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sábado, 16 de fevereiro de 2013

Dona Fideralina Augusto- Nota Premiliminar

Por: Dimas Macedo

Primeira filha de Isabel Rita de São José e do major João Carlos Augusto, antigo deputado à Assembleia Provincial cearense, nasceu Fideralina Augusto Lima em Lavras da Mangabeira (CE), aos 24 de agosto de 1832. Apesar de jamais ter vivido fora do seu município, sua fama de mulher destemida e audaz correu mundos, sendo considerada uma das maiores simbologias do mandonismo e uma das grandes expressões políticas do Ceará e do Nordeste.

Conhecida como figura de destaque do coronelismo, cujo espírito encarnou com a sua armadura de guerreira, Fideralina sempre levou às últimas consequências as vinditas com os seus adversários, ganhando ou perdendo as demandas com as quais se envolveu. Falecida aos 16 de janeiro de 1919, foi casada com o major Ildefonso Correia Lima, e entre os fatos marcantes da sua trajetória podem ser enumerados: a detenção do poder político supremo, em Lavras da Mangabeira, e a derrubada do seu próprio filho, Honório Correia Lima, da chefia da Intendência local.

Senhora de vastos domínios territoriais e de grande vocação para o exercício da política, em Lavras estabeleceu residência em casarão localizado na então Rua Grande, hoje Major Ildefonso, e sua vivenda de campo foi construída no sítio Tatu do mesmo município, ostentando, além da casa-grande, a senzala, a capela e o engenho, símbolos máximos da autonomia do sistema latifundiário. Vastíssima tem sido a crônica histórica a seu respeito, valendo destacar algumas opiniões de abalizados conhecedores da nossa história política, selecionadas entre a complexa bibliografia que regista a sua trajetória. Em torno de sua pessoa disse Antônio Barroso Pontes: “Dona Fideralina, que na sua época dominou toda a região sul do Ceará”. E Joaryvar Macedo: “Mulher forte, Dona Fideralina tornou-se uma das maiores expressões da política cearense do seu tempo”.

Dona Fideralina Augusto Lima

Assim opinaram Antônio Martins Filho e Raimundo Girão: “Valente espírito feminino a quem muito interessava a política cearense”. Já para Hugo Victor Guimarães foi Dona Fideralina uma “mulher extraordinária como expressão de bravura e coragem” e “uma das mulheres que tiveram maior projeção na vida política do Ceará”.

Para o pesquisador João Alves de Albuquerque, foi Dona Fideralina a “respeitável senhora que durante longos anos dirigiu a política de Lavras, cuja chefia lhe fora arrebatada pela morte, pois, só assim, lhe seria abatido o grande prestígio que sempre desfrutou em sua terra”.

O poeta Gentil Augusto Lima, em conferência proferida na Associação de Imprensa da cidade de Campos (RJ), em 1955, assim se manifestou sobre ela: “Mais brava e de muito mais valor do que Bárbara de Alencar, e ainda do que Anita Garibaldi”. Já o historiador Valdery Uchoa afirmou ser Dona Fideralina uma “mulher notável pelo seu destemor e pela sua bravura”.

João Clímaco Bezerra, em artigo estampado na revista Manchete (em 1976), buscando um paralelo para Marica Lessa, que inspirou o romance – Dona Guidinha do Poço –, de Oliveira Paiva, assim expressou o seu ponto-de-vista: “uma dessas mulheres que dominaram os sertões no tempo do império e que passaram ao lendário cearense como Dona Fideralina das Lavras da Mangabeira”. O historiador fluminense João Medeiros, em passagem de um dos seus livros, registrou que Dona Fideralina era uma mulher que, pela coragem e atitudes matriarcais, merecia o respeito em toda uma vastidão rural. E argumentou, em seguida: “Daí ser acatada sua palavra nos pronunciamentos políticos da região, pois conseguia ter seus filhos na representação do governo municipal, Assembleia Estadual e Câmara Federal”. E mais, revelou João Medeiros que o Padre Cícero, certa feita, chegou a ponderar que “não se podia escrever a história do Cariri sem se deter  na pessoa dessa digna matrona”.

Rachel de Queiroz

O testemunho mais lúcido sobre Dona Fideralina, no entanto, fica por conta de Rachel de Queiroz, que, em artigo estampado na revista O Cruzeiro, de 07 de agosto de 1976, depois de afirmar que essa destemida matriarca lavrense foi “a mais famosa dona do Nordeste, e a senhora de mais cartaz do seu tempo”, acrescenta que Dona Fideralina “foi uma espécie de rainha sem coroa, foi uma legenda”. Ainda segundo as palavras de Rachel, “Das margens do São Francisco aos seringais do Amazonas a palavra de Dona Fideralina era lei. Sendo de corpo uma fraca mulher como nós todas, tinha, entretanto, uma alma de varão, e como varão era não apenas reconhecida, mas temida”.

