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domingo, 23 de novembro de 2014

Lampião e Santa Luzia

Por Raul Meneleu Mascarenhas

"Se eu soubesse que Santa Luzia era a Padroeira de Mossoró, eu não tinha atacado."
pastoraldacriancadmossoro.blogspot.com - Catedral de Santa Luzia de Mossoró - RN

Quando minha avó, por parte de mãe, sentava em sua cadeira de balanço, sentávamos a seus pés para ouvirmos as estórias de sua terra. Nascera na vila de Campo Grande, cidade do Rio Grande do Norte, que passara a ser chamada de Augusto Severo e hoje novamente Campo Grande. 

Chamava-se Maria Albertina Jácome e nasceu a 18 de março de 1900 e foi batizada pelo Vigário Amaro Castor Brasil na Matriz desta Vila de Campo Grande a 15 de abril do mesmo ano tendo por Padrinhos João Cícero Pereira e Silva e D. Maria Eugenia de Medeiros. 

Vinha de uma família numerosa de mais onze irmãos, onde o chefe do clã chamava-se Coronel Benvenuto Jácome, pequeno fazendeiro, tinha nascido em 14 de Maio de 1854 e falecido em 18 de setembro de 1919 e a matriarca Izolina Maria da Câmara Jácome, nascida em 13 de abril de 1861 e falecida a 19 de agosto de 1926.

Quando minha mãe, Maria de Lourdes Mascarenhas tinha três para quatro anos de idade, sua família mudou para a cidade de Mossoró, onde Lampião, o Rei dos Cangaceiros, fizera uma invasão mal sucedida e onde perdera dois cabras mais valentes de seu bando. Minha avó, minha mãe e seus irmãos, fugiram de Lampião nessa invasão, e apenas na cidade ficara seu esposo, Francisco de Assis Mascarenhas Filho, O Chico Santeiro, filho de Francisco de Assis Mascarenhas e Rosa Verbolina de Carvalho, pois ficara nos arranjos de proteção da cidade. Como voluntário ficou destacado para a guarda da casa da Dona Ná Oliveira, que era muito grande e estava sem proteção.

Uma das estórias além da que descrevo acima, contava-nos que Lampião ao saber que Santa Luzia era a padroeira de Mossoró, teria dito que se soubesse antes de seu ataque à cidade, jamais teria feito aquilo, pois era devoto dessa Santa, por causa de seus males nos olhos.

Lampião tinha problemas na visão (os diagnósticos de glaucoma, tracoma ou leucoma foram algumas das hipóteses aventadas) e que ainda por cima ele teria sido ferido por um espinho, acidente muito comum nessa região coberta de plantas espinhosas.

Conforme as versões, o olho direito era parcial ou totalmente cego. É provável que tenha havido inicialmente uma cegueira parcial, que se agravou com o tempo. Muito raramente a doença ocular foi atribuída a um ferimento em combate, embora em seu livro Lampião, senhor do sertão: vidas e mortes de um cangaceiro, Elise Grunspan-Jasmin escreve em uma nota, que o sertanejo João Urbano Nazário de Lucena afirma que Lampião perdeu seu olho durante um combate em Abóboras.
Cita o artigo do Jornal Pequeno de 29 de março de 1926, descrevendo Lampião ao ensejo de sua entrada triunfal em Juazeiro, insiste em seu "olhar perscrutador", apesar de seus olhos estarem sempre "abaixados". Um de seus olhos é cego e recoberto de um tipo de "pasta azulada cobrindo quase todo o globo ocular". 

Prossegue Elise Grunspan-Jasmin dizendo que o escritor Joaquim Góis evoca “um [...] olho apagado pela cegueira. O outro, no meio, um disco negro como carvão, brilho de aço polido, de vidro ao sol, brilho insolente, provocante, seco, dardejando faíscas que, mal apontavam, morriam sob as pálpebras. [...] Um par de óculos ordinários sobre o nariz reto, sem saliência notável, nariz feito para ser apenas um nariz qualquer. Atrás daqueles dois vidros, um olho só brilhava, esfolava, esquadrinhava, adivinhava intenções ocultas e pensamentos disfarçados.“

Nas narrativas, de Elise Grunspan-Jasmin essa doença ocular é percebida ora como um atentado físico que deixa intacta e até mesmo redobra as suas forças, ora como um sinal de debilidade e vulnerabilidade. O próprio Lampião nunca quis sofrer com isso, afirmando que um único olho lhe seria suficiente para atingir o seu alvo. 

