Abordar temas
como revoltas e revoluções concatenando fatos dando voz e protagonismo aos
líderes, vitoriosos ou derrotados, limita o debate. O blog veicula a seguir,
artigo do historiador e pesquisador da Revolta de Princesa, José Tacares, sobre
o cangaceiro “Caixa de Fósco” – um fumante inveterado, cangaceiro associado a
Virgulino Ferreira e protagonista na Revolta.
José Tavares
de Araújo Neto
Nada se sabe
sobre as origens do cangaceiro Caixa de Fósforos, chamado pelos seus comparsas de “Caixa de Fósco”, apelido ganho em virtude do hábito de sempre estar
portando em mãos este pequeno recipiente, necessário para atender o seu vício de fumante inveterado.
Era um exímio batuqueiro neste tipo de instrumento musical improvisado.
Embora tenha
se destacado ao lado de Lampião, Caixa de Fósforos algumas vezes integrou o bando de Luiz Leão e até chegou a comandar um grupo autônomo. Esteve presente
em muitos eventos criminosos ocorridos naquela época, a exemplo do assalto a cidade de
Sousa, o latrocínio que vitimou o fazendeiro de Piancó João Clementino e os sangrentos
combates de Serrote Preto e Serra Grande.
A morte de
Quintino Pereira, ocorrida durante o histórico combate da fazenda Patos, em 24 de março de 1930, causou enorme comoção junto as hostes rebeldes. O cabo João
Paulino, que após o combate da fazenda Patos aderiu a causa do Coronel José Pereira, foi
o grande incentivador da retaliação contra a força que havia matado o importante membro
da família Pereira do Pajeú. Ele conhecia muito bem o local onde as forças policiais
estavam acantonadas, nos arredores do povoado de Alagoa Nova, atual cidade de Manaíra.
Um grupo,
constituído por cerca de 100 pessoas, se dirigiu a Alagoa Nova, a fim de atacar
o acampamento da Coluna Oeste, mas lá chegando não encontrou mais ninguém.
Precavidos, os militares haviam se retirado. No povoado, os libertadores se dividiram em
dois grupos: Um iria permanecer em Alagoa Nova e o outro seguiria para Tavares, a fim de
reforçar o contingente que se encontrava na defesa daquela vila.
Cangaceiros
“bons de bola”.
Os homens que
permaneceram em Alagoa Nova ficaram bem à vontade, não havia nenhum sinal de anormalidade que pudesse quebra r a monótona rotina do lugar. Era
tanto a tranquilidade, que o grupo se deu ao luxo de disputar uma partido de futebol .
Caixa de Fósforo, que não estava participando do jogo, decidiu ir a procura de cigarros e
fósforos em uma venda, localizada nas proximidades.
Ao se
aproximar do pequeno estabelecimento comercial, Caixa de Fósforos, surpreendido
por uma saraivada de tiros, foi gravemente atingido. Após um intenso combate entre
os libertadores e as forças oficiais, Caixa de Fosforo, ferido, foi resgatado e
conduzido para Princesa, entretanto, não resistiu, falecendo no caminho.
A versão do
correspondente oficial do governo.
O jornalista
João Lélis, correspondente de “A União”, assim relatou o episódio em matériapulicada em 6 de abril:
“Confirma-se
por informações inequívocas, a morte do perigoso bandoleiro Caixa de
Fósforos, criminoso muito temido em Pernambuco, e que era um dos lugares
tenentes
de confiança de José Pereira.
Depois do
covarde assalto aos 50 homens da polícia que estavam em Patos, o chefe dos trabuqueiros mandou esse famanaz salteador, com 30 homens, atacar Alagoa Nova.
A nossa força, porém, teve aviso da vinda do grupo e entrincheirou-se nas casas
do povoado, de modo que quando esse chegou a Alagoa Nova apresentava o aspecto de um lugar abandonado. Os bandidos puseram-se então à vontade, tendo até alguns deles começado a bater numa bola de futebol.
Foi quando a
força rompeu fogo contra eles, de modo violento, obrigando-os a fugir em completa desordem. Alguns dos bandidos ficaram mortos no campo e outros
correram com ferimentos.
Entre os que
receberam lesões graves figurou o célebre Caixa de Fósforos, que foi conduzido com destino a Princesa, onde, todavia, não chegou, morrendo numa
fazenda já perto da cidade.
Já não há,
também nenhuma dúvida sobre a morte do conhecido cangaceiro Quintino, um dos ajudantes de ordens de José Pereira, e primo do não menos famoso bandido
Luiz do Triangulo. Esse faleceu no ataque a Patos, caindo em consequência da heroica
resistência da vanguarda do tenente Nonato.
Desta
proximidade de Princesa é possível saber alguns pormenores sobre a situação da infeliz cidade transformada em Meca do cangaço pelos instintos ferozes de José
Pereira A situação ali permanece igual desde que se colocou em pé-de-guerra o
cangaceiromor . A cidade e os arredores não têm mais uma única família, porque
todas se retiraram tomadas de pânico diante da horrenda catadura dos homens que acudiram ao toque de reunir do bandido para formação do seu enfático exército
libertador. ”
Em Princesa, Caixa de Fósforos foi sepultado no “Cemitério Campo Santo” , com direito a um travesseiro sob a cabeça, honra exclusiva dedicada àqueles que se destacaram por atos de heroísmo e bravura.
Imagem: José Tavares é historiador e pesquisador do Cangaço. Atualmente está focado na finalização de livro sobre a Revolta de Princesa, pelo prisma dos combatentes governamentais e revoltosos.
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