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terça-feira, 22 de junho de 2021

COMO A HISTÓRIA DO CANGAÇO EM POÇO REDONDO VAI SENDO DESTRUÍDA

Por Rangel Alves

As vastidões de Poço Redondo, na aridez catingueirenta do sertão sergipano, sempre foram de imensas riquezas relacionadas ao fenômeno cangaço, no seu entrelaçamento que juntava num só contexto o cangaceiro, o volante, o coiteiro e o humilde homem da terra. Em seu território, além da Gruta do Angico (local da morte de Lampião e mais dez cangaceiros em 28 de julho de 38), Maranduba (local de combate e vitória do bando de Lampião sobre as volantes comandadas por Mané Neto e Liberato de Carvalho, em 32), Coito da Pia das Panelas (local de morte de Lídia e outros cangaceiros, em 34), Riacho do Quatarvo (onde a cangaceira Rosinha foi assassinada por companheiros de bando a mando de Lampião) e os Marcos Históricos da Estrada Histórica Antônio Conselheiro (marcos de Canário, das Cruzes dos Soldados, de Zé de Julião, o Cajazeira, e Antônio Canela), muitos outros locais serviam como testemunhos da saga cangaceira na região. Locais de chacinas, de combates, de emboscadas, de coitos, de mortes e padecimentos, de velhas cruzes e casinhas de oração. Contudo, importantes marcos já foram ou estão sendo completamente destruídos em Poço Redondo, pois restando somente alguns escombros que não demorarão a serem completamente apagados das paisagens sertanejas. Fato é que, fincados em propriedades particulares, os donos das terras, sem conhecimento da importância daquela velha cruz ou da casinha de oração existente nos arredores, ou mesmo sem qualquer compromisso com a história local, simplesmente mandam o trator passar por cima de tudo. E assim se vão páginas e mais páginas de uma verdadeira epopeia sertaneja. Ademais, a “desimportância” é tamanha, a negligência com a história é de tal monta que tudo só vai sendo preservado segundo os desejos do tempo. Como o homem nada faz para preservar, para manter em pé a relíquia histórica, então é o tempo que vai ditando sua vontade de existência. Mas aos poucos tudo vai caindo, desmoronando, em escombros se tornando, até restar somente o “ouvi dizer que aqui existiu”. Os exemplos são muitos. As cruzes e a casinha de oração no local da morte de Firmino e Torquato, dois inocentes cruelmente mortos pelos subgrupos de Zé Sereno e Moreno, em 37, já não existem mais. Por muito tempo foi local de orações, de visitações e novenas, mas ninguém se preocupou em ajeitar um barro, reparar uma cruz, nada. Hoje não resta mais nada. Também uma cruz e uma casinha de oração existiam nos arredores da povoação de Santa Rosa do Ermírio, local onde Zé Doido (José Marques da Silva) foi morto no paredão de um tanque após ter avistado cangaceiros (inclusive Lampião) jogando baralho com soldados da volante. Antes morrer, contudo, matou o soldado Gabirote e feriu Oscar. Atualmente, no lugar apenas um descampado e a história transformada em terra batida. O problema é que outros marcos correm sério risco de desaparecimento. Da capelinha com as cruzes da Lagoa do Tingui, local de morte de Antônio Monteiro e do menino Galdino, os dois primeiros dos sete inocentes assassinados por um grupo de cangaceiros comandados por Gato, na terrível Chacina do Couro de 32, restam somente ruínas do barro, do telhado e da madeira das cruzes. Debaixo de um pé de pau defronte a Capela da Fazenda São Clemente, quatro cruzes existiam como marcos de sertanejos vitimados pelo cangaço (João, Zé Bonitinho, Torquato e Firmino). Contudo, atualmente apenas algumas pedras indicam os locais dos sepultamentos. E assim mesmo porque estão em frente à capelinha, pois do contrário já teriam sido completamente varridas da existência. Como o tempo não costuma chamar para dizer que tem pressa de passar e quem quiser preservar que cuide, então a inércia do homem e dos poderes faz com que tudo seja consumido e destruído pela voracidade dos anos. O mais impressionante é que a memória dos habitantes dos arredores testemunha a importância daqueles locais históricos já inexistentes. E vão dizendo que era ali, que tinha lá isso e aquilo, mas que foi sendo derrubado, e pronto. O desalento é grande ao pesquisador que, ávido por encontrar ao menos pedaços do passado, nada mais encontra. E ao olhar ao redor apenas avista o que sua memória sabe que existiu, o que ocorreu, as dores e os sofrimentos por ali vivenciados. Lamentável que seja assim. Mas é assim que o descaso do homem vai rasgando as páginas de sua história. Na foto abaixo, o que resta da casinha de oração pelas mortes de Antônio Monteiro e Galdino, dois inocentes vitimados na Chacina do Couro.

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