Por João de Sousa Lima
Clementino Quelé
A ficha cadastral constante nos arquivos da Polícia Militar da Paraíba do sargento Clementino José Furtado, Clementino Quelé, uma lenda entre as volantes que combateram no cangaço na Paraíba e em Pernambuco, especialmente ao bando de Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, está amarelada, mas conta um pouco da história da Paraíba.
Clementino Quelé “sentou praça” na PM da Paraíba em 13 de Maio de 1925 e reformado com a patente de sargento em 18 de Julho de 1940. Quelé ingressou na Polícia já com a patente de sargento, acreditem. Relatam que por um arranjo político do famoso coronel José Pereira. Impossível condensar a história de Clementino José Furtado num texto de 70 linhas ou num livro de 700 páginas, tal a inacreditável, quase inverossímil, trajetória de Quelé do Pajeú ou “Tamanduá Vermelho”, apelido que recebeu quando ingressou no bando de cangaceiros chefiado por Virgulino Ferreira da Silva, Lampião.
Reza a lenda que tudo começou quando Clementino Furtado tornou-se inspetor de quarteirão, espécie de subdelegado da polícia pernambucana, seu estado de origem. Ao realizar a prisão de dois ladrões de cavalos, os matou, gerando assim a aurora dos seus problemas – os ladrões eram de famílias poderosas; daí a natural perseguição política que a ele foi movida.
De agente da lei, tornou-se procurado; acabou reagindo à bala a um mandado de prisão. Na sequência, sua família foi alvo de perseguições políticas e, caçado pela polícia, Clementino ingressou no bando de Virgulino Ferreira, de quem viria a se torna lugar-tenente, pois liderava seu próprio grupo de cangaceiros, formado por seus parentes e agregados da família. Clementino não deu certo como cangaceiro. Entrou em conflito com o chefe, numa discussão quase letal. Contam que um parente de Clementino se apresentou para ingressar no bando de cangaceiros de Lampião, mas tutelado e sob às ordenas do próprio Clementino. O ingresso de neófito de cangaceiro encontrou rejeição por parte do cangaceiro Meia Noite, outro chefe de subgrupo e guarda-costas do próprio Virgulino.
Não houve acordo. A discussão causou um racha no bando de Virgulino, que se posicionou ao lado de Meia Noite. Assim, não havia mais lugar para Clementino e os seus no bando de Lampião – e a querela foi tão feia que Virgulino e Clementino tornaram-se inimigos mortais. Caçado pela polícia pernambucana e tendo Lampião como seu inimigo figadal, Clementino manteve sua milícia privada em sucessivos embates com o bando de Virgulino; entreveros que quase dizimaram sua própria família.
Sem saída, Clementino fugiu para Paraíba onde obteve proteção do coronel José Pereira, latifundiário e político poderoso na região de Princesa Isabel(PB) praticamente um “senhor da guerra” num vasto território nos dois lados da divisa entre Paraíba e Pernambuco, que se estendia de Princesa até Serra Talhada.
O poder do Cel. Zé Pereira na Paraíba era imenso. Deputado estadual, de forte influência política e econômica, a ponto de alistar Clementino José Furtado na Polícia Militar, já com a patente de sargento – estar sob o manto protetor do Cel. Zé Pereira era o porto seguro para muitos desgarrados com ou sem família. Na condição de sargento da Polícia Militar da Paraíba, Clementino tornou-se chefe de volante, assumindo protagonismo na perseguição implacável ao banditismo rural, especialmente ao seu inimigo histórico: Lampião.
- Que não teve trégua nem sossego na região de Princesa, antes uma espécie de spa para repouso e lazer de Lampião, em função da alargada cobertura que o “rei do cangaço” tinha de coiteiros e aliados. Virgulino amargou derrotas, ferimentos à bala e caçadas implacáveis movida por Clementino e sua volante não só na Paraíba. Clementino tocou o terror na caçada a Lampião, na vasta região que vai de Triunfo até Nazaré do Pico, passando por Serra Talhada, matando tudo “que rastejava, andasse ou voasse” em associação com Virgulino, cantavam poetas e repentistas nas feiras livres.
A saga de Clementino não se limitou no combate ao cangaço e sua reputação o precedia. Em fevereiro de 1930, estourou a famosa “Revolta de Princesa”, que antecedeu a Revolução de 30. Revolta esta liderada pelo cel. José Pereira contra o presidente do estado, João Pessoa. Ele declarou a independência de Princesa em relação ao estado da Paraíba, simplesmente. O cel. José Pereira mobilizou mais de 2 mil homens em armas para combater o governo do estado da Paraíba, menos o seu protegido e leal aliado até aquele momento, o sargento da PM Clementino José Furtado, que àquela altura havia jurado fidelidade à Polícia Militar sob às ordens do governo João Pessoa.
De novo, Clementino estava de volta ao campo de guerra para liderar uma tropa de 60 soldados da PM no combate ao revoltosos de Princesa. Nessa jornada, o sargento Quelé sitiou a vila de Patos de Irerê, raptou mulheres e crianças para usá-las como “escudos humanos” num planejado ataque a Princesa Isabel, que nunca ocorreu, pois Clementino havia cometido um ato ousado demais: Raptara a senhora Alexandrina Diniz, ou dona Xandu, esposa do cel. Marcolino Diniz, parente de chefe dos revoltosos o cel. Zé Pereira, também seu parente. Alexandrina era da fina flor da elite que governava Pernambuco e o sertão paraibano.
Ao término de tudo e não por fim de sua trajetória guerreira, Clementino se viu cercado por 100 jagunços e cangaceiros a soldo de Marcolino e Zé Pereira, furando o cerco numa noite de tempestade e deixando para trás granadas com pavios acessos que não explodiram. Clementino jamais recebeu uma promoção na PM da Paraíba, foi para reforma como sargento e terminou sua carreira como delegado na cidade Prata, onde morreu e está sepultado.
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