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quarta-feira, 25 de maio de 2016

COMPRA-SE OURO (E VENDE-SE DE TUDO)

*Rangel Alves da Costa

Com uma placa deitada sobre o corpo, como num colete de salva-vidas, João Filisberto da Silva se mantém em pé, impassível entre os caminhantes do calçadão da João Pessoa, o dia inteiro, mal parando para o almoço de um real no Padre Pedro. Assim é que é avistado por todos, conhecidos e desconhecidos, num ofício que jamais imaginou exercer já envelhecido de tempo. Conta com 72 anos, aposentado por idade, empobrecido, sem poder usufruir da velhice.

Passando pelo calçadão, uma garotinha se surpreendeu com aquela estranha e tristonha figura, e muito mais com os dizeres da placa, e logo questionou à mãe: “Sei que ouro é muito caro, assim ouvi dizer. Então não sei como uma pessoa assim, com barba por fazer, roupa já a ponto de rasgar, com cara de quem não possui muita coisa, e ainda quer comprar ouro”. A mãe, coitada, sem saber muito que comentar, ainda assim arriscou: “Pobre homem. Não vende nem compra ouro. Acho até difícil ele comprar qualquer coisa. Passa aí o dia inteirinho com esse anúncio para ganhar um tostão. O seu ganha-pão é esse aí, carregar isso pra botar margarina no pão da miséria”.

Mais adiante, e por todo lugar, moças e moços, senhoras e senhores, gritando a plenos pulmões: “Olha o chip, olha o chip. Chip da Oi, da Claro, da Vivo, da Tim. Compre agora e ganhe um bônus. Olha o chip, olha o chip!”. E na babel do comércio ambulante, outros gritos são ouvidos: “Água mineral, olha a água mineral geladinha. Mate o calor com água mineral. Olha a água mineral. Um real um copinho e dois reais uma garrafinha. Olha a água mineral”. E mais: “Capa e película de celular, quem vai querer. Pulseira da novela, a moda que todo mundo tá usando, quem vai querer. Carteira, óculos de sol, quem vai querer!”.

Tem de tudo no calçadão. Logo chega uma mocinha perguntando se não deseja fazer uma consulta grátis com oculista e ganhar desconto especial na compra dos óculos de grau. Outra chega oferecendo tratamento dentário barato seja na extração, na prótese ou no branqueamento. E o doutor dentista fica logo ali, bastando subir numa escadinha, sem fila sem nada, também aceitando cartão. Por falar em cartão, alguns vendedores só faltam forçar o caminhante a preencher fichas para cartão de crédito de lojas específicas. Vão logo dizendo que é certeza de aprovação e que basta repassar os dados e que eles mesmo providenciam a xerox dos documentos.


Quem quiser comprar pode escolher no sortimento do ambulante ou na tenda colocada sobre as calçadas. A moça grita que tem açaí no copinho, a outra que tem sorvete de vários sabores. Por todo lado a venda de cartelas para ganhar moto, carro ou dinheiro. Uma mulher oferece doces e salgados artesanais, o outro se põe no meio do calçadão e começa a fazer bolha de sabão para chamar a atenção da criança. Mas esta quer mesmo o que avista adiante: um pássaro de plástico que voa dois metros para depois se espatifar pelo chão. E acaba chorando porque a mãe diz que não tem dinheiro pra bugiganga.

Como estranhíssimas espécies, que chegam em grande monta e depois desaparecem em revoada, os hippies cabeludos e tatuados tomam as calçadas das lojas fechadas e espalham seus objetos de venda. Pulseiras, brincos, enfeites, tudo feito em cipó, latão, couro ou linha colorida. São calmos, quase que silenciosos, parecendo mesmo ausentes de seus próprios objetos, do comércio e das pessoas que passam. De vez em quando um toca uma flauta, outro encontra sons instigantes em vasilhames com água, ainda outro medita como se estivesse num mosteiro tibetano. Quando indagados, não é raro que respondam num portunhol arrastado.

Os pedintes também são muitos. Ainda não desapareceram aqueles que expõem suas fraturas ou enfermidades para chamar a atenção das pessoas. E acabam causando um efeito não desejado, pois muitos evitam olhar para a gravidade da situação, seguindo sem lançar uma só moeda. Já se presenciou discussão e até briga na porta da Capela do São Salvador, e entre os pedintes que ali penitenciam no dia a dia. “Esse lugar é meu”, diz uma, ao que a outra responde: “Mas você não é mais pobre do que eu”. E assim vão estendendo as mãos, ouvindo o tilintar de moedas, sentindo a insensibilidade da maioria.

Longe o tempo quando se ouvia “Jornaleiro, olha o jornaleiro”, ou ainda “Pé de moleque, arroz doce, mungunzá, broa de milho e muito mais”. O leiteiro também não grita que vai passando, assim também com a vendedora de verduras, de queijo e de frutas de quintal. Silenciou o som da carroça passando com melancia, abóbora, maxixe e quiabo. O velho vendeirim de tempero, canela, sal grosso, folhas e raízes medicinais, gengibre e penca de alho também deixou de passar.

A vida se modernizou e hoje não se expõe ao comércio ambulante senão aquele empobrecido, desempregado, com dificuldade até de subsistir. O problema é que em número cada vez mais crescente. Por isso que as ruas vivem assim, tomadas de vozes que gritam pedindo socorro. E são cem mil desempregados só em Sergipe.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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