Por Tomislav R.
Femenick – Historiador
No dia
31 de janeiro de 1926, quando o jovem Padre Luiz Ferreira da Mota (o célebre
Padre Mota que depois viria a ser vigário geral, prefeito e deputado estadual)
tomava posse como o novo vigário de Mossoró, correu a notícia de que os
revoltosos da Coluna Prestes estavam na iminência de atacar a cidade. Em ata
paroquial, o Padre Mota registrou o impacto que a noticia de um provável ataque
da Coluna a “capital do oeste” teve entre a população da cidade. Dizia ele:
“Neste mesmo
dia, espalhou-se pela cidade o terror da notícia de que os revoltosos se
encaminhavam para nossas fronteiras, noticia que foi divulgada pela manhã, e
logo começou o êxodo da população. Quando me dirigia para a Matriz, às 8 e
meia, para a posse, fui, com surpresa, avisado do que se passava e sobretudo de
que certas pessoas de autoridade e responsabilidade já haviam abandonado,
precipitadamente, a cidade. Diante desta situação, resolvi fazer um apelo de
tranquilidade ao público, para melhor se resolver a situação e convocar uma
sessão de todas as autoridades e pessoas de responsabilidade, o que fiz de
púlpito, com palavras repassadas de fé no patrocínio de nossa Virgem Padroeira,
Santa Luzia, e também de confiança no patriotismo do nosso povo. A sessão
realizou-se no mesmo dia, a 1 hora da tarde, no edifício do Colégio Diocesano,
com grande comparecimento de povo e nela tomaram-se medidas que são do domínio
público. Dai por diante, nos dias de aflição e apreensão para o nosso povo,
sempre tomei a dianteira de todas as manifestações civico-patrióticas pela
defesa da nossa cidade, procurando, sobretudo despertar o ânimo do povo,
aconselhando a calma, prudência e permanência na cidade, para guarda dos
acontecimentos. Aprouve a Deus que tudo se passasse sem desgraças e atropelos
para nosso povo; os rebeldes tomaram outro rumo e nossa população voltou à paz
do costume, que a caracteriza. Todos [nós] reconhecemos, nesta salvação de
tamanho flagelo, [que foi] o dedo de Deus que nos protegeu, por intercessão da
nossa querida Padroeira Santa Luzia. Em reconhecimento de tão grande graça,
cantou-se um ‘Te Deum’ solene, em ação de graças, no domingo, 21, pelas 5 horas
da tarde” – Texto transcrito do livro do tombo da igreja de Santa Luzia,
em Mossoró-RN.
Mossoró, pela sua importância econômica e estratégica, foi um palco de agitação
quando os revoltosos que estavam nas imediações da cidade de Jaguaribe, no
Ceará, se preparavam para adentrar em nosso Estado. Diz Raimundo Nonato (1966):
Mossoró era “um porto aberto ao intercambio de vasta área do comercio
nordestino, no negócio de algodão, sal, sementes de oiticica, cera de carnaúba,
gesso [e com] agência do Banco do Brasil, não sendo despropositada a
precisão de assalto, depois de longas travessias e combates, a um porto que
oferecia vantagens múltiplas, inclusive o reaprovisionamento de tropa”.
Essa ameaça de ataque iminente espalhou o medo na população que procurou fugir
da cidade. Um grande contingente de pessoas foi se refugiar em Areia Branca. A
companhia Estrada de Ferro Mossoró-Porto Franco colocou diversos trens extras,
porém não conseguiu atender a demanda e mais de 150 pessoas não tiveram como
embarcar. Quem não conseguiu lugar nos trens, fugiu para qualquer lugar da
vizinhança.
Na cidade se preparava a resistência. O deputado Juvenal Lamartine, o chefe da
polícia (Dr. Silvino Bezerra), o comandante da polícia militar (Cel. Joaquim
Anselmo), o intendente municipal (Cel. Rodolfo Fernandes, que um ano depois
comandou a defesa da cidade contra o ataque de Lampião), o presidente da
Associação Comercial (Cel. Cunha da Mota), o vice-presidente da intendência
(Dr. Hemetério Fernandes) e muitos outros organizaram o esquema de defesa.
