Por: Rangel Alves da Costa
Estou lembrando o refrão da música “Brincos de Bela”, da dupla de aboiadores Vavá Machado e Marcolino: “Que saudade da mulata/ Que eu deixei no meu sertão/ Eu vi Bela chorando/ Fui lhe dar consolação/ Fiquei chorando mais Bela/ Na noite de São João/ E minha namorada ainda hoje chora, ainda hoje chora, ainda hoje chora...”.
Não troquei minha mulata por nenhuma Bela. Não haveria motivos pra fazer isso, vez que não troco a que tenho por um balaio de frutas verdosas. O problema é que, no meio jeito displicente de ser, desatencioso demais no viver, às vezes acabo ferindo a mulata, entristecendo de dor, fazendo com que ela chore sem merecer.
Certa feita saí dizendo que voltava já e não voltei. Dizem que beijei outra boca, coloquei a mão noutra mão, fui para um endereço que não era o meu. E a vida passando, só me dei conta de mim quando já estava no desvão do abandono. E por esse erro, minha namorada ainda hoje chora, ainda hoje chora, ainda hoje chora...
Sou metido a poeta e prometi um poema que já envelheceu de não ser escrito. Mas um dia remexeu nos meus escritos e encontrou mais de dez rimando com outras Belas, sem nenhum com o nome dela. Não tocou fogo em nada, não rasgou nem destruiu, apenas me perguntou o que faltava nela que tanto sobrava nas minhas musas inspiradoras. E depois entristeceu e chorou. E por isso mesmo, minha namorada ainda hoje chora, ainda hoje chora, ainda hoje chora...
Ela não me pedia nada, não exigia que eu desse nada, não fazia questão por presentes. Mas se eu perguntava um perfume ela dizia Alfazema; se queria saber de um gosto, ouvia um vestido de chita rodado; se queria saber de um sonho, a resposta era ter um abajur cor lilás; se perguntava sobre um objeto de uso, ela falava em miçanga de sol; se perguntava sobre a coisa mais docemente linda que queria receber, ouvia sobre a flor da manhã. E ela sabia que eu presenteava outras Belas. Não dizia nada, mas chorava no seu cantinho. E por isso mesmo, minha namorada ainda hoje chora, ainda hoje chora, ainda hoje chora...
Ela lavava minha roupa e mais cuidadosamente ainda a gola da camisa com marca de batom de outra boca; muitas vezes sentiu perfumes de aromas diferentes, marcas estranhas pelo meu pescoço; encontrou lenços estranhos pelos meus bolsos; outras vezes, enquanto eu dormia e sonhava, ela ouvia nomes de outras Belas, viagens com outras Belas, devaneios com outras donzelas; não perguntava porque repetia a mesma música cinco ou seis vezes, tomando vinho e mirando a janela como se estivesse viajando. Ela sabia onde eu queria estar e com quem viajar, pois seria com qualquer uma, menos com ela. Ainda assim silenciosamente ficava. Mas por isso mesmo, minha namorada ainda hoje chora, ainda hoje chora, ainda hoje chora...
Quando a chuva desceu de vez, abri a porta dos fundos e fui tomar banho no quintal, pulando feito criança, sem lhe puxar pelo braço para a festança do corpo; quando estava entristecido, querendo silenciosamente conversar com meu Deus, subi sozinho à montanha, passo a passo sem olhar pra trás, e ela ficou lá embaixo somente esperando que eu acenasse para que viesse acompanhar minha prece de toda vida; quando me vejo preocupado, com angústia visitando, fico pelos cantos e janelas, pensando no que fazer, mas sem jamais dizer uma palavra sequer do que estou sentindo. E por tudo isso ela sofre ainda mais que eu, sei bem disso. E por isso mesmo minha namorada ainda hoje chora, ainda hoje chora, ainda hoje chora...
Queria fazê-la feliz, mostrar desse amor que sinto, mas displicente como sou deixou sempre pra depois. Mas juro que tenho medo de o pavio queimar demais, a noite ficar sem luz, o sol se esconder qualquer hora. Nenhuma outra Bela virá me consolar quando olhar da janela e sentir minha doce flor indo embora. E o medo maior é saber que vai chorando e eu ficando com outros motivos para também chorar. E por isso mesmo ainda hoje choro, ainda hoje choro, ainda hoje choro...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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