E prossegue a autora de O Quinze: “Como toda pessoa que cai no folclore, acontece que a figura de Dona Fideralina foi algumas vezes deformada, envenenada, pois a boca do povo sempre altera o que repete, para o bem e para o mal. E assim, porque Dona Fideralina não tinha medo de ninguém, porque sendo apenas uma mulher, sabia fazer-se respeitada como um coronel de bigodes; porque, num tempo em que o cangaço era a lei única e nem o exército podia direito com um bando de jagunços (exemplo: Canudos, Juazeiro, Princesa), Dona Fideralina também se cercava de cabras armados para a defesa dos seus e da sua casa”.

Na fase mais criativa da maturidade, ao publicar a sua obra-prima, Memorial de Maria Moura (São Paulo, Editora Siciliano, 1992), Rachel de Queiroz foi incisiva ao dizer que se tratava de um romance à clef, inspirado na vida de Dona Fideralina Augusto. E mais: chegou a publicar um folheto intitulado: Dona Fideralina das Lavras (Rio, UFRJ, 1990).

O Cego Aderaldo, num dos seus poemas em que historia a Revolução de 1914, que derrubou o Governo Franco Rabelo, no Ceará, dá-nos igualmente a dimensão dessa ilustre matrona sertaneja, quando diz: “Goesinho rolou no chão / temendo a bala ferina / mas quando ele conheceu / que ali havia ruína / correu com medo dos cabras / de Dona Fideralina”.

A sua participação na Revolução de 1914, conhecida por Sedição de Juazeiro, foi das mais decisivas para a vitória do Movimento. De uma só empreitada, segundo Floro Bartolomeu, ela teria colocado cinco mil cartuchos à disposição dos que lutavam contra o Governo de Franco Rabelo.

Padre Cícero

Otacílio Anselmo, que se refere a esse episódio, no seu livro Padre Cícero: Mito e Realidade (Rio, Editora Civilização Brasileira, 1968); e bem assim historiadores como João Brígido e Joaryvar Macedo atribuem um papel político de destaque a Dona Fideralina Augusto, diante da Sedição de Juazeiro e ao tempo da Primeira República.

Manteve Dona Fideralina relações de amizade com o Padre Cícero, e com os maiores coronéis do Cariri, colocando-se contra ou a favor dos que rezavam ou não rezavam pela sua cartilha, mandando e desmandando nas coisas da política sempre que achava que assim devia proceder. E o vulgo popular compreendeu, e a literatura de cordel assim registrou que ela, Dona Fideralina, diferente dos grandes coronéis do Cariri, queria mandar no mundo inteiro e não apenas na política da sua região. Na sua terra de berço, jamais admitiu que alguém tivesse mais poder do que ela, vivendo sempre às turras com o Monsenhor Meceno, político cearense da maior expressão e que foi vigário de Lavras durante o apogeu do seu mandonismo. Fidera vasculhou de tal forma a vida desse sacerdote, que terminou descobrindo, em Tauá, um deslize por ele cometido, dando ciência do feito a seus paroquianos, através de um panfleto bastante audacioso.

Na primeira década do século precedente, tomou partido em várias refregas memoráveis verificadas no Sul do Ceará, e de todas essas refregas saiu-se Dona Fideralina muito bem, fazendo, em Lavras da Mangabeira, o casamento da sua filha Josefa com o Juiz de Direito da Comarca, ameaçando-o com uma severa imposição, e tal forma que o magistrado se mudou depois para o Amazonas, não regressando mais ao Ceará.

Em 1902, como registra Joaryvar Macedo, em Império do Bacamarte (Fortaleza, Casa de José de Alencar, 1990), a velha matriarca de Lavras determinou a invasão de Princesa, no Estado da Paraíba, para vingar a morte do seu neto, Ildefonso Augusto, constituindo, na época, o Batalhão de Dona Fideralina, comandado por Zuza Febrôncio e que ali cumpriu fielmente a sua decisão.

