*Rangel Alves da Costa
O seu nome de batismo era José Bernardino de Sá. Contudo, pelos sertões sergipanos, principalmente em Poço Redondo e Porto da Folha, apenas Seu Zezé Pingo D’água. E basta esse nome para se referir a um buraqueiro (nascido em Porto da Folha), mas que já pelos dezesseis anos pelos caminhos de Poço Redondo, desde o Poço de Cima ao Poço de Baixo, e que deixou seu nome grafado com letras de eternidade.
E por que tão esquecido, tão pouco lembrado e falado? Algum jovem pode indagar. Simplesmente pelo fato de que a história é injusta com os grandes homens e a educação interiorana não procura resgatar quem verdadeiramente construiu a história municipal. Mas hoje basta estar na presença de um Bernardino ou de um Sá para ter adiante a raiz de Seu Zezé. Pelos netos já se tem uma ideia da marcante presença: Messias dos Correios, Zé de Maristela, Dorinha de Gerino, o saudoso Zé Delino, Marcelo de Carmelita, o professor Fernando Sá, e tantos outros.
Não se sabe bem a origem do termo “Pingo D’água” acrescido ao nome de Seu Zezé, mas certamente por se tratar de homem de baixa estatura, miúdo, um baixinho e franzino, conforme comumente se diz. Então, naquele grande homem um pingo d´água pelo seu tamanho físico. E sempre bem vestido, com seu chapéu panamá e seu paletó escuro, ainda que desgastado de tempo. Amigueiro, calmo, pacífico, com poucas e tão certas e necessárias palavras. O seu nome já dizia tudo.
Como dito, Seu Zezé, nascido José Bernardino de Sá a 29 de dezembro de 1894, na sergipana e sertaneja Porto da Folha, mas migrando ainda rapazote, aos dezesseis anos, para as bandas de Poço Redondo. Casou com Maria da Conceição Dória, tendo o casal oito filhos: Luís de França e Sá, Manoel Rodrigues, Adelino Alves (Delino), João Bernardino (João Pingo D´água), Rosa Soares (Rosinha), Maristela de Sá, Antônia Rosa e Maria Carmelita de Sá (professora Carmelita). Netos e bisnetos em profusão, e todos de importância fundamental na vida de Poço Redondo.
Digno de notar a preocupação de Seu Zezé e de Dona Maria com a educação dos filhos, principalmente as mulheres. Num tempo onde o estudo era uma raridade e a formação de difícil alcance, suas filhas não só enveredaram pelo mundo da aprendizagem como se tornaram professoras, a exemplo de Dona Rosinha, Dona Maristela e Dona Carmelita. Muitos filhos de Poço Redondo devem a abnegação destas o que aprenderam nas antigas salas de aulas.
Mesmo miudinho no tamanho, Seu Zezé era homem de estatura sempre elevada quando se tratava dos grandes assuntos da povoação. Com voz firma, sempre ouvida, interferia em assuntos políticos, agrários, comunitários, primordialmente no que dizia respeito à melhoria da qualidade de vida da população mais carente. Foi dono de muitas terras (as chamadas terras de eréu), mas disto tudo não vingou nenhuma riqueza. Foi também delegado, juiz de paz, comissário de ensino e ocupante de outros cargos outorgados pelo reconhecimento de sua sabedoria e honestidade.
Seu Zezé faleceu, aos 105 anos, pelo idos de 1999. Uma longa duração de vida para um grande que deixou plantadas muitas, firmes e duradouras raízes. E a ele, sua filha Carmelita, a querida professora Carmelita, escreveu o poema intitulado “No Sertão do Morgado”, que abaixo transcrevo:
O velho José Bernardino
que mais de cem anos viveu
deixando sua história
neste Sertão de meu Deus
homem quase analfabeto
estabeleceu no Sertão
servindo nesta cidade
conforme a sua missão
De Delegado, Juiz de Paz
a Comissário de Ensino
neste povoado servia
lutando com as causas pequenas
nesta região assumia
no campo deste Morgado
tudo ele conhecia
os acidentes geográficos
de Porto da Folha a Serra da Guia
com dezesseis anos de idade
neste sertão já vivia
festejando com os amigos
em Poço de Cima servia
com seus terrenos de hereus
ajudou a esta população
dando pequenas moradias
aos pobres deste Sertão
a sua pequena história
mostrou muito a profecia
dos povos ancestrais
exemplos de nossos dias
tinha muita sabedoria
dada por Deus o Criador
conhecia os sinais do tempo
na sua vida de agricultor.
Eis, assim a síntese da vida de um pai escrita por uma filha. Dona Carmelita, nossa eterna professora Carmelita, expressando na inteireza um grande homem: Seu Zezé Pingo D’água.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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