Algumas das decisões tomadas foram: a distribuição de armas e munições
fornecidas pelo Exército Nacional, a formação de trincheiras em torno da cidade
e na zona urbana e a vigilância da fronteira com o Ceará.
O Padre Mota, o novo vigário da Igreja de Santa Luzia, atuava em várias
frentes. Ao mesmo tempo em que cedia o prédio do Ginásio Santa Luzia (onde hoje
é a agencia central do Banco do Brasil) para servir de sede do “quartel
general” da defesa da cidade, promovia reuniões entre os representantes do
governo com as lideranças civis e procurava acalmar as famílias e evitar as fugas
precipitadas, com seus sermões nas missas e, inclusive, com a publicação de um
Boletim.
Os revoltosos não chegaram a Mossoró, como não chegaram a Areia Branca e Natal,
cidade onde as notícias e boatos de ataques da Coluna Prestes também chegaram,
com maior ou menos alarme que causaram na “capital do oeste”.
Medo em Areia
Branca
No ano do ataque da Coluna Prestes ao Rio Grande do Norte, a cidade e o porto
de Areia Branca tinham importância vital para a economia do Estado. Muito mais
do que é hoje. Eram ligados a Mossoró pela Estrada de Ferro Mossoró-Porto
Franco, cujos trilhos serviam de rota para as exportações e importações do
oeste potiguar, da região jaguaribana cearense e, ainda, do alto sertão
paraibano.
Segundo Paulo Pereira dos Santos (2002), por um longo período que vai das
décadas de 70/80 do século XIX até as três primeiras do século XX, toda a
atividade empresarial da região oeste do Estado, em especial dos
estabelecimentos industriais e comerciais localizados em Mossoró, se refletia
na intensa movimentação do porto de Areia Branca. De 1893 a 1895, cento e
cinquenta e seis embarcações atracaram naquele porto, enchendo seus porões com
mercadorias exportadas por firmas mossoroenses. Em 1911, cento e treze navios
nacionais e outros 153 estrangeiros levaram produtos negociados por empresários
de Mossoró, sendo 33 noruegueses, 30 ingleses, 50 alemães, 17 dinamarqueses, 10
suecos, seis holandeses, quatro portugueses, um americano, um francês e um
russo. O porto de Areia Branca movimentava anualmente entre 200 e 250 mil
toneladas de cargas, enquanto o porto de Natal movimentava cerca de 40 mil e os
de Fortaleza e Cabedelo, 90 mil cada um deles. Era o sétimo maior porto do
Brasil, em movimentação de tonelagem de cargas e contribuía com 58% das
receitas portuárias do Estado, enquanto que Natal contribuía com 40%, e Macau
apenas com 2%. Além de porto cargueiro, Areia Branca era também ponto de escala
de navios de passageiros (os chamados paquetes) e navios mistos – carga e
passageiros – da Companhia Nacional de Navegação Costeira, da Companhia de
Navegação Lloyd Brasileiro e de outras empresas marítimas.
Naquele começo de ano, a notícia que circulava na cidade era de que um batalhão
de Exército estava vindo de Fortaleza pelo navio Paconé (embarcação de origem
alemã, confiscada pelo governo brasileiro durante a Primeira Grande Guerra e
então agregado à frota do Lloyd) e de lá deveria seguir para Mossoró e para o
alto oeste, com a missão de defender as localidades ameaçadas de ataques pelos
integrantes de um pelotão avançado da Coluna Prestes, o mesmo que já havia
atacado cidades do interior do Ceará.
Envolta nesse clima, a cidade recebia uma multidão que era despejada das
embarcações que faziam a ligação entre Porto Franco e Areia Branca. Eram as
pessoas vindas de Mossoró – principalmente, mulheres, crianças e velhos –,
fugidas de um possível ataque da Coluna Prestes. Como as hospedarias já estavam
cheias pelos passageiros que esperavam a chagada do Paconé e que iriam embarcar
para Recife, Maceió, Salvador, Rio de Janeiro e Santos, os mossoroenses foram
abrigados em casas de parentes, amigos e até de desconhecidos.
