*Rangel Alves da Costa
Enquanto ensaboa, lava e vai quarando roupas no tanque do quintal, Terezinha vai cantando: “Moço bonito que um dia me fez de consolação, me deu perfume cheiroso e um abraço tão apertoso que amoleceu meu coração...”. Já Geromilda começa a cantarolar quando se põe e estender as roupas lavadas no varal: “Minha boca é um sertão, beiço rachado de chão, na secura dessa vida sem amor e sem paixão. Venha me amar, venha me beijar, não quero sofrer mais não, pois nasci pra ser jardim e não a secura do sertão...”.
Já na boca da noite, depois que o vento enxugou as calçolas e camisolas, a mocinha Clarice se dirige ao varal com doce canção na voz: “Lá vem a lua, já escurece a rua, vou lhe contar um segredo que quero ser toda sua. E quando o sol levantar eu chamo de novo a lua, para lhe contar um segredo que quero ser toda sua...”. Bem assim quando Purezinha coloca brasa no ferro, sopra a poeira das cinzas, passa goma na camisa e depois começa a engomar: “Meu Padim Ciço Romão, o santo do meu sertão, chame Frei Damião e venham pra minha casa pra fazer Santa Missão. Quero a paz, quero alegria, a fé por maior devoção, a semente sobre a terra e o fruto sobre o chão...”. E assim pelos sertões, pelos quintais, pelos varais, num tempo de doce tempo que muita saudade traz!
O sol vai esfriando e a brisa da tarde começa a soprar. Ruas interioranas, calçadas alentadas, portas abertas, árvores farfalhando. E chega Joaninha com sua cadeira, e chega Pureza com seu tamborete, e chega Titoca com sua almofada, e todas se assentam para o proseado do entardecer. Nada de fofoca, nada de falação sobre a vida dos outros, mas das realidades e de um cotidiano que é de sol e de lua, que é de poeira e de chão.
Zezim passa correndo, eita menino danado! Vai correndo atrás da bola chutada pela meninada. Um buraco na terra, uma bola de gude, uma brincadeira. E de repente o maior cavaleiro do mundo: Tiziu em seu cavalo de pau. Vai correndo mundo, vai sendo o mais feliz, vai sendo a doce infância. E mais adiante, na sala da frente, Joaninha brinca com sua boneca de pano. Num cantinho da sala o seu mundo e sua vida. Conversa e briga, afaga e de repente diz que vai dar chineladas, penteia os cabelos, diz que vai dar banho pra boneca dormir.
Em tardes fagueiras, nas canções do vento, a vida se faz em sua singeleza. Apenas o tempo, apenas o vento, nas ruas sublimes, nas doces palavras de um povo feliz. Assim ainda a vida em muitos rincões. Nos sertões mais distantes, nos escondidos do mundo. E que bom que seja assim. Que bom se continuasse sempre assim. Que bom!
Mas o mundo apressado vai correndo demais. O bucólico esvoaça, o singelo se esconde para o novo chegar. E de repente a moda, de repente o estranho, de repente o desconhecido tomando o lugar da paz e da felicidade. Sem amigas nas calçadas, sem palavras boas ao entardecer, sem bola chutada pela meninada, sem bola de gude e cavalo de pau, aquele boneca do canto da sala vai sofrer e chorar.
Uma doce vida, que de tão doce vida, o tempo esmaga e no lugar da doçura vai colocando sal. Ou um fel na vida.
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