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sábado, 4 de março de 2023

BARBARIDADE AOS TROPEIROS

 Por José Mendes Pereira

Alcino Alves Costa conta em seu livro “Lampião Além da Versão - Mentiras e Mistérios de Angico”, que noutros tempos, o pequeno povoado Bahia, no Estado de Sergipe, foi um dos que mais abrigou sertanejos. Estes fugiam das perseguições policiais, que não davam espaço para os camponeses, por fazerem constantes ataques aos cangaceiros nas regiões nordestinas, principalmente em Sergipe, Alagoas e Pernambuco.   

Como o tenente Zé Rufino era comandante de uma volante do governo, sendo ele poderoso na lei e na sua vontade própria, usava e abusava do cargo que lhe fora confiado, uma vez que era apenas subordinado a um dos seus amigos, João Maria de Carvalho, sendo este chefe geral das forças policiais do governo, e se o seu superior não o castigava pelos os seus erros, claro que ele continuava maltratando as pessoas pobres.                                        

Era do conhecimento de todos que o comandante Zé Rufino e seus subordinados, não se cheiravam bem com a matutada, pois existia um boato que os sertanejos espionavam os seus passos, quando muitas vezes matavam pessoas inocentes por puro prazer. E quando assassinavam bandidos, principalmente cangaceiros, sem nenhum constrangimento, decepavam as suas cabeças, só para serem considerados valentes e receberem simbolicamente troféus.   Temendo que os bandos fossem aumentando a quantidade de cangaceiros, Zé Rufino apoderou-se de um ódio contra a três rapazes que haviam chegado para residirem em Poço Redondo. Um deles era o jovem João, filho de um senhor chamado Terto. Ainda o Zé de Emídio, filho do nomeado Emídio, e um irmão do cangaceiro Diferente, alcunhado por Zé Grosso.  

Como em todos os lugares existe fofocas, não era de admirar que lá em Poço Redondo também surgissem mentiras ou verdades.  E quem inventou essa, ninguém sabia. Mas o mais árduo foi que a conversa tão mentirosa saiu alastrando todos os lugares, que os três rapazes estavam se preparando para se incorporarem ao bando de Zé Sereno. Como a mentira anda mais rápida do que a verdade, o tenente Zé Rufino ao tomar conhecimento, deu plenos poderes ao cabo Artur para arquitetar uma maneira muito inteligente e assassinar os três jovens, não dando chance a eles se aliarem aos cangaceiros, pois os eliminando antes de se firmarem no cangaço, não aumentaria mais bandidos.                                                      

Assim que Zé Rufino deu poderes ao cabo Artur para chaciná-los, de imediato deu-se pronto. Mas depois, duvidoso, pôs-se a si interrogar: Por que matar João de Terto, um jovem que quando chegava a Serra Negra não saía de sua casa, passando todos os momentos possíveis debaixo da saia de suas irmãs? Por que matar João de Terto que era como se fosse uma verdadeira moça? Ele, matar este rapaz, de jeito nenhum! Não iria cometer uma atrocidade desta contra um jovem que não tinha nem aparência de um homem violento. E agora, o que faria ele para não matá-lo? Os outros dois já estavam na mira de sua arma. Mas o João de Terto, de jeito nenhum o mataria.     

O cabo Artur não querendo fazer a morte do rapaz como havia recebido ordem do seu comandante, tomou uma decisão sábia, mas bastante arriscada. Como ele tinha bom relacionamento com a mãe de João, a dona Mãezinha, resolveu lhe dizer por baixo de sete capas as maldades de Zé Rufino contra o seu filho. E assim que dona Mãezinha tomou conhecimento do futuro extermínio do filho, ficou desesperada. Ficou sem saber o que fazer, uma vez que o cabo Artur fora generoso com a sua pessoa, dizendo-lhe as intenções maldosas de Zé Rufino. Mas não se aguentando, e não podendo tomar decisões próprias, foi de imediato à presença do chefe geral da polícia, João Maria de Carvalho. E lá comentou o que soubera das intenções do tenente contra seu filho João. Preocupado e não querendo desrespeitar a ordem de Zé Rufino, apesar de ser um dos seus subordinados, decidiu o seguinte: Mandar João e o seu pai Terto para trabalhar em sua Fazenda São Bento. Só assim eles ficariam protegidos contra os balaços das armas do cabo Artur, uma vez que ele não queria assassinar o rapaz de Terto.                           

Zé Rufino logo foi informado sobre a proteção que os dois haviam recebidos, filho e pai.  Mas a verdade era que ninguém sabia se houve uma combinação, isto é, uma jogada entre o coronel Zé Rufino com o chefe João Maria de Carvalho. Ou então, sem querer criar problemas com o seu superior, o tenente fingiu que não sabia de nada. Como um dos marcados para morrer já tinha sido acobertado pelo chefe superior, e que não teria mais chance de assassiná-lo, o tenente Zé Rufino ordenou que dois de seus subordinados, Doutor e o dito cabo Artur, fossem procurar Zé Grosso lá na Serra Negra. Lá, não se demoraram em fazer a chacina, pois o Zé Grosso foi surpreendido com dois infelizes tiros, falecendo ali mesmo.