Em Lavras, investiu-se com todas as prerrogativas no poder local, fazendo o jogo dos interesses políticos com a posição da Intendência; e, não conseguindo demover o seu filho, Honório Correia Lima, do cargo de Intendente, em 26 de novembro de 1907, retirou o mesmo do poder pela força do velho bacamarte, cobrindo-se depois de luto e se enfurnando em sua fazenda, durante certo tempo. O fato, como bem salientou o historiador Joaryvar Macedo, trouxe consequências funestas, não somente para os membros da família Augusto, da qual Dona Fideralina era o pedestal máximo de referência, mas para todo o município de Lavras da Mangabeira.

 
Casa de Dona Fideralina em Lavras da Mangabeira

Seu pai, João Carlos Augusto, antigo Deputado Provincial, fez-se, em toda a região do Vale do Salgado, um dos maiores líderes políticos do seu tempo. Afilhado e tido como filho natural de um governador do Ceará (o Barão de Aracati), trazia do berço, o Major João Carlos, os requintes da aristocracia; e como bom guerreiro e líder político do seu povo, chefiou as tropas que libertaram a Vila de Lavras dos asseclas de Pinto Madeira.

Em 1832, ano em que Dona Fideralina nasceu na Capital do Médio Salgado encontrava-se dominada por esse grande caudilho de Jardim, que espalhava terror e sobressalto em todas as ruas do lugar, às vezes, até em parceria com o Padre Verdeixa, o vigário lavrense de então.  Esse desmiolado Padre Verdeixa, conhecido pela alcunha de Canoa Doida, foi quem batizou Fideralina Augusto, aos 19 de setembro de 1832, na Igreja Matriz de São Vicente Ferrer, recebendo ela, na pia batismal, o nome que o seu pai achava muito próximo dos ideais federalistas e da forma de Estado nos quais acreditava, e pelos quais os seus familiares lavrenses haviam lutado bravamente.

O entorno familiar de Fideralina Augusto fez-se, todo ele, cercado de tragédias e acontecimentos que chamam de plano a atenção: seu tio-avô, pelo lado materno, José Joaquim Xavier Sobreira, vigário da freguesia de Lavras e político de grande atuação em todo o Ceará, foi envenenado; sua tia, pelo ramo paterno, Cosma Francisca de Oliveira Banhos, assim como seu pai, João Carlos Augusto, e o seu irmão, Ernesto Carlos Augusto, foram assassinados; e seu primeiro neto a formar-se em Medicina, Ildefonso Augusto de Lacerda Leite, foi trucidado de forma violenta na Vila de Princesa, em 1902.

Mas Dona Fideralina, com os fulgores da sua fortaleza, sobreviveu a todas as tragédias, à ferrenha oposição da sua irmã, Dulcéria Augusto de Oliveira, e a todas as circunstâncias difíceis da sua trajetória. Teve que tomar decisões que lhe fizeram sangrar o coração, tal aquela de optar por um filho, o Coronel Gustavo, e ter que derrubar o outro do poder político pelo uso da força. Episódios verificados na cidade de Lavras entre 1907 e 1910 e, especialmente, entre 1911 e 1914, trouxeram-lhe vários dissabores, e dividiram definitivamente os descendentes da família Augusto, ao preço de assassinatos memoráveis, tal aquele perpetrado contra o seu próprio filho, o célebre Coronel Gustavo.

Como nenhum mandatário do seu tempo, Dona Fideralina encarnou as instituições vigentes em sua época, juntando, ao seu patrimônio de latifundiária, várias possessões de terras do município, e garantindo a sobrevivência do feudo com o trabalho servil de base escrava, que jamais aboliu nas cercanias das suas fazendas e na casa-grande do sítio Tatu.

Sítio Tatu

Ali, ignorou a abolição da escravatura e durante a primeira década do século precedente continuou sendo carregada de liteira pelas ruas de Lavras, segundo os seus próprios descendentes, que com ela conviveram de perto e testemunharam a sua maneira ousada de viver. No sítio Tatu – como reza uma quadra popular –, não apenas criou negros para o sei deleite, mas os transformou em expressões de relevo da vida social do município, exportando-os também para outras regiões do Ceará, tais os casos de José Ferreira da Silva (o Zé Rainha), personagem de destaque do carnaval de Fortaleza; e de Luís Preto, que foi imortalizado por Batista de Lima num dos seus poemas de maior expressão.

Vivendo num momento marcado pela presença do banditismo das hordas facínoras de cangaceiros, não deixou de arguir em torno de sua defesa pessoal, na preservação dos interesses legitimados pelo seu código de honra, homens ágeis no manejo do trabuco como um Antônio Preto ou um Nego Bento, ou ainda cangaceiros destemidos do porte de um Miguel Garra. Desfrutou Dona Fideralina as concessões sociais da sua época; mas é certo também que dispensou as regalias que lhe eram conferidas pelo sistema latifundiário, fazendo o percurso do sítio Tatu até a sede municipal nas costas de possantes cavalos, sempre com um bacamarte na lua da sela, cena varonil que deixou marcantes impressões no Dr. Augusto Dias Martins, que exerceu as funções de Juiz de Direito da Comarca de Lavras, no final do século dezenove.