Em uma localidade relativamente calma, essa situação inusitada de agitação
gerou uma serie de hipóteses e especulações, envolvendo a cidade e o porto.
Umas eram simples boatos. O mais difundido dizia que entre os defensores das
cidades atacadas haveria um herói areia-branquense, José de Samuel, isso quando
nem ataques ainda tinha havido no Rio Grande do Norte e o impávido Zé de Samuel
estava placidamente trabalhando em uma máquina de beneficiar arroz, em uma
fazenda localizada em Apodi. Outro propagava que o popular “Geleia, muito
conhecido nos círculos de jogatina”, servia de indicador de caminho para os
revoltosos.
Todavia as autoridades estudavam seriamente um sistema de defesa para o porto,
tendo em vista a possibilidade de que os militares rebelados, com a habilidade
de estrategistas que possuíam, optassem por um caminho alternativo e, evitando
atacar Mossoró, atacassem Areia Branca, o seu porto de abastecimento. Seria uma
maneira de garantir o reaprovisionamento das suas tropas e, ao mesmo tempo, um
grande tento que, certamente, teria repercussão nacional como uma derrota das
forças legalistas. Afora a invasão da multidão de mossoroenses que foram se
abrigar na cidade, nada mais aconteceu em Areia Branca.
No Rio Grande do Norte as lutas da Coluna Preste se
limitaram a São Miguel e Luiz Gomes.
Tomislav R.
Femenick
Mestre em
Economia, pela PUC-SP, com extensão de Sociologia e História; pós-graduado em
Economia Aplicada para Executivos, pela FGV-SP e bacharel em Ciências
Contábeis, pela Universidade Cidade de São Paulo.
É sócio e
diretor principal da Femenick & Associados Auditoria e Consultoria S/C
Ltda, empresa nacional de auditoria, perícia e consultoria, fundada em 1987 e
foi diretor adjunto (assistente da diretoria) da Soteconti Auditores, Campiglia
& Cia e da Revisora Nacional/Deloit, empresas nacionais de auditoria. Foi
sócio e diretor da Technoway, empresa de organização de eventos e editora;
diretor superintendente das Empresas Mayrton Monteleone, revendedoras Mercedes
Bens e Massey Fergunson, em São Paulo e Goiás; gerente de divisão do Banco
Geral do Comércio S/A; diretor adjunto da Cia. Real Brasileira de Seguros;
assistente da diretoria do Banco Cidade S/A; titular do Serpes Serviço de
Promoções e Pesquisas, de Mossoró-RN, empresa jornalística, instituto de
pesquisas e de elaboração de projetos econômicos, além de funcionário do Banco
do Nordeste do Brasil S/A.
Na capital
paulista foi professor titular dos Centros Universitários UNIBERO, UNIFMU,
FIAM-FAAM e Belas Artes, nas áreas de Economia, Contabilidade, Administração,
Câmbio, Comércio Exterior, Finanças, Orçamentos, Mercado de Capitais, Custos,
Auditoria e Perícia Contábil, além de Coordenador Acadêmico do curso de
Hotelaria, do UNIFMU, e orientador de Estágios e Monografias, do UNIBERO. Foi
professor visitante na PUC-SP, UNICID, Faculdades Paulo Eiró e Faculdade Santa
Rita de Cássia. Atualmente é professor da FACEN-Faculdade de Ciências
Empresariais e Estudos Costeiros de Natal e da Faculdade União Americana e
professor visitante da UnP-Universidade Potiguar e da FAL-Faculdade de Natal.
É escritor,
com mais de 40 obras publicadas, entre livros e monografias. Como jornalista,
atuou em vários jornais do país. Atualmente é colaborador dos jornais Tribuna
do Norte e O Jornal de Hoje, de Natal, e da Gazeta do Oeste e de O Mossoroense,
de Mossoró – RN.
http://www.tomislav.com.br/temor-em-mossoro-medo-em-areia-branca/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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