Por Honório de Medeiros - [Historiador e sócio do IHGRN]
O coronelismo e o cangaço, tão característicos de certo período histórico do
Sertão nordestino brasileiro, mais precisamente de meados do século XIX a
meados do século XX, são manifestações do Poder, de como ele é obtido, mantido
e até mesmo combatido, em intrincada trama, ao longo do processo histórico.
As narrativas acerca do coronelismo e cangaço devem ser analisadas levando-se
em consideração o fator de "ocultamento" próprio da atuação dos que
detêm o Poder. Nesse sentido, escrever, dizer, omitir, acrescer, manipular,
enfim, tudo isso e mais, cumprem o papel de narrar como os fatos ocorreram a
partir da perspectiva de quem pode impor sua percepção das coisas e dos
fenômenos, em detrimento da verdade. Quem critica o estudo do Cangaço, mesmo de
forma oblíqua, tratando-o como algo menor dentre os epifenômenos da cultura
sertaneja, hostiliza a História e não entende o que é o Poder.
Não houve manifestações violentas do Coronelismo no Sertão nordestino sem um
entrelaçamento com o banditismo rural; não houve Cangaço sem Coronelismo.
Acrescentemos a esses ingredientes o fanatismo messiânico e teremos um
ponto-de-partida concreto e verossímil para a real história da época dos
coronéis e cangaceiros. O ponto-de-partida é o cangaceiro, começando com
Jesuíno Brilhante, o primeiro dos grandes, a história dos coronéis do Cariri
cearense, e a vida do mítico Padre Cícero do Juazeiro.
No Rio Grande do Norte é difusa, porém persistente, a concepção de que seus
coronéis eram homens afastados da violência, bem como é persistente a concepção
de que o cangaço, excetuando a invasão de Apodi, por Massilon, e Mossoró por
Lampião, tratados como “pontos fora da curva”, pouca relevância teve em nosso
Estado.São "esquecidas" as relações dos coronéis com José Brilhante,
o Cabé; a do Coronel João Dantas com Jesuíno Brilhante; a invasão de Martins; a
invasão de Apodi e sua relação com coronéis apodienses; a invasão de Mossoró e
sua relação com coronéis paraibanos e cearenses; a morte de Chico Pereira e sua
relação com o coronelismo paraibano e potiguar.
As invasões de Apodi e Mossoró são indissociáveis, e se constituem em epicentro
de um processo político que durou aproximadamente dez anos, terminando
tragicamente na famosa eleição de 1934-1935,na qual houve o assassinato do
Coronel Chico Pinto e o de Otávio Lamartine, filho do ex-governador Juvenal
Lamartine, e dizem respeito a disputas políticas entre famílias senhoriais do
Sertão paraibano e potiguar. Todas essas atividades violentas protagonizadas
por cangaceiros estão conectadas com o coronelismo. Todas elas são faces da
disputa pelo Poder Político.
O cangaço é a história de homens que resolveram se vingar de uma injustiça; de
homens que não aceitaram ser escravos e optaram por fazer das armas
meio-de-vida; de homens que optaram por sobreviver SEM LEI E SEM REI, em uma
liberdade absoluta, uma liberdade de fera, aquela liberdade anterior ao
surgimento do Estado, da qual nos falou Hobbes em O Leviatã.
O cangaço é a história de rebeldes, certos ou errados. Podemos subjugar
rebeldes. Podemos condenar rebeldes. Podemos matar rebeldes. Mas não podemos
impedir que a memória de suas existências nos provoque. Podemos não aceitar os
rebeldes, mas podemos tentar compreendê-los, tenham sido cangaceiros, coronéis,
ou fanáticos, e em os compreendendo, aprendermos as lições da história.
http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/cangaa-o-e-coronelismo/455191
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