Transcrevo abaixo os comentários de Elise Grunspan-Jasmin em seu livro:

“Esse ponto de vista é” compartilhado por seus companheiros e, até 1934, pelos jornalistas do sertão: "Lá nos desertos sertanejos, quase cego, ferrado de balas, naturalmente mais velho, é, sobretudo desfalcado dos 'bons cabras' do Pajeú, tombados nas 'brigadas' de toda parte, ainda assim ele se mostra mais audaz que os bandoleiros mexicanos...". O homem de quem se fala aqui é guerreiro valoroso, e não um homem alquebrado, que sobrevive apesar dos ferimentos. Por sua vez um discurso difundido pela imprensa do litoral do Nordeste insiste em ressaltar a vulnerabilidade provocada por essa deficiência. 

No dia 30 de janeiro de 1927, um artigo do jornal O Ceará evoca, com o testemunho do fazendeiro João Pontes Simões, residente na época em Barbalha, alguns delitos marcantes perpetrados por Lampião no Estado do Ceará. As informações dessas testemunhas visuais permitem ao jornalista confirmar, de "fonte autorizada", o declínio do "chefe da horda malfazejo", bem como a perda da sua invulnerabilidade causada pela degradação de seu corpo: Hoje em dia, o bandoleiro "Lampião" não mais toma parte nos combates, nem mesmo atira por estar completamente cego de um olho e paralítico de um braço. O terrível malfeitor acompanha, apenas, o grupo, como um comandante armado de pistola parabelum".

Pode-se perguntar se não se trata de um discurso conjuratório, destinado a tranquilizar a sociedade do litoral, até então a salvo das perversidades de Lampião. Muitos artigos de jornais insistem nos óculos que Lampião usava: uns falam de vaidade, pois se trata de esconder o olho enfermo, outros da necessidade de melhorar sua visão ou de atenuar sua fotofobia.

Um artigo do jornal O Povo de Fortaleza, de 5 de agosto de 1928, descreve esses óculos "com vidros esfumaçados, engastados em tartaruga e ouro, com o fim de encobrir um extenso leucoma da córnea do olho direito". Quando a revista A Noite Ilustrada de 2 de agosto de 1938 dá uma descrição física de Lampião com base nas fotografias de Benjamin Abrahão, o jornalista sustenta que aqueles óculos negros não somente permitiam a Lampião esconder seu olho direito na vida cotidiana, mas principalmente lhe davam a possibilidade de esconder esse defeito quando ele se expunha ao olhar dos outros na fotografia: As gravuras reproduzem as ultimas fotografias de "Lampião" e de sua amante, feitas por um "câmera-man" audacioso para um filme que não chegou a ser exibido, mas nas quais aparecem as indumentárias típica dos bandoleiros.

O bandoleiro apresenta bem visível o defeito no olho direito, disfarçado, em suas fotografias divulgadas pelo uso habitual dos óculos. Outra sutileza: Waldemar Ferreira, a serviço da firma Fernandes Motta, conheceu Lampião em Queimada, BA, em 22 de dezembro de 1929; diz ele que Lampião não usava óculos no dia-a-dia, mas apenas para ser fotografado.

Isso faz pensar que ele procurava esconder seu olho cego somente na frente da objetiva, para preservar assim a imagem de um corpo intacto. Quando o poeta de cordel João Martins de Athayde descreve Lampião fisicamente, em 1926, por ocasião de sua entrada triunfal em Juazeiro, não deixa de fazer referência ao seu olho "doente", esse olho cuja moléstia é preciso dissimular com a utilização de óculos negros."

CONCLUSÃO:

Por tudo isso relatado a respeito do problema de visão que Lampião tinha, onde muitas vezes perdia a paciência, pois remelavam seus olhos e ele sentia-se descontente com isso, e por conta ficava cada vez mais perverso, acredito piamente no que minha avó me contava. Sim Lampião deve ter se arrependido muito de ter atacado uma cidade em que sua protetora era e é Santa Luzia, a Santa dos cegos e dos que têm problemas de visão.

http://meneleu.blogspot.com.br/2014/11/lampiao-e-santa-luzia.html

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