, o bairro comercial mais importante de Natal
era a Ribeira. Era nessa região que se concentravam os principais órgãos de
governo, onde estavam as estações ferroviárias e o porto. As avenidas Duque de
Caxias, Tavares de Lira, largas e arborizadas e as praças José da Penha e
Augusto Severo compunham o quadro, que mudou radicalmente com a inauguração do
Grande Hotel.
O hotel, que
possuía 76 apartamentos, foi então arrendado ao comerciante Theodorico Bezerra,
proprietário da empresa Theodorico Bezerra & Cia., e membro da Associação
Comercial. Segundo relatos da época Theodorico era uma das pessoas que mais
entendia de hotelaria em Natal. Em uma reportagem do Diário de Natal de
23 de janeiro de 1985, página 3, ao rememorar quase 50 anos de atividade do
Grande Hotel, Theodorico Bezerra informou que fora proprietário do Hotel dos
Leões, do Hotel Independência, do Palace Hotel e do Hotel Internacional.
Theodorico
Bezerra no Congresso Nacional, quando exercia o cargo de deputado federal na
década de
Na edição de
1938 do Almanak administrativo, mercantil, e industrial do Rio de Janeiro,
ou Almanak Laemmert, um ano antes da inauguração do Grande Hotel, na sua
página 762, encontramos a informação que Natal possuía nessa época oito
estabelecimentos de hospedagem. Eram estes o Hotel Avenida (Rua Nísia Floresta,
223), o Hotel Internacional (de propriedade do Sr. David França, localizado na
Avenida Tavares de Lira, 115), o Palace Hotel, (também de David França, na Rua
Chile, 106), a Pensão Brasil (na Rua Senador José Bonifácio, ou Rua das
Virgens, nº 168), a Pensão Familiar (de Maria Cabral, na Rua Junqueira Aires,
417), a Pensão Moderna (na Rua Senador José Bonifácio), Pensão Rio Branco (de
Olívio Gonçalves Guerra, Avenida Rio Branco, 456) e a Pensão Natal (Avenida Rio
Branco).
Em 1942 Newton
Tornaghi, então oficial da Marinha do Brasil com o posto de Capitão-tenente e
imediato da corveta Jaceguai, publicou na edição de 05 de maio do Jornal
do Brasil um interessante texto sobre a Natal que ele conheceu antes e
durante a Guerra. Mesmo com a localização privilegiada, Tornaghi apontou que já
na época de sua inauguração surgiram dúvidas entre os natalenses do sucesso do
Grande Hotel. Achavam que o movimento do porto e das aeronaves que por Natal
passavam “não comportavam tão avançado empreendimento”. O oficial naval
percebeu o hotel como “bem organizado, com construção moderna”, mas “um
pouquinho menor que o nome apontava e um pouquinho maior do que a cidade se
acostumou a vê-lo”.
Esse relato do
Capitão Tornaghi foi confirmado em 1970 pelo jornalista Djair Dantas, que
publicou em uma interessante reportagem a decadência do Grande Hotel naquele
período. Ao entrevistar o antigo funcionário José Santana Sobrinho esse narrou
que os dois primeiros anos foram difíceis, pois “o homem do interior, por
exemplo, não queria nunca hospedar-se aqui”[3].
Mas tudo mudou
quando os primeiros norte-americanos chegaram à cidade. Estes foram os técnicos
da ADP, com a função especifica de trabalhar no desenvolvimento de Parnamirim
Field e foi para o Grande Hotel que eles se dirigiram em busca de algum
conforto. Para Newton Tornaghi, com a chegada da guerra o Grande Hotel
transformou-se em um local interessante, onde “falava-se todos os idiomas”.
Engenheiros
americanos e, talvez, militaresamericanos, no Grande Hotel: Fonte –http://macauemdia.blogspot.com/2012/03/natal-no-tempo-da-2-guerra.html
E o movimento
no local era intenso. Em um artigo sem autor conhecido, encontramos o
comentário que diante do surpreendente movimento de estrangeiros na cidade, o
“Grande Hotel hoje deveria ser em duplica, ou triplicata, para atender aos
hóspedes”. Logo o inglês, depois do português, passou a ser o idioma mais
falado nas dependências do hotel, bem como nos bares, restaurantes, boates e no
comércio local[4]. Para
Lenine Pinto o lugar era o “Espelho da Ribeira”. Do seu mezanino, que se abria
sobre o restaurante, uma pequena orquestra tocava valsinhas na hora das
refeições. Além dos estrangeiros, grandes figuras de projeção nacional e da
máquina governamental de Getúlio Vargas se hospedavam no Grande Hotel,
inclusive altas autoridades militares como os Generais Eurico Gaspar Dutra e
João Batista Mascarenhas de Morais. O Almirante Ary Parreiras, construtor da
Base Naval de Natal, só se hospedava com a família e o General Gustavo Cordeiro
de Farias ficava sempre no quarto 216[5].
