Matheus
Nachtergaele escreve carta para Ariano Suassuna; leia.
Ator aclamado
pelo papel de João Grilo em 'O auto da compadecida' homenageia o autor em texto.
O momento de comoção por
Ariano Suassuna tomou conta do Brasil. Além de familiares e amigos próximos,
escritores, atores, políticos e leitores exaltam a relevância do paraibano. Um
deles é o ator Matheus Nachtergaele, que escreveu uma carta para o autor de 'O
auto da compadecida', internado na UTI do Real Hospital Português desde a
última segunda-feira.
No texto, o intérprete do emblemático personagem João Grilo, da adaptação para a TV e cinema da obra, descreve a importância do papel em sua vida e fala sobre o afeto que cultiva pelo escritor.
Leia a carta na íntegra:
No texto, o intérprete do emblemático personagem João Grilo, da adaptação para a TV e cinema da obra, descreve a importância do papel em sua vida e fala sobre o afeto que cultiva pelo escritor.
Leia a carta na íntegra:
Ariano Suassuna - autor do Auto da Compadecida
Quem te escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. Um dos cavalos do teu
Grilo. Aquele que te sente todos os dias, nas ruas, nos bares, nas casas. Toda vez que
alguém, homem, mulher, criança ou velho, me acena sorrindo e nos olhos
contentes me salva da morte ao me ver Grilo.
Esse que te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: Por Jó,
cavaleiro sábio que
insistia na pergunta primordial. Por Trepliev, infantil édipo de talento
transbordante e melancólicas desculpas. Fui domado por cavaleiros de
Sheakespeare, de Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes cavalgado por Dias Gomes.
Adentrei perigosas veredas guiado por Carrière, por Büchner e Yeats. Mas de
todos eles, meu favorito foi teu Grilo.
O Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem forçar com ferros minha boca
cansada. Sentou-se sem cela e estribo, à pelo e sem chicote, no lombo dolorido
de mim e nele descansou. Não corria em cavalgada. Buscava sem fim uma paragem
de bom pasto, uma várzea verde entre a secura dos nossos caminhos. Me fazia
sorrir tanto que eu, cavalo, não notava a aridez da caminhada. Eu era feliz e
magro e desdentado e inteligente. Eu deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal
percebia a beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. O amor que já sentia por
ele, e por você, Ariano.
Depois do Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser
domado, que encontra saídas pelas cêrcas de arame farpado, e encontra sempre
uma sombra, um riachinho, um capim bom. Você Ariano, e teu João Grilo, me
levaram para onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a morada dos
corações de toda gente daqui desse país bonito e duro. Depois do Grilo de você,
que é você também, que sou eu, fui morar lá no rancho dos arquétipos, onde tem
néctar de mel, água fresca e uma sombra brasileira, com rede de chita e tudo.
De lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris secos e coloridos, uns reis e uns
santos. De lá, vejo você na cadeira de balanço de palhinha, contando, todo
elegante, uma mesma linda estória pra nós. Um beijo, meu melhor cavaleiro.
Teu,
Matheus Nachtergaele"
http://divirta-se.uai.com.br/app/noticia/arte-e-livros/2014/07/23/noticia_arte_e_livros,157575/matheus-nachtergaele-escreve-carta-para-ariano-suassuna-leia.shtml
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