Material do
acervo de Antonio Corrêa Sobrinho
CAPITÃO, NÃO:
CORONEL
Tipo clássico
de caboclo, grosso e atarracado, cabelos e bigodes grisalhados pela ação do
tempo e das lutas na caatinga, olhos brilhantes, mas sempre ressumbrando
desconfiança, o dizimador do mais terrível conjunto de cangaceiros que já atuou
no árido Nordeste avistou-se com a reportagem no saguão do principal hotel da
capital alagoana. “É ao capitão João Bezerra que temos o prazer de nos
dirigir?” – perquirimos. E o nosso interlocutor, erguendo-se da poltrona: “Não.
É ao coronel João Bezerra”. Tentando contornar o equívoco, observamos: “Creio
que seria dispensável dizer que seu nome é conhecido em todo o País”. E ele,
fitando o repórter ainda sem muita identificação: “Parece que sim.”
Vencido o constrangimento
inicial, provocado pelo engano relativo à patente, o coronel João Bezerra
dispôs-se a falar fluentemente, sem peias. Mais adiante, chegaria a
confidenciar ao major Ataíde, assistente-militar do Governador do Estado e
coordenador da entrevista, que gostara do repórter, que se lhe afigurara “um
bom cabra perguntador”, salientando, ademais, que demonstráramos grande
confiança em sua narrativa.
SAUDADE DOS
PÉS DE ÁRVORE
Perguntamos ao
coronel João Bezerra como e onde vive, atualmente. E completamos - Sente
saudades daqueles tempos árduos de militança na Força Pública estadual?
O coronel João
Bezerra prendeu no lábio um tênue sorriso que se insinuava e afirmou:
- Trago no
peito a nostalgia da minha Polícia Militar e mais até dos pés de árvore, a cuja
sombra eu descansava durante os dez anos que combati.
Contou-nos, a
seguir, que se reformou há seis meses, no posto de coronel. Quando liquidou o
bando de Lampião era um simples tenente, de 33 anos de idade, nascido em
Afogado das Ingazeiras, município de Pernambuco, nos lindes desse Estado com a
Paraíba. “A comuna divide-se na serra”, explicou melhor. Abeirando-se dos
cinquenta anos, passou a se dedicar por completo à fazenda Aquidabã, de sua
propriedade, localizada no distrito de Ibateguara, município de São José de
Lajes, em Alagoas.
ONDE O ARADO
SUBSTITUI A ESPINGARDA
- Na minha
propriedade rural – informa o entrevistado, com indisfarçável orgulho –
desenvolve-se uma apreciável criação de gado. Demais disso, planto café, cana
de açúcar e cereais. Raramente, em consequência, venho à capital do Estado.
O repórter
indaga se ele se enquadrou no novo regime. A resposta vem, sem titubeio:
- Integrei-me
perfeitamente na qualidade de fazendeiro, após os meus trinta e quatro anos de
farda.
E quando o
repórter comenta que, assim, o arado está substituindo a espingarda, ele
contravém, reticencioso:
- Mais ou
menos...
ALGUMAS
“BRIGUINHAS” EM 1930
Já mais à
vontade com o jornalista, o coronel João Bezerra adianta que sua primeira filha
se formou recentemente em comércio; outra está terminando o curso ginasial em
São José de Lajes, enquanto o terceiro filho, de apenas seis anos de idade,
ainda não se afastou da fazenda para estudar. E, reportando-se a um aspecto
pouco vulgarizado de sua vida, acrescentou:
- Fiz todas as
campanhas contra o banditismo organizado e ofereci combate ao Sr. Luiz Carlos
Prestes. Como sargento, em 1926, incorporei-me à 6ª Companhia de Alagoas. Em
1930, fiz excursão deste Estado ao Rio de Janeiro. Viajei três meses, enquanto
durou aquela questão, a saber, as briguinhas que então surgiram no País.
RECORDANDO
GÓIS E O BRIGADEIRO
O coronel João
Bezerra acaricia gostosamente uma faca – e o fotógrafo opera a chapa. O
entrevistado larga o instrumento e pede a repetição da fotografia. É atendido e
agradece:
- Agora, eu
fiquei mais bonito...
Retoma, então,
o fio do relato:
- Em 1932,
participei da Revolução Constitucionalista de São Paulo. Estive sob o comando
do general Pedro Aurélio de Gois Monteiro, de quem fui amigo e a quem sempre
considerei um extraordinário tático. Fui aproveitado, outrossim, como chefe da
tropa de vigilância no Campo de Aviação de Rezende, dirigido, inicialmente, pelo
então capitão Dyott Fontenele e, em seguida, pelo então major Eduardo Gomes.
Servi, também, com o “Melo Maluco”.
PRIMEIROS
ELOGIOS NAS FOLHAS
O vento
ligeiro de Maceió – réplica nordestina do minuano dos pampas – arremessa-se com
violência de encontro à janela, junto à qual se desenrolava a entrevista.
Perguntamos ao coronel João Bezerra se o vento o estava importunando. E ele:
- Deixa ficar,
que não dá pra derrubar nenhum cabra de raça. O nosso entrevistado é homem de
memória realmente excepcional: afiança que um graveto que tenha estalado sob
sua bota nas longas andanças pelos sertões atormentados do Nordeste certamente
será lembrado, caso se faça necessário. Voltando a discorrer sobre o movimento
de 1932, acrescenta:
- Ainda hoje,
lamento tenha sido desmoronada uma tropa nossa em Bocaina, onde se travaram
diversos combates machos. Os jornais referiram-se elogiosamente à minha
atuação, por eu ter tomado a vanguarda da porfia.
CONTINUA...
“O GLOBO” –
26/06/1957
Fonte: facebook
Página: Antonio
Corrêa Sobrinho
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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