Por Sálvio Siqueira
Naquele tempo,
para sobreviver às inúmeras perseguições das volantes, Lampião arquitetou uma
enorme e eficiente ‘malha’, rede, de colaboradores. Essa rede se fazia
necessário para aquisição de material bélico, alimentação, vestimentas e, o
mais importante, informações. Que, vira e mexe, O “Rei dos Cangaceiros” usava
os ‘informantes’ para passarem a ‘desinformação’. Uma espécie de espionagem e
contra espionagem na caatinga sertaneja.
O roceiro
tinha que ser coiteiro, não simplesmente por ser. Havia o medo do que poderia
lhe ocorrer, assim como a sua família, se se recusa ser colaborador. Tinha lá
suas vantagens em ser colaborador do ‘Capitão’. A vida não era, e não é fácil
para quem vive exclusivamente dos produtos retirados das pequenas propriedades.
Pior ainda, quando o mesmo com sua família, era morador de uma fazenda. Às
vezes o dono sabia, consentia e mandava seu ‘morador’ acolher e alimentar os
grupos quando por suas terras passavam. Outra era só o colaborador quem sabia
da passagem e estada deles naquelas brenhas. A partir do momento em que ele
matava a sede e a fome de algum cangaceiro, leva ou trazia algum recado,
passava a ser colaborador, mesmo que nunca mais se repetisse esses atos. Aí
vinha a dureza imposta por aqueles que os perseguiam, por ele ter dado água aos
cangaceiros, eram, quando descobertos, presos, maltratados e até assassinados.
No entanto, haviam aqueles que colaboravam por recompensas em dinheiro, favores
e proteção, dependendo da sua colocação na pirâmide de colaboradores, se estavam
na base, no meio ou no topo da mesma.
Certa feita,
uma volante comandada pelo Aspençada Sinhozinho, Manoel Gomes de Sá, rastreava
os sinais deixados por dois cangaceiros, que tinham estuprado uma mulher em uma
fazenda da região, no leito e margens de um riacho temporário no sertão do
Pajeú. Próximo às margens dos riachos e rios, era o local preferido onde os
sertanejos procuravam levantarem suas taperas para morarem. Entretidos em
decifrar e seguir o que os sinais ‘diziam’, os homens da volante nem percebem
que estavam bem perto de uma casa.
Na casa, os dois foragidos, cangaceiros Zé Marinheiro e Sabiá, tinham matado sua sede e estavam a prosear embaixo de uma latada, quando, de repente, o dono da casa e sua esposa avisam aos dois da aproximação de soldados. Acredito que os cangaceiros que ali estavam, pensaram serem poucos os homens em seus rastros, pois um deles, Zé Marinho, faz pontaria e abre fogo contra aquele que estava na linha de tiro.
O som do
disparo, repentino àquelas horas e naquele silêncio da mata, não deixa os
soldados atinarem o ponto correto de onde tinha partido o mesmo. O tiro teve
endereço certo. Acertou o ouvido do militar e esse morre mesmo antes de
chocar-se contra o solo seco do sertão. Demorados alguns instantes, a volante,
já consciente do que ocorrera, manda bala em direção oposta de onde viera o
disparo.
Embaixo da
latada onde estavam os cangaceiros, havia um pilão de madeira, e após matar o
soldado, é exatamente onde o cangaceiro Zé Marinheiro se protege dos disparos
dos soldados, os quais retiram lascas da madeira e fazem o cabra escutar o
zunido do projétil tomando outra direção, ou mesmo aquelas que penetram e se
alojam no velho objeto de pilar milho e outras culturas.
Vendo o
companheiro tombado, seus companheiros procuram cercar o local o mais fechado e
rápido que poderiam. Aquele que matara seu companheiro não podia escapar da sua
sentença. E acocham cada vez mais o círculo da morte.
Vendo que
estavam cercados, os dois cabras pulam para dentro da casa do roceiro, e, de
lá, dão combate à volante.
Essa casa era
d’um caboclo trabalhador, conhecido como Garapu. Casado com dona Carmina,
geraram oito herdeiros. Quando os cangaceiros adentram na casa, sua companheira
procura proteger sete, de seus filhos, colocando-os em lugar seguro. O caboclo
tinha algum dinheiro, provavelmente ganho dos cangaceiros, pega seu ‘tesouro’ e
o coloca entre uma telha e outra. Essa ação não passa despercebida por sua
esposa, que naquela hora, lembra-se de seu primogênito que tinha ido fazer
compras na vizinhança. O filho mais velho daquele casal estava mais perto do
que ela, sua mãe, imaginava. Viajando montado em uma burra, já na volta de sua
viagem, escuta o tiroteio vindo das bandas de sua casa. Salta do animal e
procura uma moita como esconderijo, vendo o que se passava com sua família.
