A Estética do
Cangaço, por Frederico Pernambucano de Melo ( TEXTO PUBLICADO NA REVISTA MENSCH
(N30, MAIO DE 2011)
O universo do cangaço sempre foi um assunto muito próprio do universo
masculino, onde os homens dominavam e comandavam seus grupos. Tanto que o mais
famoso representante dessa cultura de foras da lei, o Mestre Virgulino, vulgo
Lampião, até hoje é tema de livros e estudos. Sempre com histórias ligadas a
nossa cultura, em especial pelo cangaço que nos fascina com seus “causos” e
relatos. Para saber um pouco mais dessa cultura fomos atrás do celebre escritor
pernambucano Frederico Pernambucano de Melo, que recentemente lançou o livro
“Estrelas de Couro, a Estética do Cangaço” que mostra a face oculta quando se
fala em cangaço. Frederico é Procurador Federal e Historiador, pesquisou a
fundo as histórias do cangaço e passou dias na caatinga como os antigos
“cabras” do bando de Lampião.
E em breve será o curador do Museu no Estado sobre o tema. Sobre a vontade de
ser escritor e falar sobre o cangaço, Frederico nos falou não saber se o homem
descobre a vocação ou se a vocação descobre o homem, mas o fato é que ele é um
homem dos dois mundos já que a família do pai é do litoral e a da mãe do alto
sertão. Quando jovem Frederico gostava de ouvir as histórias dos antigos
cangaceiros que fizeram parte do bando de lampião que costumavam freqüentar sua
casa para escutar suas histórias, nessa época já sentia necessidade de relatar
e perpetuar para história o conhecimento de um universo real nordestino e da
sua saga mais apaixonante que foi o cangaço.
Frederico foi muito amigo do escritor e sociólogo Gilberto Freire, que era
primo de seu avô paterno Ulisses Pernambucano de Melo, essa amizade começou na
época em que ele fazia faculdade, já que seu maior desejo era fazer parte do
grupo montado por ele e composto por Silvio Rabino (psicólogo social), René
Ribeiro (escritor), Estevão Pinto (historiador) e tantos outros. Frederico
passou 15 anos trabalhando como assistente dele, seu ensinamento mais precioso
foi sobre a percepção. Ele dizia que a percepção era a porta de entrada para
grande inteligência e completava com a frase “prestem bem atenção a pormenores
que iluminam”.
Mas como você avalia a opinião popular sobre o cangaço? “Cambiante como sempre
já que é contada por duas vertentes, a dos antigos oficiais de polícia que
tinham combatido o cangaço e que por isso os demonizava e pelos marxistas que
desculpavam todas as brutalidades cometidas pelos mesmos.” Sobre os autores que
dedicaram parte da sua vida a relatar sobre o cangaço, Frederico nos cita José
Lins do Rego com “Pedra Bonita” e “Cangaceiros”, Graciliano Ramos com “Vidas
Secas”, Cândido Portinari com a coleção "Cangaceiros", na Europa
quando o tema é citado através de Glauber Rocha com “O Dragão da maldade Contra
o Santo Guerreiro” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e Lima Barreto com o
filme “O Cangaceiro”.
Frederico vê o cangaço como um movimento de irredentismo brasileiro, já que no
processo de descobrimento os europeus relatavam que aqui se vivia "sem lei,
nem rei e se era feliz". “Esse mito fez com que certos grupos sociais no
Brasil desde os primórdios da colonização ficassem a margem do processo que se
desdobrou a partir de uma ideologia chamada mercantilismo que é considerada
como o pré-capitalismo. Foram esses os valores que o descobridor nos trouxe.
Alguns grupos se afeiçoaram e aceitaram até serem escravizados para entrar no
processo econômico e de grande prestígio dos metais nobres, os que não se
renderam a esses encantos se mantiveram as margens e muitas vezes de arma em
punho para uma possível defesa.”Sobre como surgiu a idéia de misturar versos
populares em trechos do seu livro “Guerreiros do Sol”, Frederico nos fala que
“surgiu para mostrar a cultura e a história de um povo que por muitas vezes só
recebeu notícias através dos versos cantados na boca dos ciganos, no sertão
ainda é comum reunir as pessoas para declamar canções, versos ou causos.”
Uma curiosidade bem comum é sobre o significado e a importância dos símbolos
estampados nas peças que eram usadas pelos cangaceiros. Que na verdade, segundo
Frederico, era a representação das crenças populares onde se buscava nos
símbolos uma forma de proteção. Além de trazer defesas e atacar os
inimigos, muitos serviam como adorno estético. Um dos principais é a estrela de
Salomão que é uma espécie de blindagem, já que os cangaceiros acreditavam que
elas devolviam todo mal que era desejado a eles.
Frederico nos relata uma curiosidade interessante, que tais adornos eram feitos
pelos próprios cangaceiros, exímios costureiros e pode-se dizer até que eram
“estilistas”, que muitas vezes desenhavam antes de iniciar a costura. Em
alguns caso costurar rendia a um “cabra” a liderança de um subgrupo já que
assim ele conseguia “condecorar” seu bando. Para saber um pouco mais sobre
a estética e a influência do cangaço na sociedade, recomendamos, além dos
filmes citados por Frederico, os seus dois livros, “Estrelas de Couro, a
Estética do Cangaço” e “Guerreiros do Sol”.
Fonte: REVISTA MENSCH (N30, MAIO DE 2011) Texto/ Entrevista: Jamahe Lima
Postado por Prof. Petrônio Lima
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