Ao rememorar
no Diário de Natal de 23 de janeiro de 1985 seus momentos no Grande
Hotel, Theodorico lembrou que instalou no hotel um cassino “com todo tipo de
jogo” e cravou que foi “nessa época que ganhei mais dinheiro aqui no hotel”.
José Santana Sobrinho comentou a Djair Dantas que o nome da casa era Casino
Natal e que para abrir esse negócio Theodorico fez uma parceria com um
“italiano chamado Bianchi”. Esse não era outro se não Alberto Quatrini Bianchi,
descendente de italianos nascido em Rio Claro, São Paulo, proprietário, ou
arrendatário, de casinos e hotéis no Rio de Janeiro, Guarujá, Recife, Poços de
Caldas, Ouro Preto, São Luís do Maranhão, Niterói e outros lugares. Para o
ex-fotógrafo da Marinha dos Estados Unidos John R. Harrison, em seu livro Fairwing
Brazil – Tales of South Atlantic in World War Two (Schiffer Publishing,
2014, Atglen, PA, USA) , na página 200, o Grande Hotel estava sempre cheio e
seu proprietário utilizou de considerável perspicácia política para obter uma
licença que permitisse o funcionamento de um cassino naquele local.
Provavelmente foi Bianchi que conseguiu essa liberação junto aos políticos,
pois conhecia bem “o caminho das pedras” entre essas pessoas.
Para Clyde
Smith o hoteleiro Theodorico Bezerra quase perdeu a concessão que possuía para
gerir o principal hotel de Natal. E a investida partiu do General Antônio
Fernandes Dantas, caicoense de nascimento, que substituíra Rafael Fernandes à
frente do executivo potiguar em 9 de junho de 1943, mas Clyde não explica a
razão. Esse autor norte-americano comentou que realmente Theodorico ganhou
muito dinheiro com os militares do seu país naqueles anos e, apesar do
Observador Naval da Marinha dos Estados Unidos haver conseguido informações que
apontavam tendências pró-germânicas por parte de Theodorico, os
norte-americanos sempre foram tratados corretamente naquele estabelecimento[6].
Uma visita que
verdadeiramente marcou o Casino Natal foi a do ator hollywoodiano Humphrey
Bogart. Ele passou por Natal entre novembro e dezembro de 1943 e esteve no
casino na noite de 30 de novembro, uma terça-feira, na companhia de um coronel
chamado Wallace Ford e outras autoridades americanas[7]. Santana lembrou que no
Cassino Natal o pianista Paulinho Lyra dedilhava um piano novo em folha, que
foi comprado ao médico Januário Cicco.
Após sua
passagem por Natal, o ator Humphrey Bogart realizou uma apresentação para as
tropas americanas estacionadas no Norte da África: Fonte –https://humphreybogartestate.tumblr.com/post/51455706393/humphrey-bogart-on-stage-during-an-uso-event-in
Protásio Melo
comentou que ao redor do Grande Hotel, que ele denominava “Quartel General dos
americanos”, podia-se ver todo tipo de comércio improvisado, vendendo todo tipo
de coisa aos estrangeiros. Havia desde saguis, papagaios, corujas, periquitos,
rendas do Ceará, facas de ponta vindas de Campina Grande e toda uma “cavalaria”
de alimárias para serem alugados para passeios e fotos. Protásio narrou também
que viu nas mesinhas do bar do hotel artistas cinematográficos como Joel
McCrea, Buster Crabbe, Bruce Cabot e Martha Raye, nomes famosos de Hollywood
nas décadas de 1930 e 1940[8].
Para José
Santana Sobrinho o Grande Hotel era uma das grandes referências para os
visitantes da cidade, se não a principal. Pessoas ilustres, mesmo sem se
hospedarem, por ali passavam para tomar uma bebida. Foi o caso da Madame Chiang
Kai-Shek, ou de Oswaldo Aranha, então Ministro das Relações Exteriores do
Brasil.