Soldados
atacam, cangaceiros se defendem. Num momento infeliz, o comandante da volante
passa diante de uma das janelas da casa, e, nessa estava o cangaceiro Sabiá,
que sem demora, faz mira e abre fogo contra ele. O tiro e certeiro, levando a
mais uma baixa na volante. Após a morte do comandante, vários de seus
comandados não conseguem segurar o fogo. Dentre eles, estava o soldado Zé
Tinteiro, valente e destemido, segura seu fuzil e combate os inimigos com maior
afinco.
Outro volante,
Zé Freire, homem de um Santo Protetor fora do comum, estava tiroteando contra
Zé Marinheiro. Esse, salta por sobre a porta de baixo, as portas da maioria das
casas do sertão rural e mesmo nas cidades, naquela época, eram em duas partes e
de madeira, e avança, ficando a centímetros de Zé Freire. Aponta a arma e
aperta o gatilho. À bala impina, a espoleta não ‘quebra’, a arma não dispara.
Zé Freire, quase que encosta a boca do fuzil na cabeça do cabra e faz fogo,
estourando o crânio de Zé Marinheiro.
Seu
companheiro, o cangaceiro Sabiá, continua a combater os soldados, virado numa
fera ferida. Numa tentativa de louco, salta para fora da casa e nesse momento é atingido na barriga e em uma das pernas. Continuando a combater os soldados
bolando pelo terreiro da casa. Até que os dois valentes volantes se aproximam e
matam o terrível cangaceiro.
Após abater os
cangaceiros, a tropa aproxima-se da casa e o soldado Zé Freire grita para que o
dono saia para o terreiro... para morrer.
Velório do Aspensada Sinhozinho Gomes
“(...) o
soldado Zé Freire, revoltado com a morte do Aspençada Sinhozinho Gomes e dos
outros dois companheiros, gritou para Garapu, dizendo:
– Saia pra
fora, Garapu. Você tá sabendo que vai morrer (...).” (“AS CRUZES DO CANGAÇO –
Os fatos e personagens de Floresta-PE” – SÁ, Marcos Antônio de. e FERRAZ,
Cristiano Luiz Feitosa. Floresta, PE. 2016)
O coiteiro
sabia sim sua sentença. Sabia que por ajudar bandidos seria condenado a morte
certa. Estando dentro de um quarto, com sua esposa e os sete filhos, Garapu
despede-se deles, saca de uma faca peixeira e parte de encontro a morte.
Desfere um golpe em direção ao soldado que havia lhe inquirido, errando o alvo.
O soldado Zé Feire, afasta-se para um lado e mata a tiros de revólver o
coiteiro.
“(...) Com a
morte de Garapu, Carmina teve que lutar sozinha para criar os filhos, lavando
roupas de vizinhos, costurando e cuidando da lavoura(...).” (Ob. Ct.)
Dona Carmina,
na época do tiroteio em sua casa, estava grávida. Alguns meses depois, pariu
uma menina a qual deu o nome de Nair Carmina da Silva. Logicamente, essa, nunca
soube o que é ter um pai, seus afagos e conselhos.
Os corpos dos
militares mortos são levados pelo restante da tropa para seu QG. O corpo do
caboclo Garapu e dos dois cangaceiros, Zé Marinheiro e Sabiá, são enterrados em
uma vala comum bem próximo a casa.
As notícias
voam com o vento. E aquela história da morte do caboclo Garapu se espalhou por
toda a região do vale do Pajeú. Outros coiteiros, temendo a mesma sina, arrumam
suas tralhas em cima de carro de bois, no lombo de animais e dão no pé.
Na cidade de Floresta, PE, na rua Theófhanes Ferraz Torres, os fazendeiros “Manoel Januário, Rosendo Januário e Elói Januário", colaboradores de Lampião, estabelecem residência. A partir daí, essa rua passa a ser conhecida como “A Rua dos Coiteiros”, até os dias de hoje.
Fonte (“AS
CRUZES DO CANGAÇO – Os fatos e personagens de Floresta-PE” – SÁ, Marcos Antônio
de. (Marcos De
Carmelita Carmelita)e FERRAZ, Cristiano Luiz Feitosa(Cristiano Ferraz).
Floresta, PE. 2016)
Foto Ob. Ct.
Foto Ob. Ct.
Fonte:
facebook
Página:
Sálvio Siqueira
Grupo:
OFÍCIO DAS
ESPINGARDAS
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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