Como a mentira tem a perna curta, dias depois os boatos que haviam surgidos nas calçadas pela vizinhança, que Zé Grosso e Zé de Emídio iriam entrar para o cangaço, a verdade apareceu. Ambos, jamais tinham pensado em algum dia serem cangaceiros. Mas o que foi protegido pelo João Maria, o João de Terto era um dos convictos que um dia iria entrar na volante do governo. Na finalidade de fortalecer seus amigos de Poço Redondo.  

MORTE REALIZADA, VINGANÇA FEITA

Mas como uma morte por crime sempre acontece outra semelhante, a vingança feita pelo irmão cangaceiro, não tardaria. E logo que o assecla Diferente tomou conhecimento da morte do seu irmão Zé Grosso, caiu em pranto. Entristecido, incentivou os comparsas para invadirem e descontarem em cima de Serra Negra. Mas o seu pedido no momento foi rejeitado. Os asseclas o alertaram que não colocasse a charrete na frente dos cavalos. Tivesse paciência. Pois a população daquele povoado iria pagar caro com uma horrorosa vingança. Mas Diferente estava muito sentido e não queria que se demorasse, pois tinha que lavar a honra do seu irmão também com sangue.                                                             

E quais seriam as vítimas mais fáceis? Nada mais, nada menos do que os trabalhadores de um agropecuarista chamado Galdino Leite. Estes eram os comboieiros que transportavam algodão em tropas para os avantajados armazéns do coronel Joaquim Resende, lá do Pão de Açúcar. (Aquele, leitor, que se reuniu com o capitão Lampião lá na Fazenda Floresta).                                        

O período em que aconteceu este episódio, foi no ano de 1936, e nesse dia, era um sábado. Lá na casa do agropecuarista os comboieiros se encontravam todos aglomerados e prontos para a partida em direção à feira de Curralinho.                                                

Como os cangaceiros sabiam a hora em que todos partiriam para os Armazéns do coronel Joaquim Resende, escolheram o lugar. E por lá, armaram as tocaias e se recolheram para esperarem suas vítimas. Os companheiros que juntamente com ele iriam fazer a chacina eram: Os cangaceiros Beija-Flor e Coidado.                            

Como o plano já tinha sido bem elaborado, estudado e calculado, os três asseclas tinham certeza de que fariam um bom trabalho sem complicação alguma.      

E lá nos esconderijos, sem muita demora, alguém pôs o focinho em direção ao local em que eles estavam. Observaram cuidadosamente para não se enganarem. E logo perceberam que era Agenor Pitomba, um senhor que ganhava o seu pão de cada dia através do seu acordeom, fazendo festas nas regiões adjacentes. Como não era o alvo, os facínoras deixaram-no caminhar tranquilamente.                                                             

Com alguns minutos passados, um por um foi passando, e sem menos esperarem, os asseclas saíram das tocaias.  As três armas olhavam para os tropeiros e todos ficaram surpresos com o que estavam presenciando. O que a final eles tinham feito contra aqueles cangaceiros? Com certeza, os asseclas estavam equivocados. E pelo que observaram não era brincadeira. Aquilo que se passava no momento era além de sério.                           

Temendo a morte, um tropeiro humilhou-se, pedindo-lhes que não os matassem, uma vez que não tinham culpas com o que fizeram com o seu irmão. Mas Diferente não estava ali para ouvir desculpas de qualquer um. E sem muita demora, ordenou que três deles iriam morrer.  Mas um ficaria vivo para contar a história lá na Serra Negra. Os quatro homens ficaram atordoados. Não existia nenhuma forma de reagirem e se salvarem daqueles cobradores de justiça injusta.  E qual dos quatro ficaria com vida? Quem iria contar a trágica história acontecida com os que morreriam? A sentença não seria voltada atrás. Com certeza três deles já tinham certeza que iriam devolver as suas almas a Deus.                                         

Assim que tomaram conhecimento das suas mortes, se sentiram desprezados pela força divina. E sem mais querer perder tempo, pensando se matava ou se soltava, Diferente disparou sua arma e derrubou um senhor chamado Manezinho Izidório. Beija Flor e Coidado, não esperaram por uma ordem de Diferente, atiraram em Miguel Casimiro Carlos e Antonio Pedro. E ali, todos caíram mortos. Diferente, irado, olhou para o último, dizendo-lhe que corresse antes que ele se arrependesse e o matasse também. E que dissesse lá na Serra Negra, que Zé Grosso tinha um irmão e era além de macho. Nessas alturas, sem mais esperar outra ordem de Diferente, o último dos quatro, o comboieiro Silvino se embrenhou às matas no seu sofrido animal. O seu desejo era sair dali o quanto antes possível, já que três haviam partido para p além.

Diz Alcino Alves que a população ficou alvoroçada. Mas como vingar aquele assassinato? Os cangaceiros eram quem ditavam as leis nas regiões sertanejas com o poder das suas armas. Qualquer um que tentasse impedir atos de crueldades e depredações deles podia ficar sabendo que o seu enterro era naquele mesmo dia. Com cangaceiros não se brincava.

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