Oswaldo
Aranha, Ministro das Relações Exteriores do Brasil em grande parte do período
da Segunda Guerra Mundial, esteve no Grande Hote. Fonte: –http://www.chumbogordo.com.br/13817-oswaldo-aranha-e-o-tempo-de-gigantes-na-politica-por-cesar-maia/
Por viver
lotado, Santana lembrou que teve gente como o famoso jornalista David Nasser,
ou Paschoal Carlos Magno, então diretor de teatro e futuro Chefe de Gabinete do
Presidente Juscelino Kubitschek, que foram obrigados a dormir mal acomodados em
sofás, ou embaixo de escadas, quando estiveram no Grande Hotel.
Devido a
lotação Theodorico Bezerra, que ficou conhecido no Rio Grande do Norte como “o
majó”, alugou apartamentos nas proximidades, principalmente nos Edifícios Bila
e Varela, na Avenida Duque de Caxias. Para José Santana Sobrinho, devido a sua
categoria, não dava para o Grande Hotel hospedar náufragos de navios
torpedeados que apareciam “nus da cintura para cima” e eles eram enviados para
esses anexos. Nesses locais também ficavam os passageiros dos hidroaviões
Boeing 314 Clipper, da Pan American Airways, que pernoitavam em Natal, seguindo
viagem para ou sul do Brasil, ou em direção aos Estados Unidos.
Os passageiros
dos hidroaviões Boeing 314 Clipper, da Pan American Airways que pernoitavam em
Natal se hospedavam no Grande Hotel, ou em seus anexos.
Se a vinda dos
militares norte-americanos trouxe reais benefícios a membros da elite social
natalense, seguramente um destes, ou o principal, foi Theodorico Bezerra.
Após o fim da
Segunda Guerra, mesmo com o declínio econômico e financeiro que Natal sentiu
com a saída das tropas estrangeiras, a projeção e referência do Grande Hotel na
vida do povo natalense atingiu níveis interessantes. Um desses casos é o da
praça diante do estabelecimento, que se tornou durante muitos anos uma espécie
de rodoviária informal da cidade. Chamada de Praça José da Penha, antiga Leão
XIII, era um local de muito movimento e central em relação ao comércio da
época. Ali se concentravam pelo menos quatro linhas de ônibus para o interior.
De quarta aos sábados, a partir das cinco da manhã, partia um veículo para
Caicó. Já para Macaíba havia duas viagens por dia, todos os dias da semana. No
caso de Nova Cruz a linha funcionava de quarta aos domingos, a partir de duas
da tarde. Já para Ceará-Mirim tinha ônibus todos os dias às quatro da tarde[9].
Praça José da
Penha, antiga Leão XIII : Fonte – https://www.brechando.com/2017/09/esta-praca-parece-do-interior-do-estado-mas-fica-em-natal/
Theodorico
Bezerra continuou como arrendatário por 48 anos, até 1987, quando não apenas
seu antigo hotel, mas todo o bairro da Ribeira já viviam um franco declínio.
Nos dias
atuais o prédio do Grande Hotel é utilizado pelo Juizado Especial Central da
Comarca de Natal, antes conhecido como Juizado de Pequenas Causas. Mas existe a
informação que em um futuro breve a justiça potiguar deixar de utilizar esse
local.
E o que
acontecerá com o velho Grande Hotel?
NOTAS
[1] Ver A Ordem,
Natal, 26/12/1947, pág. 7.
[2] Souza, Itamar. Nova
História de Natal, 2. Ed. – Natal-RN: Departamento Estadual de –
Imprensa, 2008. Páginas 306 e 307.
[3] Ver Diário de
Natal, ed. 30/11/1970, pág. 3.
[4] Ver A Ordem,
Natal ed. 15/06/1944, pág. 4.
[5] Pinto, Lenine.
Natal, USA. 2. Ed – Natal-RN: Edição do autor, 1995. Páginas 135 e 136.
[6] Smith Junior, Clyde
– Trampolim Para a Vitória. 2. Ed. – Natal-RN: Ed. Universitária, 1999, Páginas
107 e 108.
[7] Ver O Diário,
Natal, Ed. 01/12/1943, pág. 2
[8] Revista Século,
Fundação Cultural Padre João Maria, ano IV, nº 4, dez. 1999, pág. 23.
[9] Ver A Ordem,
Natal, Ed. 22/05/1948, pág. 9.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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