Viúva ainda muito jovem, assim permaneceu até a data do seu desenlace, sublimando a sua solidão e, possivelmente, a sua libido, com a energia que movimenta o mundo da política, mas surpreendendo, também, pelo gosto que demonstrou pelas coisas da cultura, tendo sido, em Lavras da Mangabeira, correspondente da revista Estrela, fundada e dirigida em Fortaleza (e depois em Baturité e Aracati) pela escritora Francisca Clotilde.

O seu esposo, Ildefonso Correia Lima (16.3.1928 a 27.12.1876), natural de Várzea Alegre, exerceu, na Vila de São Vicente das Lavras, preponderante atuação política, tendo ali ocupado os cargos de membro da Guarda Nacional, juiz municipal, delegado de polícia, vereador e presidente do Poder Legislativo, o que correspondia na época ao cargo de Prefeito. Além do seu marido, todos os seus filhos, genros e cunhados protagonizaram de tal modo o poder político em sua terra, que se torna difícil, na história de Lavras, encontrar um cargo de chefia do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário (estadual ou municipal) que não tenha sido por um deles monopolizado, isto desde quando ela resolveu encarnar a política como vocação, somente deixando de reinar após a sua morte, em 1919.

Conhecida igualmente por Fidera, ou Didinha, como ainda hoje lhe fazem referências alguns membros da família, o certo é que Dona Fideralina Augusto tem presença assegurada na história das transformações políticas por que passou o Ceará nas primeiras décadas da República Velha.


Figura lendária e até certo ponto mitológica, em seu município e na região Sul do Ceará, a sua condição de matriarca de uma prole que por diversas razões se tem destacado no Ceará e além-fronteiras, imprime-lhe respeito ao nome e aos valores da sua tradição.

Em Dona Fideralina, a vocação maior foi sempre a política, que recebeu como herança dos ancestrais e que tão bem soube transmitir como legado aos seus descendentes. Três dos seus filhos tomaram assento como deputados na Assembleia Legislativa estadual, tendo dois deles exercido o cargo de Vice-Presidente do Estado. 

Dois dos seus bisnetos chegaram ao Senado Federal e nele tomaram assento, e doze outros descendentes seus exerceram mandatos de Deputado. Diversos membros da sua estirpe memorável têm exercido postos de destaque na vida política, administrativa e econômica do Estado, bem como em outros setores da vida social do Ceará.

É vasta a bibliografia a seu respeito. Entre livros e opúsculos, no entanto, sugiro a remissão às seguintes fontes: Dona Fideralina das Lavras (Rio, 1990), de Heloisa Buarque de Holanda e Rachel de Queiroz; Uma Matriarca do Sertão – Fideralina Augusto Lima (Fortaleza, 2008), de Melquíades Pinto Paiva; e A Vocação Política de Fideralina Augusto Lima(Fortaleza, 1991), de Rejane Augusto.   

Dimas Macedo
www.dimasmacedo.blogspot.com.br

NOTA CARIRI CANGAÇO: Fideralina Augusto é a personagem principal da Avant Premier do Cariri Cangaço em grande estilo na cidade de Lavras da Mangabeira; é esperar para conferir.

http://cariricangaco.blogspot.com

Faça uma visitinha a este site:

http://cantocertodocangaco.blogspt.com

O link tem a palavra cangaço, mas não tem nada a ver com o tema. Foi um erro na sua criação, e ainda não conseguimos outro link de acordo com o material postado nele.

Um comentário:

  1. D. Fideralina era casada com um filho de Raimundo Duarte Bezerra (Papai Raimundo, fundador de Várzea Alegre).
    Com D. Fideralina aconteceu uam coincidência, um antagonismo quanto ao seu nascimento e morte: Ela nasceu no ano de 1932 (ano que as tropas de Pinto Madeira e o Padre Benze-Cacetes se enfrentaram com as tropas legalistas em Várzea Alegre, localidade de Piripiri (Várzea Alegre ) na época pertencia a Lavras, vindo a se emancipar-se em 1870.
    Mas a coincidência é que 1832, ano do nascimento, foi um dos invernos mais pesados do Ceará,segundo o historiador Arton de Farias e faleceu em 1919, ano de uma das maiores secas do Nordeste.

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